Povos indígenas participarão de relatório do IPCC sobre adaptação às mudanças climáticas

Representantes de todos os continentes relataram durante congresso na Cidade do México suas experiências sobre as alterações climáticas com base em conhecimentos tradicionais. Elas farão parte do próximo relatório do IPCC sobre adaptação às mudanças climáticas.

Informações de Paula Franco Moreira e Aloisio Cabalzar

Cerca de 80 pessoas entre acadêmicos e indígenas de todos os continentes participaram do congresso “Povos Indígenas, População Marginalizada e Mudanças Climáticas: Vulnerabilidade, adaptação e conhecimento tradicional” nos dias 19, 20 e 21 de julho, na cidade do México. Organizado pela Universidade da ONU com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o secretariado da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), o Pnud, a Unesco e o Instituto Nacional Mexicano de Ecologia (INE), o objetivo do evento foi possibilitar a participação de Povos Indígenas, populações vulneráveis e marginalizadas incorporando suas visões no próximo relatório do IPCC relativo à adaptação, a ser publicado em 2014.

Como os efeitos das mudanças climáticas afetam diferentemente cada região e não há uma solução global para o problema, um dos objetivos do congresso foi o de fortalecer o conhecimento tradicional no entendimento dos efeitos das mudanças climáticas.

Na abertura o co-presidente do Grupo de Trabalho (GT) II do IPCC, Vicente Barros, responsável por resumir e avaliar o conhecimento científico dos países membros da Convenção da ONU para o Clima (UNFCCC) relacionados aos impactos, adaptação e vulnerabilidade, afirmou que sua expectativa era obter uma síntese de conhecimento tradicional para ser agregado ao próximo relatório do IPCC. Ele fez um resumo do ultimo relatório do GT II, publicado em 2007, afirmando que foi desenvolvido da maneira mais neutra possível evitando tomar posições e fazer recomendações, porém serviu para as negociações de política global de clima.

Os grupos de trabalho do IPCC

O IPCC tem três grupos de trabalho. O primeiro trata da base da ciência física. O segundo trata dos impactos, adaptação e vulnerabilidade e o terceiro, da mitigação das mudanças climáticas e economia. Em relação aos relatórios publicados em 2007 por cada um desses grupos, Barros disse que as conclusões do GT I foram as que mais provocaram impacto na política porque reconheceram o aquecimento global como inequívoco, com a diminuição da neve, o aumento do nível do mar e da temperatura, e colocou em evidência que as causas destas alterações são muito provavelmente decorrentes do aumento de emissões de gases de efeito estufa pelas ações do homem em todos os continentes, exceto a Antártida.

Em relação às conclusões do GT II que preside, Barros ressaltou que a distribuição dos impactos das mudanças climáticas ocorre de maneira desigual no planeta e que por isso, o IPCC desenvolveu variados cenários macros para as regiões dos possíveis impactos. Sua expectativa é que o próximo relatório, de 2014, traga mais precisão sobre estes cenários futuros, assim como maior detalhamento dos impactos registrados das mudanças climáticas, e que, portanto, deve adquirir maior relevância nas negociações das políticas de clima global e regionais.

Depois do 4º informe do IPCC em 2007 a Convenção da ONU para o Clima, cujo maior objetivo é “evitar interferência perigosa” no clima, solicitou ao IPCC que precisasse o quê é e o que fazer para evitá-la. O IPCC respondeu que para evitá-la o aumento da temperatura média no planeta teria que ficar abaixo de 2 graus Celsius.

Em seguida, a indígena filipina Minnie Degawan, coordenadora de Projetos da Aliança Internacional dos Povos Indígenas e Tribais das Florestas Tropicais, enfatizou que foi neste congresso que pela primeira vez os povos indígenas foram efetivamente chamados a influenciar políticas públicas. Minnie destacou que o congresso deve colaborar para o cumprimento do direito de participação nas políticas públicas que afetam os povos indígenas por meio da incorporação de alguns dos participantes na autoria do relatório de 2014.

Adaptação na costa da Nicarágua

A abertura e o encerramento contaram também com a participação de Mirna Cunninghan, indígena da Nicarágua e atual presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Climáticas. Ela apresentou as medidas de adaptação das comunidades indígenas na costa caribenha de seu país e afirmou que as causas da mudança climática são decorrentes do avanço da colonização, gerando desmatamento e degradação dos solos e florestas e a perda de territórios e recursos naturais pelos povos indígenas. Ressaltou que isso tudo leva também à perda dos espaços de vida dos espíritos protetores, e à diluição de valores culturais e espirituais.

Mirna relatou que a partir daí começaram a ocorrer doenças, mortes e desiquilíbrio, o que ela chama de tensões por perda de equilíbrio entre as esferas cultural, natural e política. Em relação às causas da mudança climática e a relação com os conhecimentos tradicionais, ela apontou que com a perda de controle dos territórios ancestrais, os espíritos protetores andam soltos e as consequências são a perda da solidariedade, reciprocidade e instituições comunitárias, assim como o enfraquecimento da capacidade de resolução de conflitos.

