AM: Preconceito contra índios força até saída de crianças das escolas

No Estado com a maior concentração da população indígena do País, comunidades de diversas etnias nativas que moram em Manaus revelam sofrer preconceito por causa de suas origens. Com a segregação em salas de aula, algumas crianças são forçadas até a abandonar os estudos.

“Tentamos fazer um trabalho de conscientização junto à comunidade, até para podermos manter nossa tradição, mas muitas pessoas ainda não aceitam e querem que nos comportemos como elas”, ressaltou o tuxaua Moisés Saterê, da aldeia Saterê situada no Conjunto Santos Dumont, zona centro-oeste.

Segundo o líder, a comunidade criou uma escola onde os jovens indígenas assistem aulas na língua nativa da etnia que habita o município de Maués (a 276 quilômetros a leste de Manaus).

“Aqui não tem ninguém de fora para julgar as crianças no conteúdo ensinado. Elas se sentem mais à vontade e não têm vergonha de se reconhecerem como indígenas. Aqui elas podem usar colares e cocares sem preocupação”, avaliou Moisés.

Uma dificuldade encontrada pelos saterês quando se instalaram no Conjunto Santos Dumont, na década de 80, foi a resistência dos moradores do local. “Eles diziam que a gente não deveria está aqui, que tínhamos que voltar para a floresta, mas hoje eles já nos aceitam mais”, frisou.

Escola

De acordo com o líder indígena, há uma discriminação velada entre os adultos, mas que se revela de forma mais forte entre as crianças. “Nas escolas, quando uma criança indígena faz algo melhor do que os outros alunos, estes não aceitam e passam a ofender as crianças indígenas. Fazem um barulho batendo a palma da mão na boca para atingir os nativos, há casos de crianças que não aguentam e deixam de ir à escola”, narrou Moisés.

Para o cacique de uma comunidade da etnia Apurinã localizada no bairro Val Paraíso, zona leste da capital, José Milton Farias, quando os indígenas encontram empregos sofrem discriminação dos colegas do local de trabalho, o que interfere na escolha de determinadas atividades em relação a outras. “Por isso, a maioria prefere trabalhos como auxiliar de pedreiro e outros na construção civil”, explica.

O cacique do grupo que possui raízes na região do Alto Purus, no sudoeste do Amazonas, informou que nenhum membro da comunidade possui trabalho formal.

Discriminação ocorre em áreas de população nativa

Para o professor do departamento de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Nino João de Oliveira Neves, o preconceito contra indígenas não é uma exclusividade da capital. “Isto ocorre de forma mais intensa em cidades onde há maior presença de população indígena, como São Gabriel da Cachoeira, Benjamin Constant, entre outras”.

Para o cientista social Águido Akell Santos de Carvalho, que realizou uma pesquisa sobre as populações indígenas a afro-descendentes em Manaus, a tolerância que as pessoas querem demonstrar não é mantida em relação aos povos indígenas. “Fala-se em defender e manter a cultura dos índios, mas desde que eles fiquem distante da cidade. A sociedade quer mostrar a ideia de ser democrática, mas não quer que os povos indígenas levem a cultura dos povos nativos para a capital”, opinou Carvalho.

Segundo o Censo 2010, o Amazonas é o Estado brasileiro com a maior população indígena, com 168 mil pessoas que se declaram índios. O número representa 20% de toda a população indígena do País que totaliza 817 mil indivíduos, de acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O Estado também concentra a maior população indígena vivendo em estado de miséria no País, segundo o instituto. São 97,9 mil indivíduos nessa faixa, equivalente a 15% do universo de 648 mil pessoas em situação de extrema pobreza.

 

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