Nos últimos meses, movimentos estudantis chilenos disseram ao mundo o que se passa de verdade no país, pedindo por educação gratuita e de qualidade. Ao mesmo tempo em que mostrou ao mundo quem são essas organizações, o momento serviu para agregar setores em paralisações gerais e expôs o governo de Sebastián Piñera. Desde 2006, com o Movimento dos Pinguins, onde alunos secundaristas seguiram em marcha por melhorias na educação, não se via um panorama em tanta ebulição no país.Enquanto o governo não acena com uma proposta ideal para as demandas estudantis, que questionam a grande participação privada e a mínima participação do Estado no sistema educacional, a ordem é continuar com marchas, reivindicações e diversas outras manifestações, apesar da visível repressão policial adotada pelo governo Piñera.
Camila Vallejo, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile (Fech), falou em entrevista à ADITAL, sobre como andam as mobilizações. Ela afirma que toda essa movimentação chama a atenção para situação do governo, “que se encontra absolutamente isolado, distante da cidadania e de suas demandas”. Hoje, Vallejo estará no Brasil, onde participará em Brasília do lançamento da Jornada Continental de Lutas da Juventude. Confira a entrevista.
Adital – Desde 2006, com o Movimento dos Pinguins não se via uma mobilização de tamanha envergadura no país. Como você relaciona estes dois momentos?
Camila Vallejo – O movimento social que se manifesta este ano é consequência de todo um processo no qual influi de maneira muito importante o movimento dos Pinguins. Muitos dos universitários que hoje sentem a necessidade de manifestar-se são estudantes que participaram dessas mobilizações, também os secundaristas de hoje sentem que o Movimento dos Pinguins é um legado de antigas gerações, pelo que se tornam rapidamente parte deste movimento social com muita responsabilidade. Já em termos mais globais referentes à sociedade, o Movimento dos Pinguins e ouros processos de mobilização de atores da educação que tiveram vida durante estes 21 anos de consolidação do modelo neoliberal no Chile contribuíram para que se evidenciasse a crise que a educação atravessa e que hoje permite que a sociedade tenha clareza a respeito do tema e também respalde majoritariamente as demandas por uma educação pública, gratuita e de qualidade.
Adital – Atualmente as mobilizações têm conseguido respaldo e apoio internacional. Como vocês avaliam esta expansão? Esperavam que fosse tomar estas proporções?
Camila Vallejo – Para o movimento é extremamente reconfortante ver todas as numerosas expressões de apoio e respaldo internacional. Não esperávamos desde o princípio que esta luta fosse ultrapassar as fronteiras do país. Em realidade, neste movimento aconteceram muitas coisas que foram históricas, e isso, junto com a convicção de que nossas demandas são necessárias para o país, nos permite seguir somando forças dia após dia para continuar lutando. Da mesma maneira, tem sido importante que em muitos países vejam o que ocorre aqui no Chile realmente, que se distancia bastante da imagem de um modelo exitoso que se tem mostrado desde o exterior nos últimos anos. Este é um país com profundas desigualdades, onde temos uma das piores distribuições da riqueza e este movimento evidenciou o descontentamento que existe entre os chilenos, que já estão cansados de endividar-se para estudar, de não ter acesso a uma educação de qualidade e tantos outros problemas produto do modelo neoliberal que enfrentamos.
Adital – Tudo parece que começou com demandas da Educação, mas hoje claramente caminha para outras exigências populares e democráticas. A que vocês consideram que se deve esta expansão?
Camila Vallejo – Se poderiam mencionar vários fatores, mas creio que há ao menos dois que são muito relevantes: o primeiro tem relação com a capacidade que o movimento teve de articular diferentes atores por meio de demandas educacionais que posteriormente tiveram sentido para amplos e majoritários setores da sociedade. Isto se pode perceber frente ao massivo respaldo do povo nas ruas, nas marchas, nos panelaços, nas pesquisas etc. O segundo tem relação com a intransigência do governo, que tem sido incapaz de dar resposta ao que o país demanda: mudanças profundas e radicais na educação. Esta atitude e ação do governo têm feito com que se evidenciem as grandes deficiências do sistema político chileno, onde existe uma falsa democracia que hoje permite que as demandas que uma grande maioria de chilenos respalda não se traduzam em políticas públicas, onde hoje nossa legislação não permite que os chilenos decidam sobre temas de especial interesse público e nacional com mecanismos como um plebiscito, por exemplo.
Adital – Junto com as manifestações vieram as violações e repressões. Há uma campanha em curso para denunciar o fato. Qual é o cenário real, atualmente, da repressão?
Camila Vallejo – O governo tem tentado deslegitimar e anular nossas demandas e o movimento por meio de distintas estratégias, uma delas tem sido a repressão de que temos sido objeto e frente a qual a sociedade tem sido bastante clara em repudiar, por meio de panelaços massivos ou somando-se às manifestações, marchas e atos que realizamos. Nesse sentido, frente ao forte e incontrolável crescimento deste movimento, o governo continua com a repressão, impossibilitando marchas pelas principais avenidas da capital ou com ataques de policiais durante as manifestações, repressão que teve um momento máximo em quatro de agosto, quando Santiago parecia estar em estado de sítio, onde nos impediram de realizar duas marchas que estavam convocadas para esse dia. Frente a isto, tem se levantado campanhas para denunciar a repressão policial, onde colaboram principalmente advogados e estudantes de direito. Mas o movimento tem sido capaz de superar estes ataques e continua convocando mais e mais gente para estas demandas, mantendo o caráter pacífico de suas marchas e atos, onde na última semana realizamos uma atividade familiar no Parque O’Higgins com artistas chilenos que nos apóiam, ato ao qual assistiram em torno de 1 milhão de pessoas.
Adital – O movimento estudantil no Chile é atualmente uma grande referência para toda a região. O fato já afetou autoridades, ministros… Que tipo de repercussões isto têm no governo de Sebastián Piñera?
Camila Vallejo – Tem uma forte repercussão no governo, a aprovação da gestão do presidente chegou a 26%, uma cifra histórica nos últimos 21 anos. Tampouco foi menos importante que o presidente tenha chamado nove presidentes de partidos políticos chilenos para uma reunião para tratar do tema do movimento educacional e que a essa reunião só tenham assistido dois dos nove partidos citados (que eram de sua coligação). Pode-se mencionar muitos dados para dar conta de que o governo de Sebastián Piñera se encontra absolutamente isolado, distante da cidadania e de suas demandas.
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