Paralelamente à perda do território, registra-se também a perda dos conhecimentos tradicionais e as mudanças nos padrões de alimentação e formas de produção. Para a presidente do Fórum Permanente da ONU para Mudanças Climáticas, a maior medida de adaptação é o regresso dos efetivos donos da natureza aos seus lugares de origem. Na prática, as medidas de adaptação às mudanças climáticas estão sendo praticadas na Nicarágua, com a luta dos povos indígenas pela legalização dos territórios ancestrais. Além disso, estão sendo fortalecidas as medidas de controle comunitário e o respeito aos anciões que possuem o controle e a gestão comunitária. Também estão sendo recriadas as normas comunitárias de proteção dos recursos naturais com a incorporação de elementos de espiritualidade, aplicando as proibições tradicionais e incentivando um diálogo intergeracional.

A percepção dos indígenas do Rio Negro

Durante o congresso, o representante do Programa do Rio Negro do Instituto Socioambiental, o antropólogo Aloisio Cabalzar apresentou uma pesquisa intercultural sobre os ciclos anuais e clima no noroeste amazônico. Para os povos indígenas dessa região, o ciclo anual, a sucessão das estações, o manejo ambiental adequado a cada uma delas, e as mudanças percebidas, de menor ou maior escala temporal, estão associadas ao manejo do mundo feito pelos especialistas rituais (curadores do mundo, os chamados kumua).

Em relação à história recente desses povos e à sua situação sociocultural atual, Cabalzar relatou que duas estratégias estão sendo desenvolvidas no contexto de projetos conjuntos entre organizações indígenas e seus parceiros: (1) intercâmbios interregionais, no âmbito do noroeste amazônico, com vistas a fortalecer as redes de conhecimentos indígenas; e (2) programas de pesquisa conjuntos, explorando relações entre conhecimentos indígenas e das ciências ocidentais, em plataforma de pesquisa interdisciplinar. O principal desafio é o fortalecimento do conhecimento indígena no contexto de comunicação e conexão crescentes com a sociedade global. O principal eixo temático, por permitir uma perspectiva integradora e compreensiva, é o calendário anual.

A pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), Paula Franco Moreira, apresentou resultados preliminares de sua proposta de pesquisa a respeito da conexão entre conhecimentos globais sobre clima e a realidade local de povos indígenas, em co-autoria com Dzoodzo Baniwa (Juvencio da Silva Cardoso), professor da Escola Pamáali, no Alto Rio Içana, e presidente da Associação do Conselho da escola(ACEP).

Mudanças climáticas e conhecimentos tradicionais

Em sua apresentação, intitulada “Conectando conhecimento de mudanças climáticas globais com o conhecimento tradicional local de povos indígenas”, a pesquisadora resume que seu objetivo é desenvolver um diálogo de conhecimentos utilizando dois paradigmas acerca de impactos das mudanças climáticas na Bacia Amazônica: de um lado, o conhecimento não indígena, aquele modelado pelo IPCC com seus cenários de impactos para a Amazônia e os conhecimentos trazidos por alguns artigos publicados por revistas cientificas com dados comparativos das ultimas grandes secas na Amazônia 2005 e 20101; de outro lado, a ciência indígena com as percepções locais de alterações do clima usando seu conhecimento tradicional e as recomendações para medidas e políticas de adaptação e mitigação das alterações climáticas. A pesquisadora utilizou o artigo A seca de 2010 na Amazônia escrito pelo americano Simon Lewis e pelo pesquisador brasileiro Paulo Brando, do Ipam, entre outros, publicado na revista cientifica Science em fevereiro de 2011 (The Amazon 2010 Drought).

As questões que Paula pretende responder em sua pesquisa são: (1) como e se estes paradigmas de conhecimento se comunicam; (2) se sim, se tais conhecimentos podem ser complementares de maneira a fortalecer o entendimento sobre impactos e medidas de adaptação. Para isso, ela resume as decisões da Convenção da ONU de clima a respeito e faz algumas recomendações para colocá-las em prática. O congresso contou ainda com a participação da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, professora emérita da Universidade de Chicago, que participou como observadora, colaborando com reflexões e sugestões práticas de encaminhamentos.

Os próximos passos serão a revisão por parte de especialistas dos artigos aceitos e até 31 de outubro o relatório do congresso será divulgado. O prazo para envio das versões finais dos artigos é 10 de setembro. Até 14 de outubro o rascunho do relatório a ser enviado ao IPCC deve estar pronto e entre outubro e dezembro os autores principais do Grupo de Trabalho II se reunirão. Em dezembro de 2011 está previsto o lançamento da base de dados piloto de materiais sobre adaptação e povos indígenas. Fevereiro de 2012 é o prazo para revisão dos artigos assim como a realização do 2º congresso desta série que ocorrerá em Cairns, Austrália. Até abril de 2012 deverá ser publicado o relatório técnico do México. E, finalmente, até o final de 2012 serão publicados os artigos dos dois congressos.

http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3390

 

 

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