Manaira Medeiros
Ele espera fechar decisão sobre o assunto na reunião com a empresa – com presença do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), acionista da Aracruz – que será agendada no máximo em 15 dias, em Vitória, segundo compromisso firmado pelo ouvidor agrário nacional, desembargador Gercino José da Silva Filho, que preside a Comissão de Combate à Violência no Campo, do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).
Na falta de um acordo que garanta aos quilombolas a realização da cata dos resíduos e galhos, inutilizáveis pela Aracruz, e que ponha fim às perseguições e violência praticadas pela Garra, segurança privada da empresa – com apoio de policiais –, a associação irá recorrer aos organismos internacionais, em busca de medidas emergenciais.
O presidente da associação exige a apuração dos fatos; o desbloqueio da comercialização de madeira; a criação de um Grupo de Trabalho para apresentação de uma solução definitiva ao problema; investigação sobre a atuação do Estado e da empresa em relação às comunidades impactadas, e atenção de órgãos da assistência social, para as áreas judicial, previdenciária e alimentar.
Um documento nesse sentido já foi enviado a órgãos responsáveis em agosto deste ano, mas a associação obteve resposta apenas do governo federal, que gerou a recente reunião com a Ouvidora Agrária Nacional, e da Procuradoria de São Mateus, esta sem medida efetiva.
Ignoraram os relatos: o governo Renato Casagrande; o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Chamoun (PSB); o procurador geral de Justiça, Fernando Zardini; o bispo de São Mateus Don Zanoni; o presidente da seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil, Homero Mafra; o presidente do Senado, José Sarney (PMDB); o ministro César Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e o procurador geral da República, Roberto Monteiro Gurgel.
Os quilombolas apontam os graves contrastes sociais existentes nos municípios que correspondem ao antigo território de Sapê do Norte, explorado pela Aracruz Celulose desde a ditadura militar. Com famílias geralmente de cinco pessoas, a principal atividade da região passou a ser a cata dos resíduos, que são vendidos como fonte de energia ou carbonizados para abastecer siderúrgicas do Estado. Isso porque, após a chegada dessa monocultura, a agricultura de subsistência foi inviabilizada, resultado da degradação ambiental promovida pela empresa e uso intenso de agrotóxicos.
Inicialmente reduzida a um negócio familiar, eram construídas carvoarias artesanais e a produção vendida localmente. A atividade, porém, começou a despertar interesses de grandes consumidores, que passaram a investir para terem exclusividade na compra do carvão. Recebeu o nome de “negócio do facho” e atraiu atravessadores. A atividade é considerada a única fonte de renda para 30% das famílias, com R$ 230,00 mensais.
Em 2002, houve o primeiro acordo entre a empresa e os catadores, para permitir a cata dos resíduos. Mas isso não impediu que os quilombolas continuassem a ser vítimas de agressões e prisões arbitrárias. Seis anos depois, um novo acordo autorizou novamente o aproveitamento dos restos de eucalipto e ainda a implantação de programas de geração e renda pela empresa e prefeituras, nas comunidades ilhadas pelos extensos eucaliptais, o que não aconteceu.
Sem posse de documentos como escritura de imóveis, devido ao conflito pelo território explorado pela Aracruz, os quilombolas não conseguem obter licenciamento ambiental para registro de seus fornos. Audiências públicas foram realizadas sobre o assunto, também sem providências. Problema que poderia ser resolvido com um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas a empresa se recusa a firmá-lo.
A associação reúne 150 famílias quilombolas, das comunidades de Nossa Senhora Aparecida, Poço Cachimbo, Morro das Araras, Córrego do Sapato e Córrego do Macuco, em Conceição da Barra e São Mateus.
Imprensa
Além de se encontrarem em situação de miséria e de insegurança alimentar e abandonados pelo Estado (governos federal, estadual e municipal), os quilombolas denunciam as tentativas de criminalização da mídia corporativa, que tenta marginalizá-los para a sociedade.
No mesmo documento enviado às autoridades, a associação protocolou um abaixo-assinado contra matérias publicadas também em agosto deste ano, pelo jornal Folha Vitória e Rede Record, responsabilizando os quilombolas pela Máfia do Carvão. As matérias, segundo eles, agravaram a situação na região e ainda geraram desconfiança no mercado.
Para eles, a intenção foi denunciar roubo de madeira – mesma alegação utilizada pela empresa para prender quilombolas arbitrariamente –, marginalizar as comunidades e ocultar os graves problemas sociais decorrentes das atividades promovidas pela Aracruz Celulose no Espírito Santo.
“A polícia é quem tem que saber quem rouba, quem é máfia. Tratar todos os quilombolas como criminosos é generalizar. A empresa prende, tem milícia armada, lança venenos em cima das comunidades, realiza aterros irregulares e ninguém fala nada. Com os quilombolas, é bem diferente. Não vamos aceitar!”, ressaltou Manoel Pedro Serafim.
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