Explode panela de pressão social nos subúrbios de Londres

Rebelião, quebra-quebra e saques nos arredores de Londres certamente não tem nada de organizados, mas são alguns dos primeiros sintomas a emergir da austeridade, da crise e do desemprego que assola a Grã-Bretanha. Uma semana antes dos eventos que entram para a história de Londres como as piores rebeliões em quase três décadas, um jovem negro da comunidade de Tottenham alertava, em um vídeo produzido pelo The Guardian, para a grande panela de pressão que tinham se tornado, principalmente, as ruas dos subúrbios londrinos. A reportagem é de Wilson Sobrinho, correspondente da Carta Maior em Londres, 08-08-2011.

Se alguém pudesse argumentar motivações de justiça social por trás do protesto que deu origem à rebelião em Tottenham, no norte de Londres, no início da noite de sábado, menos de 24 horas depois essas razões já tinham sido vaporizadas quando os bairros de Enfield, Walthamstow, Islington e Brixton vivenciaram saques, quebra-quebra e violência gratuita. Porém, mesmo que qualquer política estivesse longe dos objetivos dos jovens que passaram a chuvosa noite de domingo em Londres quebrando vitrines de lojas de calçados esportivos e artigos eletrônicos, os resultados das decisões políticas ainda eram visíveis para qualquer um que olhasse com mais atenção para a trilha de destruição.

Uma semana antes dos eventos que entram para a história de Londres como as piores rebeliões em quase três décadas, um jovem negro da comunidade de Tottenham alertava, em um vídeo produzido pelo The Guardian, para a grande panela de pressão que haviam se tornado as ruas da capital Britânica em seus bairros mais desfavorecidos economicamente. “As ruas de Londres são duras, existem muitas gangues e crimes. E quando os clubes juvenis se foram eles acabaram cortando as raízes e as conexões dos jovens. Eles ficaram sem ter para onde ir… E é por isso que tem mais crime nas ruas: não há nada para se fazer.” Ele termina em tom de alerta: “Vai ter rebelião”.

Os clubes juvenis a que ele se refere são centros comunitários onde jovens ingleses podem aprender profissões, praticar esportes, compor e gravar música e, acima de tudo, ficar longe das ruas e da influência das gangues, um problema particular em áreas mais carentes e afastadas do centro da mais rica capital europeia.

“Se você cortar as atividades de Verão dos jovens, tão certo como a noite segue o dia, você vai ver aumento na criminalidade”, disse o professor John Pitts  ao The Guardian, no dia 26 de julho, dias depois do começo das férias escolares de verão.

“Meu nervosismo é que esses membros de gangues que estavam na escola irão para as ruas. Junte isso a cortes nos serviços que eles usam e menos assistentes sociais que podem mediar a situação, e essas ruas estarão muito mais perigosas e eu imagino que o nível de crime e violência irá aumentar”, disse em tom quase premonitório.

De acordo com o jornal, ainda que as médias dos cortes orçamentários apresentados no plano de austeridade do governo conservador tenha ficado em 28%, algumas das autoridades locais estão cortando de 70 a 80% do orçamento de programas sociais destinados a jovens. Um bom exemplo disso é a sub-prefeitura de Haringey, onde fica o bairro de Tottenham, cujo orçamento desses serviços foi dizimado por um corte de 75% e oito de um total de treze desses centros foram fechados nos últimos meses.

“Em um nível mais simples”, diz Pitts, “isso significa um aumento no vandalismo e no comportamento antisocial. Em longo prazo, se você retirar a proteção do estado então haverá um aumento da influência dos grupos para cobrir esse vácuo”.

E foi exatamente o que se viu nas ruas londrinas – principalmente na noite de domingo. Gangues juvenis aproveitando o clima de caos, e a certeza de que a polícia não poderia conter tantos ataques simultâneos, para praticar crimes. Não há nada de político ou organizado nisso – tão somente caos e anarquia patrocinados por adolescentes sem perspectivas de futuro.

O início do processo porém difere em gênero. Uma centena de pessoas se reuniu em frente à delegacia de Tottenham para exigir da polícia respostas pela ação que culminou na morte de Mark Duggan, na quinta-feira anterior. Duggan, de 29 anos, foi baleado e morto pela polícia em circunstâncias não-esclarecidas em um táxi próximo à estação de trem de Tottenham. Uma comissão policial investiga o caso.

“Eu disse ao inspetor chefe que queríamos sair antes da noite cair. Se ele nos deixasse esperando depois do pôr do sol, seria sua responsabilidade. Nós não poderíamos garantir que não sairia de controle”, descreveu um membro da comunidade que estava na manifestação inicial.

“Se um membro da polícia tivesse vindo falar com a gente, nós teríamos ido embora. Nós chegamos às 17h e tínhamos planejado uma hora de protesto silencioso. Ficamos lá até as 21h. A polícia foi culpada. Se eles tivessem dado uma resposta quando chegamos à delegacia, pedindo que um oficial chefe viesse falar com a família [da vítima] teríamos ido embora antes da rebelião se iniciar”.

A família de Duggan condenou a violência que se seguiu ao pôr do sol em Tottenham. “Queríamos respostas. Eu nem disse aos meus filhos que ele está morto pois eu não posso dar respostas a eles”, disse a noiva de Duggan. “Não estou feliz com o que aconteceu. Não queríamos esses problemas. Queríamos respostas”, afirmou ela ao The Guardian.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=46165

 

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