Os problemas que geram aflição a mais de duas dezenas de comunidades de agricultores na margem leste e oeste da BR-174 no Mun. de Pres. Figueiredo iniciaram entre 1969 e 1971 com a grilagem de terras dos chamados “paulistas”. Envolve também ações fraudulentas de cartórios acobertadas pelo judiciário e executivo do Estado do Amazonas, mediante concessão de títulos ilegais. O reconhecimento desses títulos podres por parte dos sucessivos governos estaduais vem adiando a solução óbvia deste conflito e tornando-o, dia após dia, mais agudo. Por isso, para se poder dar uma solução definitiva às pessoas envolvidas, é preciso convencer as autoridades estaduais da necessidade de oficializar a nulidade de todos os títulos podres, origem do conflito, e que se devolvam as terras à União para que as distribua a quem é de fato e de direito. É também necessário que se faça auditoria nos cartórios envolvidos, afim de que não se repitam semelhantes ações.
Os Precedentes:
1 – Trata-se de terras griladas por “paulistas” em 1970 e tituladas aos mesmos sem demarcação física alguma, ignorando cursos fluviais e sem a certidão negativa da presença indígena, documento absolutamente necessário para qualquer empreendimento na Amazônia. Ao contrário, o pedido da certidão foi rejeitado pelo então Presidente da FUNAI porque estas terras, naquela época, faziam parte da área Indígena Waimiri-Atroari. Portanto, são títulos frios e nulos.
2 – A ação desses “paulistas” teve intenção explicita de fraudar duplamente o Estado Brasileiro: primeiro por apropriar-se de terras da União, ou seja, então terras indígenas; e segundo por apropriar-se indevidamente do dinheiro de incentivos fiscais, que apenas deveriam ser concedidos a quem efetivamente investia na Amazônia. A absoluta maioria dos titulares jamais visitou o lote correspondente a seu titulo. Seu interesse residia apenas nos incentivos fiscais.
3 – Não sendo permitido titular mais de 3.000 ha., e conhecendo o desinteresse dos primeiros titulares dos terrenos, os articuladores da trama foram posteriormente aglutinando os títulos, como o fez a família Vergueiro. Assim, por exemplo, o primeiro titular do lote 96 de 3.000 ha, onde se localiza o conflito Terra Santa e Fazenda Cristo Rei, foi José Eduardo Solari. Ainda não vimos o documento que transferiu este lote à Sra. Tereza Vergueiro, que aparece no arquivo do ITEAM-Instituto de Terras do Amazonas como dona originária do lote.
4 – Quando estas terras foram griladas da Reserva Indígena ainda estavam sendo efetivamente ocupadas pelos Waimiri-Atroari. A lei que alterou os limites da reserva, desmembrando essa parte, somente entrou em vigor em julho de 1973.
5 – A partir desta nova situação muitos agricultores ocuparam a região ao longo da BR-174, AM-240 e margens do rio Uatumã à jusante da Hidrelétrica de Balbina. São pelo menos 17 comunidades atingidas no Município de Pres. Figueiredo.
6 – Preocupado com a situação desses agricultores, já por volta de 1978, um superintendente do INCRA levantou a questão da nulidade dos títulos em questão, acabando por desistir não se sabe por quê.
7 – Por volta de 1993, em audiência pública realizada na Câmara Municipal de Presidente Figueiredo sobre a situação dos agricultores impossibilitados de obterem seus títulos de terra, ofereci aos representantes do INCRA documentação que comprova a nulidade dos títulos dos pretensos donos dessas terras, mas as autoridades desse órgão não se interessaram pelo assunto, desinteresse que vem se arrastando até os dias de hoje.
8 – Parte das terras em questão foi submersa em 1989 pelo lago de Balbina. No inicio deste século 27 possuidores de títulos dessas terras inundadas, requereram da União uma vultosa indenização. O Ministério Público Federal (MPF), em relatório de 95 páginas, questiona a concessão da indenização, comprovando a nulidade e ilegalidade dos títulos concedidos pelo Estado do Amazonas por “fraude no processo de outorga de títulos e busca de enriquecimento ilícito em prejuízo ao erário” (relatório de 28-2-07). Veja os passos da fraude apontados pelo MPF:
1. “elaboração do loteamento virtual. (…)
2. Outorga de lotes em violação ao Decreto Nr 1.127, de 22 de abril de 1968, do Estado do Amazonas. Proibição de qualquer forma de utilização das terras devolutas situadas ao longo das BRs 319 e 174, numa profundidade de 30 km, para cada lado dessas estradas.
