Ana Virginia Ferreira Carmo – Ouvidora Geral eleita da DPCE
Para que não haja mal entendido na leitura deste artigo, é preciso dizer algumas coisas antes. A escolha do meu nome e a minha futura nomeação como Ouvidora Geral da Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) são uma vitória de todo o campo popular e democrático. A mobilização desse campo garantiu que todos os nomes da lista tríplice fossem pessoas de confiança dos movimentos sociais e da luta pela realização dos direitos fundamentais e dos valores democráticos. Foi a vinculação com as demandas e os interesse populares que fizeram as três pessoas que compuseram a lista tríplice disponibilizarem seus nomes para a construção do primeiro mandato da Ouvidoria Geral da DPCE. Essa mesma vinculação marcará meu mandato, da mesma forma como marcaria se tivesse sido escolhido qualquer outro da lista. Cumprirei esta função com firmeza e equilíbrio, observando sempre a missão de atuar como interlocutora entre os diversos públicos atendidos pela DPCE e a instituição.
Entretanto, não posso deixar de ressaltar alguns percalços deste processo de escolha que indicam o tamanho do desafio que temos pela frente. Desde o início, o Conselho Superior da DPCE demonstrou não possuir nenhuma intimidade com a dinâmica das lutas populares. O edital que regulava o processo restringiu fortemente a participação de entidades do campo popular. Ele exigia como requisito para votar, além do enquadramento no perfil de objeto e tempo de atuação, que fosse apresentada pela entidade uma candidatura para o cargo. Ou seja, para votar não bastava a entidade demonstrar engajamento e atuação nos assuntos que são objetos da Defensoria Pública; tinha que apresentar um candidato. O Conselho Superior foi provocado a rever este aspecto através de uma carta assinada por entidades e fóruns do campo popular, que juntos congregavam dezenas de articulações de diversos setores como movimento ambiental, indígena, de mulheres, de direitos da infância, de moradia, de reforma agrária etc. Em resposta à pretensão do campo popular de ampliar a participação de entidades no processo, o Conselho Superior respondeu dizendo que a idéia era antidemocrática.
Entre idas e vindas, chegamos ao final do processo, no último dia 08, quando o Conselho Superior convocou os candidatos da lista tríplice a apresentarem sua plataforma de atuação para então decidir quem ocuparia o cargo. Como é tradição em qualquer processo que usa a lista tríplice, espera-se a escolha do mais votado, que no caso foi o advogado Rodrigo de Medeiros. Esse nome não foi apenas legitimado através da votação formal no processo, mas também, e principalmente, através das manifestações de diversos fóruns, organizações e entidades do campo popular e da sociedade civil. Tratava-se de um ato de coerência com o próprio histórico da DPCE, cujos membros também demandaram que o Governador nomeasse o nome mais votado da lista tríplice para o cargo de Defensor Geral.
No caso da Ouvidoria Geral a questão seria mais simples ainda, já que eu e o advogado Jairo Ponte, candidatos empatados em segundo lugar, deixamos de apresentar plataforma de atuação e apenas enfatizamos que o candidato a ser nomeado deveria ser o mais votado. Nota especial deve ser dada à queixa da Defensora Geral, Drª. Francilene Gomes, logo após a fala do candidato Jairo Ponte e imediatamente antes da minha, advertindo que a fala dos candidatos deveria apresentar plataforma e seus históricos de atuação para subsidiar a decisão do Conselho, caso contrário aquele momento perderia sua finalidade e até a validade daquela votação poderia estar comprometida. Enfim, apenas o candidato Rodrigo de Medeiros fez o que mandava o protocolo: apresentou seu histórico e uma plataforma detalhada, devidamente legitimada em debates realizados junto aos vários setores de luta por direitos.
Surpreendentemente, apesar da contundência e clareza com que a sociedade civil e o movimento popular apresentaram seu anseio de ver nomeado o mais votado, apesar do excelente histórico de atuação e da brilhante plataforma apresentada por Rodrigo de Medeiros, e apesar da proposital falta minha e do candidato Jairo Ponte na apresentação do histórico de atuação e da plataforma, o Conselho Superior fez ouvidos moucos e, por maioria, rejeitou o mais votado. De fato, as lutadoras e lutadores do povo estavam preparados para qualquer tipo de imprevisto. Como já afirmei no início, todos os nomes que chegaram à lista tríplice são de grande confiança e valorosos companheiros na luta pela Democracia e pela realização de direitos. Mas a postura da maioria do Conselho Superior da DPCE transparece pouca, senão nenhuma, disposição para ouvir a sociedade civil e o movimento popular.
Sabemos que a DPCE não se restringe ao seu Conselho Superior. Sabemos que há grandes lutadoras e lutadores do povo dentre os defensores públicos no Ceará. Ansiamos inclusive que essas lutadoras e lutadores possam somar forças para interferir na composição do Conselho e mudar esse quadro da administração superior da instituição, que é tão importante para a realização dos direitos fundamentais e a concretização da Democracia. Entretanto, tudo isso nos dá a medida do desafio do primeiro mandato de Ouvidora Geral da DPCE, o qual tomarei posse em breve.