A partir de amanhã, 26, Dilma passa a ser vizinha dos Quilombolas de Rio dos Macacos, Bahia

De acordo com a coluna de Anselmo Goes no Globo de hoje, 25/12, é provável que Dilma Rousseff estenda sua permanência na Bahia até o dia 10 de janeiro, em lugar de voltar para Brasília no dia 5. O que continua certo, aparentemente, é que amanhã ela viaja com sua família, para alojar-se na Base Naval de Aratu. Sem querer negar à Presidenta seu direito a um merecido descanso, seria extremamente louvável se Dilma aproveitasse algumas poucas horas para se informar e, idealmente, travar contato com seus “vizinhos” Quilombolas. Quem sabe só este gesto bastasse para deixar claro para a Marinha que os direitos deles devem ser respeitados e que novas ameaças não serão toleradas. Abaixo, transcrevo novamente um textinho sobre este assunto. TP.

Blog Especial: O descanso de Dilma, a Marinha e os Quilombolas de Rio dos Macacos

Por racismoambiental, 20/12/2011 17:43
Irmãs que nasceram e cresceram na Comunidade, com 110 e 84 anos, respectivamente.

Tania Pacheco

A Presidenta Dilma Rousseff tem todo o direito de descansar entre os dias 26 de dezembro e 5 de janeiro. A Presidenta tem todo o direito, igualmente, de querer estar com sua família – mãe, tia, filha, genro e neto. Tratando-se de um descanso tão curto para quem tem suas responsabilidades, a Presidenta tem também todos os motivos para buscar um lugar tranquilo, bonito, acolhedor, onde possa encontrar paz, prazer de brincar com o neto, alegria por estar cercada das pessoas que ama. Estivesse eu no lugar dela e buscaria sem dúvida uma praia semideserta, de águas límpidas e puras, de areia macia e, preferencialmente, contando ainda com a sorte de belos dias de verão e céu azul. Nada mais justo.

Mas a Presidenta Dilma Rousseff escolheu para passar esses dez dias uma praia nas cercanias de Salvador. Uma praia onde outros presidentes já passaram férias, diga-se de passagem, exatamente por todas as qualidades que apontei no parágrafo anterior. Qual o problema, então?

Na verdade, pode ser que nem haja problema, e sim solução…

Acontece que a garantia da tranquilidade presidencial será dada pela Marinha do Brasil. Acontece também que a praia em questão está dentro da chamada Base Naval de Aratu. E daí?

E daí que estamos falando da mesma Base Naval que quer expulsar os quilombolas de Rio dos Macacos, para aumentar sua área e construir mais “residências” para seus praças e oficiais. Estamos falando dos militares que cercaram o quilombo no dia 31 de outubro, com armas de grosso calibre, tentando fazer com que abandonassem suas casas, suas vidas e suas tradições antes mesmo do dia 4 de novembro, quando vencia a “ordem de despejo” decretada pelo Juiz Evandro Reimão dos Reis, de Salvador.

A Comunidade, formada por mais de 80 famílias, atualmente, vive no local há pelo menos dois séculos. A moradora mais antiga viva, nascida e criada lá, tem 110 anos de idade.

Já a Marinha chegou muito tempo depois, na década de 1960, conseguindo que o Estado “desapropriasse” as terras e as entregasse a ela, para a construção da Base de Aratu.

O Quilombo do Rio dos Macacos está registrado no Livro de Cadastro Geral nº 013, Registro nº 1.536, de 26/11/2007, da Fundação Cultural Palmares, mas isso é pouco para a Marinha, tanto no município de Simões Filho, Bahia, como na Marambaia, Rio de Janeiro. Lá e cá, a comunidade não é livre para entrar e sair de suas terras, criar seus animais e suas hortas, pescar livremente no mar que já foi e tem que continuar a ser seu.

Há registros de agressões, ameaças, intimidações e humilhações das quais ninguém é poupado: velhos, jovens, crianças, adultos, mulheres e homens. Crianças não têm direito à educação; idosos ficam sem cuidados médicos; adultos são submetidos a “revistas” eventuais, muitas vezes obrigados a se despir inteiramente. Para a Marinha, os quilombolas são “invasores”; e devem ser tratados como tal.

Muitas famílias já partiram, expulsas pela violência e truculência dos militares. E isso foi constatado inclusive por funcionários do Incra, impedidos, eles próprios, de dar concretude a uma decisão proveniente de Brasília, ou melhor, de uma reunião que teve origem na própria Casa Civil, no Palácio Presidencial. Na solução negociada no dia 1º de novembro pelo deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), junto a representantes do Ministério da Defesa, da Marinha, da Seppir, da Procuradoria Geral da União (PGU) e do Incra, ficou acertado “de boca” que os órgãos competentes do governo teriam um prazo de quatro meses para delimitar e titular o Quilombo, pondo um fim às arbitrariedades.

Coube ao Subprocurador Diogo Palal Flores dos Santos, da Procuradoria Regional da União da 1ª Região, enviar ao deputado mensagem formalizando a decisão de que estava impedida por 120 dias qualquer tentativa de expulsão da Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos. A medida foi concedida às 14:14h, com a seguinte sentença: “Defiro a suspensão da execução da Ordem Judicial por quatro meses, a contar de 4 de novembro de 2011?. E era essa, a sua data.

Um mês e dois dias depois, no dia 6 de dezembro, o INCRA enviou antropólogos para dar início ao processo de demarcação do território ao quilombo de Rio dos Macacos. Iriam começar a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que documenta a história, a ancestralidade, a tradição e a organização socioeconômica da comunidade, assim como seus limites territoriais.

Segundo Rosemeire dos Santos Silva, uma das lideranças da comunidade, “logo que o Incra chegou, a Marinha cercou o nosso território com cerca de 100 homens fortemente armados, que entraram nas nossas casas para nos revistar durante a noite. Nós pensamos que eles iam sair, mas os homens permanecem acampados no meio do mato. A comunidade ficou em pânico; cercaram o nosso território e colocaram armas nas nossas cabeças”.

Ao contrário do combinado em Brasília, as informações são de que a Marinha continua a criar dificuldades para a ação do Incra, o que pode fazer com que o prazo se esgote sem que todos os passos necessários à titulação tenham sido concretizados. Ainda segundo Rosemeire, “na reunião que tivemos em Brasília, a Marinha combinou com o INCRA que ia autorizar a realização das atividades necessárias para a elaboração do território, mas isso ainda não aconteceu”.

No dia 4 de janeiro, dois meses do prazo terão se passado. Metade do tempo concedido. E Dilma Rousseff estará passando seu último dia na Base de Aratu.

Que ela saia de lá tranquila, feliz e em paz em todos os sentidos. E que os quilombolas de Rio dos Macacos sejam deixados por ela igualmente em paz, felizes e tranquilizados, com seus direitos e cidadania garantidos pela Presidenta que possivelmente ajudaram a eleger.

Uma visita à Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos não pode estar ausente da agenda da Presidenta. Mas uma visita acima de tudo para fazer Justiça.

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