3. Ausência de demarcação. Demarcação virtual do “loteamento”.
4. Fracionamento dos pedidos de outorga apresentando-se nomes de terceiros. Conduta para contornar a proibição constitucional de concessão de gleba com área superior a 3.000ha sem autorização do Senado (cf/67, art. 164, parágrafo único). Posterior outorga dos títulos substituindo o nome dos proponentes pelos dos atuais beneficiários. Reagrupamento dos lotes por parte dos atuais beneficiários. Fraude ao art. 164, parágrafo único da CF/67.
5. Determinação da Lei de Terras do Estado do Amazonas de reversão, ipso facto, ao patrimônio Público, das terras outorgadas, quando ausentes a exploração e fixação de moradia no local por parte dos cessionários. Omissão do Estado do Amazonas em proceder à reversão.
6. Anos 2000. Omissão do governo do Estado do Amazonas.
7. O Estado do Amazonas concedeu títulos de terras em propriedade da União. Área de posse imemorial e tradicional da comunidade indígena Waimiri-Atroari.
8. Impropriedade do parágrafo único do artigo 2º, do Decreto 97.837, de 16 de junho de 1989, que homologou a demarcação da Área Indígena Waimiri-Atroari.
9 – Em 2002 o relatório da CPI da Grilagem de Terras Públicas na Amazônia da Câmara Federal também sugere a anulação dos títulos em questão. Ver Relatório pgs 56-63.
10 – Quando em 2009 o Governo Federal anunciou a criação do Terra Legal, os grileiros começaram a se mobilizar no sentido de demarcar fisicamente os seus lotes de maneira a caberem no módulo da nova lei.
11 – A diminuição dos lotes lhes exigiu compartilhar os mesmos com “laranjas” novamente, como no início, acobertados pelos donos dos cartórios da região. Torna-se sempre mais claro que os “laranjas” acobertam madeireiros, ou fazendeiros, ou ainda mineradores e são eles que aliciam e/ou pressionam e/ou ameaçam os agricultores hoje. Assim, na comunidade Canastra apareceu como fantasma uma empresa originária da BR-163, de Itaituba no Pará, que se instalou por detrás dos lotes da comunidade e, sem um contato com a mesma, passou a demarcar as terras, inclusive cortando os lotes dos comunitários. Em outras comunidades, pessoas que chegaram como posseiros, como qualquer outro comunitário, de uma hora para outra e sem que se entenda como, passaram a grandes proprietários dizendo-se donos das terras e pressionando e ameaçando os pequenos agricultores.
12 – Na comunidade Terra Santa o Sr. João Gomes Brandão chegou pobre como os demais a convite de um dos comunitários no ano de 2004, quando na localidade já havia moradores há pelo menos 4 anos. Inscreveu-se como sócio da comunidade e participou da mesma até 2009. Neste ano veio ostentando o título do lote 96, expedido pelo Cartório de Presidente Figueiredo no dia 12 de janeiro do mesmo ano de 2009, com cadeia dominial confusa, sem data de inicio. Os agricultores começaram a reagir e a lutar pelos seus direitos.
13 – A decisão da justiça sobre o caso Terra Santa é particularmente importante, pois abrirá um precedente favorável ou desfavorável que afetará todas as comunidades atingidas pela grilagem de 1970. Estamos falando de aproximadamente 3 mil famílias só no município de Presidente Figueiredo e mais de 2.400.000 ha em 5 municípios do Estado do Amazonas. Daí mais um motivo para que as autoridades federais e estaduais prestem atenção a este caso.
14 – O que no momento está evidente neste conflito é que agricultores e instâncias legislativas e judiciárias federais concordam sobre a solução do conflito, mas não contam com a colaboração dos donos de cartórios, nem da justiça estadual e nem do governador do Estado que, no caso, tomam o partido da ilegalidade.
Com base nisto, urge que o Governo Federal tome as medidas cabíveis e evidentes frente a esses títulos podres, já sugeridas tanto pela Câmara Federal, como pelo Ministério Publico Federal. O Estado do Amazonas devolva essas terras à União para que possam ser transferidas a quem deve de direito, e não se derrame mais sangue inocente.
Presidente Figueiredo, 11 de agosto de 2011.
[*Este histórico foi apresentado na 232ª. Reunião da Ouvidoria Agrária Nacional, realizada no dia 27 de julho de 2011 no prédio da Câmara Municipal de Presidente Figueiredo – Amazonas].
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=59187