Bolívia, revolução sem transgênicos

Se a produção agropecuária com a utilização de sementes transgênicas for aprovada, automaticamente estará autorizado o ingresso legal do glifosato na Bolívia

Fortunato Esquivel, jornalista boliviano


A Lei de Revolução Produtiva, atualmente em trâmite no congresso boliviano, está promovendo um enorme debate de último momento, com a mobilização de setores vinculados à defesa ecológica e à produção de alimentos orgânicos diante da possibilidade certa de uma muito dissimulada introdução de artigos que permitirão o uso de produtos transgênicos, promotores da privatização das sementes, que passarão às transnacionais – que, por sua vez, são donas das modificações genéticas.

Trata-se de uma batalha entre as transnacionais produtoras de herbicidas e sementes modificadas e a Pachamama [Mãe Terra], que aparentemente não consegue o apoio necessário de seus filhos parlamentares que não sabem defendê- la. Na rua, os ecologistas pouco podem fazer com seus protestos.

As sementes transgênicas necessitam do apoio do pesticida glifosato, um poderoso herbicida que, onde elas são semeadas, acaba com todas ervas daninhas – mas também com as boas. O glifosato é também portador de más notícias. Na Argentina, instalou-se uma batalha que envolve a embaixada estadunidense, que defende a produtora do pesticida diante do estudo científico realizado por Andrés Carrasco, da Universidade de Buenos Aires, cujo trabalho suspeita de uma toxicidade muito alta do produto.

Estudo oficial

A presidente Cristina Fernández de Kirchner ordenou a seu Ministério da Saúde a iniciar um estudo sobre os efeitos nocivos do glifosato, cujos resultados determinarão a decisão de limitar ou proibir o pesticida. Numerosas denúncias circulam pelo país, mas a mais grave veio da província do Chaco. No ano passado, um juiz teve que ordenar a suspensão das fumigações de arrozais com glifosato depois de tomar conhecimento de um relatório da Comissão Provincial de Investigação de Contaminantes da Água.

O informe afirma que nos últimos dez anos triplicaram os casos de câncer em menores de 15 anos, enquanto que os nascimentos com má-formação quadruplicaram a partir do auge da produção arrozeira no departamento de Bermejo.

Os interesses econômicos são muito grandes. A partir da publicação de seus estudos, o toxicólogo Andrés Carrasco foi alvo de campanhas de desprestígio por parte das empresas envolvidas e dos meios de comunicação.

Em março passado, a revista estadunidense Chemical Research in Toxicology publicou os estudos de Carrasco. Confirmou-se que o glifosato produz múltiplas más-formações. Com o suporte de análises científicas, adverte-se sobre as másformações dos fetos de mulheres grávidas expostas ao glifosato.

Se aprovada a produção agropecuária com a utilização de sementes transgênicas, automaticamente estará autorizado o ingresso legal do glifosato na Bolívia. Por enquanto, esse pesticida se encontra entre nós pela via ilegal ou com autorização de governos neoliberais, que, sem dúvida, engordaram carteiras com as propinas das poderosas transnacionais, sempre dispostas a comprar quem está à venda.

Crise de alimentos

O mundo precisará de mais e mais alimentos à medida em que aumenta sua população. Por enquanto, somos mais de 7 bilhões e espera-se que até 2025 cheguemos a 10 bilhões. Os alimentos não serão suficientes para todos. Os preços irão às nuvens.

Mas os transgênicos não são a solução, como querem nos fazer crer as transnacionais. Até agora, não se comprovou que esse sistema promova maior produção. De outro lado, os alimentos orgânicos são mais confiáveis e podem solucionar a fome planetária.

Os empresários agrícolas nacionais estão interessados em introduzir o milho transgênico, o que poderia significar a perda da propriedade dessa semente para as mãos das transnacionais, que certamente exigirão o pagamento de royalties pelo uso de suas modifi cações genéticas e os produtores ficarão dependentes de seu uso.

Não há dúvidas. Somos um país “inocente”, e os que sabem disso chegaram ao ponto de fazer com que nossos deputados caiam na armadilha aprovando o projeto, que deverá ser revisado e confirmado pelo Senado.

Há vazios legais que devem ser preenchidos de maneira sábia, do contrário as transnacionais se apoderarão do patrimônio que herdamos da Pachamama. É preciso defendê-la e não traí-la. Apoiamos a revolução produtiva, mas sem transgênicos.

http://brasildefato.com.br/node/7125

 

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