Justiça barra grilagem dos Maioranas

A juíza Ellen Bemerguy Peixoto, da 2ª Vara Cível do Distrito de Icoaraci, rejeitou pedido de reintegração de posse formulado pela Delta Publicidade, empresa da família Maiorana que edita os jornais “O Liberal” e “Amazônia Jornal”, para a retirada de 360 famílias ribeirinhas de uma área no bairro Fama, atrás do supervalorizado condomínio Alphaville, em Outeiro.  No local, os Maiorana pretendem construir a nova fábrica de refrigerantes Fly, mas há dois problemas que impedem a expulsão dos moradores, a imensa maioria deles pobres que enfrentam toda sorte de dificuldades para sobreviver.

O primeiro é que a terra pertence à União Federal e está localizada na chamada área de Marinha, por sofrer a influência de marés, de acordo com declaração datada do último dia 17 de agosto e assinada por Maria Soraya Ferraz e Lana, chefe da Divisão de Regularização Fundiária Rural da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) anexado ao processo.

De acordo com o documento, a servidora informa que se encontra em tramitação na SPU no Pará o processo 04957.  005110/2011-81 “em nome da comunidade denominada Neuton Miranda, localizada na localidade de Tucumaeira, Distrito de Outeiro, Município de Belém-Pará, solicitando a regularização fundiária”.

A SPU então sentencia: o imóvel em questão se localiza “em ilha que sofre influência de maré e, por força do artigo 20 da Constituição Federal, cominado com o Decreto 9760/46 pertence à União Federal, salvo a existência de títulos legítimos emitidos sobre o mesmo”.

Os empresários nunca requereram à União a concessão de uso da área.  Além disso, os Maiorana não apresentaram à Justiça qualquer documento de propriedade do imóvel, apenas um compromisso de compra e venda.  Em resumo: o que há é uma tentativa de se apossar de terra pública para construção de empreendimento privado.

Ocorre que nem a primeira derrota judicial impediu os empresários Rômulo Junior e Ronaldo Maiorana, donos da Fly, de promover um verdadeiro clima de terror contra as famílias.  Segundo elas, aparecem com frequência capangas em motocicletas e policiais militares armados para ameaçar os moradores, dizendo que terão de sair de qualquer maneira.  A última ameaça foi a de construir um muro em volta do terreno, para isolar os moradores.

As famílias têm resistido como podem, afirmando que não pretendem abandonar o local onde residem há vários anos.  A valorização das terras na região atrai a cobiça diária de grupos empresariais, principalmente depois do anúncio do prefeito Duciomar Costa de construir no bairro Fama a primeira de um grupo de pontes ligando por rodovia Outeiro a Mosqueiro.  A obra pode até não passar de mais um delírio, mas já provoca intensa especulação imobiliária na região.

TESTEMUNHA

Ao receber a petição inicial dos advogados dos Maiorana, a juíza Ellen Bemerguy Peixoto não se convenceu da prova documental apresentada (compromisso de compra e venda), determinando a

realização de audiência de justificação para oitiva de testemunhas que comprovassem que os empresários detinham a posse da terra, para então conceder a liminar de reintegração de posse.

Mas, na audiência realizada no último dia 18, os Maiorana não conseguiram nenhuma testemunha que fosse a juízo para declarar que eles eram proprietários do terreno.  Quem apareceu foi Lyvio César Nascimento, preposto da Delta Publicidade, que teve o depoimento indeferido pela juíza por ele não ter isenção para prestar declarações em razão de ser empregado de Rominho e Ronaldo.

Moradores vivem espécie de “terrorismo”

Passando ao lado do Assentamento Neuton Miranda, no bairro Fama, em Outeiro, não é difícil enxergar o pequeno barraco de dona Raimunda da Silva, 60 anos.  Com queimaduras de segundo grau em boa parte do tronco, braços e rosto, ela passa o dia inteiro deitada, à espera da boa vontade de vizinhos para se alimentar e se locomover ao posto médico para fazer curativos.

Raimunda faz parte das cerca de 360 famílias que ocupam a área que é reivindicada irregularmente por Rômulo Maiorana na Justiça.  As queimaduras conseguiu durante a ameaça de invasão por “policiais” no local.  “Disseram que a polícia vinha chegando e saí correndo com uma panela cheia de mingau quente nas mãos.  Tropecei e o mingau caiu todo em cima mim”, conta.  O acidente ocorreu há cerca de 15 dias.  Ela passa os dias prostrada numa rede, armada em pedaços de pau fincados no terreno dentro do barraco que conseguiu montar com a ajuda de outros moradores.  Há apenas o telhado no pequeno barraco, armado em pedaços de pau.  Ainda não houve como conseguir madeira suficiente para fazer todas as paredes.  “Sou sozinha e vim de Bragança.  Não tinha mais como morar lá e vim para cá.  Fico chateada porque não posso fazer nada.  Quando o sol bate na minha pele arde muito”, reclama.

Vinda de diversas regiões do Estado, como Bragança, Barcarena, Castanhal, Icoaraci e Outeiro, a maioria dos ocupantes, assim como D. Raimunda, diz que foi obrigada a ocupar a área por não ter onde morar.  “Não temos mais condições de pagar aluguel.  Somos pobres”, diz a dona de casa Ana Eneida.

Ela denuncia que as famílias ocupantes vêm sendo ameaçadas desde quando chegaram, inclusive por milícias armadas pagas.  “Já vieram motoqueiros aqui, todos vestidos de preto e com luva preta procurando os líderes da ocupação.  Vira e mexe mandam pessoas rondar aqui, sem falar num helicóptero que vive quase que diariamente filmando a gente lá de cima”, denuncia.

Doralice Souza, outra moradora, disse que homens armados também estiveram no local fazendo ameaças.  “Eles querem saber quem são os cabeças do acampamento.  Como não dizemos quem são, eles ficam furiosos e nos ameaçam”, conta, afirmando não saber quem são os ameaçadores.

Ana Eneida acusa Rômulo Maiorana de ter mentido descaradamente para a juíza de Icoaraci, afirmando que os ocupantes teriam derrubado galpões e construções de sua propriedade na área.  “A juíza mandou uma semana antes da audiência um oficial de Justiça aqui e comprovou que nada havia sido construído aqui e repassou a informação à juíza.  Por isso eles perderam na Justiça”, conta ela, afirmando que apenas mato havia na área.

Antônio dos Reis garante que, apesar das ameaças, as famílias não sairão do local.  “Essa área nunca foi privada.  É área da Marinha, da União e já existem documentos que comprovam isso no processo.  Vamos esperar que a SPU (Superintendência de Patrimônio da União) nos dê o título de posse.  Vamos lutar até o final!”, diz.

Ana Eneida diz que Rômulo Maiorana insiste em dizer no processo que a área é de sua propriedade e que irá murá-la, isolando todos os ocupantes.  “Ele mandou dizer que nós vamos sair daqui por bem ou por mal, mas isso é que nós iremos ver.  Ele já perdeu a reintegração na Justiça.  Vamos continuar na luta”.

http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=393014

 

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