Nove operários morrem na Bahia. Isso é só o começo

“Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu preço”.

Leonardo Sakamoto

Nove operários morreram em um canteiro de obras, ontem, em Salvador. Eles estavam em um elevador que despencou de uma altura de 65 metros (ironicamente, o nome da construtora responsável era “Segura”). De acordo com o sindicato de trabalhadores do setor, são 15 os mortos desde o início do ano em canteiros de obras na Bahia.

Os empresários da construção civil estão com sorrisos de orelha a orelha. Programa de Aceleração do Crescimento, “Minha Casa, Minha Vida”, Copa do Mundo, Olimpíadas. Governo injetando bilhões para financiamento. É claro que tudo isso significa mais geração de empregos em um setor que já contrata milhões. Mas produzir em quantidade e rapidamente tem, por vezes, significado passar por cima da dignidade do trabalhador.

No ano passado, o Planalto reclamou do excesso de fiscalização, que trava as obras e faz com que o Brasil cresça mais devagar, momento em que foi aplaudido por parte do empresariado. Esquece-se (ou ignora-se) que o ritmo de crescimento não deve ultrapassar a capacidade do país de garantir segurança para quem faz o bolo crescer. Ou ir além da capacidade física e psicológica desse pessoal.

Mas como estamos falando dessa gente encardida, não tem problema. Dá mais uma colherada de feijão, uma cachacinha e pau na máquina!

O problema em milhares de obras espalhados pelo Brasil tem a mesma raíz: a terceirização tresloucada que torna a dignidade responsabilidade de ninguém. Mais ou menos assim: Um consórcio contrata o Tio Patinhas para tocar um serviço, que subcontrata o Mickey, que subcontrata o Pateta, que deixa tudo na mão de três pequenas empreiteiras do Zezinho, do Huguinho e do Luizinho. Às vezes, o Zezinho não tem as mínimas condições de assumir turmas de trabalhadores, mas toca o barco mesmo assim. Aí, sob pressão de prazo e custos, aparecem bizarrices. Depois, quando tudo acontece, Pateta, Mickey, Tio Patinhas e o consórcio dizem que o problema não é com eles. E aí, ninguém quer pagar o pato – literalmente.

Veio março e o quiprocó se instalou no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, causado pela revolta de trabalhadores que protestavam contra as péssimas condições de serviço. Isso colocou em povorosa o governo, que teme por (mais) atrasos nos cronogramas das obras. Na época, a solução apontada pelo Planalto veio na forma de um pacto com empresas e sindicatos para evitar novos conflitos. Disse o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho: “a idéia do pacto é exatamente prevenir para que não haja, em relação as obras da Copa, eventuais atrasos”. Sinceridade total.

O governo quer, dessa forma, copiar o “Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar” – acordo vendido como um instrumento eficiente, mas que até agora não mostrou ao que veio. Nesta segunda-feira, durante a conferência anual do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Gilberto Carvalho derramou elogios sobre o compromisso. Mas até uma capivara cega comedora de cana sabe que não é possível mensurar seus resultados (se é que eles existem) porque não houve monitoramento até agora. Ou seja, tendo como base esse compromisso, imagine o que vem pela frente com o pacto da construção civil?

Além do mais, a funcão do poder público não é tocar pactos – deixe isso com a sociedade. A funcão é fazer valer a lei. Simples assim. Mas fazer pacto é mas fácil do que fiscalizar e punir…

Trabalho escravo tem sido encontrado em obras do PAC, do “Luz para Todos”, do “Minha Casa, Minha Vida”, da CDHU. Ao mesmo tempo, jovens tem dado o sangue em canteiros, como o de 16 anos que morreu soterrado em abril em uma obra no Cambuci, Centro de São Paulo. E por aí vai. A capivara do setor cresce a olhos vistos.

Muita coisa mudou desde que os verde-oliva deixaram o poder, naquela abertura “lenta, gradual e segura”, mas mantivemos modelos de desenvolvimento que dariam orgulho aos maiores planejadores daquele período: de que, para crescer rapidamente e atingir nosso ideal de nação, vale qualquer coisa Passando por cima de qualquer um.

Pedro Casaldáliga, símbolo da luta pelos direitos humanos no Brasil, nos contou uma vez que ouviu uma justificativa da boca de um fazendeiro português com terras no Mato Grosso que serve feito uma luva para o que estou querendo dizer: “Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu preço”.

Não adianta elevar a questão dos direitos humanos nas relações internacionais e não executar o mesmo internamente. E se quiser fazer valer os direitos humanos, o governo terá que comprar brigas com áreas que, historicamente, lhe são importantes (pelo menos, nas campanhas eleitorais), como o setor elétrico, o agronegócio e a construção civil. Afinal de contas, o crescimento tem que estar sujeito ao respeito dos direitos fundamentais e não flanar sobre eles.

Considerando como o Brasil funciona, vamos arrastar – por incompetência ou má fé – as obras de infra-estrutura, hotéis, estádios, aeroportos até o limite do imponderável, nas barbas de 2014. Chegando nesse momento, o governo vai adotar um gigante laissez faire, laissez aller, laissez passer, fechar os olhos e seguir em frente, pelo bem da nação que tem o futebol no coração. Aí eu quero ver a quantidade de senzalas que vão pipocar aqui e ali para garantir que os trabalhadores que tornarão a Copa do Mundo possível não fujam.

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