Renato Santana, de Brasília com informações do Movimento Xingu Vivo
Governo Federal e Norte Energia apostaram alto pelo fim das resistências ao projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará (PA). Quarta-feira (3) organizaram um ato histriônico e marqueteiro para o lançamento da Operação Cidadania Xingu – mutirão de serviços do governo federal onde está planejada a usina. No entanto, sete ministros da República, deputados e prefeitos viram a abertura da operação ser cancelada depois de manifestações dos movimentos sociais que estouraram por toda Altamira e se concentram no Centro de Convenções da cidade, local escolhido como palanque pelo governo.
Altamira é hoje uma cidade deflagrada. Ocupações urbanas de famílias expulsas por Belo Monte, mandados de reintegração de posse com ações violentas da polícia, bolha imobiliária, aumento da desigualdade e do número de sem tetos. A prefeitura, cuja administração é entusiasta da usina, perdeu o pouco controle que tinha sobre uma cidade marcada pela pistolagem, alta concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários, miséria e um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país.
Entre os moradores há pouco ou quase nenhum entusiasmo quanto ao projeto do Governo Federal – apesar da reação ainda estar localizada nos rincões de grande pobreza. Tanto que o pão e circo do Palácio do Planalto, expressos em shows e atividades culturais por Altamira, não empolga ou engana; se a situação já era difícil para pescadores, ribeirinhos, indígenas e toda sorte da gente sofrida do povo, com a usina as perspectivas pioraram. Foi assim durante as tentativas de festejos programados pela Operação Cidadania Xingu – que teve ampla cobertura apenas do programa a Voz do Brasil e representou mais um derrota do governo frente aos anseios da população.
“O consórcio Norte Energia já deu início às obras de Belo Monte com a construção de alojamentos, mas ainda não cumpriu nenhuma das condicionantes previstas em lei para mitigar os impactos que a obra terá sobre a população local. Não é a toa que as pessoas estão com medo de perder tudo o que tem por causa da barragem”, declarou Antônia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, durante protesto em Altamira que reuniu cerca de mil pessoas contra a construção da usina no último dia 29 de julho.
Pelo país, as mobilizações também acontecem. Em Brasília (DF) um grupo de jovens pacifistas, de todo o Brasil, decidiu plantar árvores nativas do cerrado e protegidas por leis ambientais no gramado do Congresso e Senado. A polícia legislativa do senado respondeu com truculência e arrancou as mudas plantadas, como também prendeu alguns integrantes do grupo. Em São Paulo e no próprio Pará, estudantes secundaristas, universitários e ambientalistas lotaram avenidas contra Belo Monte.
Ocupações
De acordo com o Xingu Vivo, 1.200 famílias já estão ocupando lotes em desuso – com média de 50, 60 metros quadrados. Estima-se que outras cinco mil famílias dos chamados ‘baixões’, bairros mais pobres que serão alagados pela barragem, devem entrar nessa lamentável situação. A resistência é organizada pela Frente de Resistência Contra Belo Monte. Formada pelo Xingu Vivo, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), entre outros, a frente é o principal sintoma de que a resistência a Belo Monte é cada vez mais intensas.
Para dom Erwin Kräutler, presidente do Cimi e bispo da Prelazia do Xingu, não é hora de jogar a toalha. Ao contrário, a situação está cada vez pior e exige ações de enfrentamento. Em recente entrevista, dom Erwin declarou: “(…) considero o movimento (contrário a Belo Monte) uma verdadeira façanha diante das hostilidades, difamações e até ameaças que os seus membros, há três décadas, sofrem”. Ele lembra que as famílias estão sendo enxotadas de um canto para o outro e “não resta outra coisa a não ser ocupar um terreno e esperar a polícia ir lá despejar outra vez”.
Belo Monte está apenas no início e a tendência é de aprofundamento do caos social. Indígenas da Volta Grande do Xingu, caso dos povos Arara e Parakanã, e demais povos, como os Juruna e Kayapó, estão também a se articular para defender a Mãe Natureza, o Bem Viver e seus territórios. “Os povos indígenas e ribeirinhos da Volta Grande não sabem o que acontecerá com eles. Eles serão separados de Altamira por um grande paredão. Como os doentes terão acesso aos hospitais? Não há resposta”, frisou dom Erwin.
Para deputados federais do Pará, caso de Wandenkolk Gonçalves (PSDB), só Belo Monte poderá trazer desenvolvimento ao Estado e a Altamira. Como se vê, oposição e situação se unificam: “Isso é como se o povo de Altamira só tivesse direito a um mínimo de respeito (…) se concordasse com a destruição de seu entorno e o alagamento de um terço de sua área urbana”, atacou dom Erwin em entrevista a imprensa. Até mesmo quem participou da campanha por Belo Monte, seja colocando um adesivo no carro, hoje, segundo quem vive em Altamira, já começa a cobrar todas as promessas e condicionantes não cumpridas.
O fato é que a usina fere a constituição, no tocante as terras indígenas, afetadas e sem consulta prévia aos seus ocupantes, tratados internacionais, caso da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e direitos humanos, como direito básico a saúde, educação, moradia. “Queremos mostrar que Belo Monte está longe de ser um fato consumado como o governo tenta fazer crer através de documentos, licenças e coletivas de imprensa”, declarou Moisés da Costa Ribeiro, coordenador regional do MAB. A resistência só cresce assim como a esperança de Belo Monte ser interrompida.
Éden Magalhães, secretário-executivo do Cimi, está em Altamira. “O clima aqui é de grande mobilização contra a usina. Os movimentos estão articulados e os povos indígenas demonstram grande força. Foi um grande fracasso para o governo o show de abertura da Operação Cidadania Xingu”, relatou. O próximo episódio de resistência é a reunião, nesta sexta-feira (5), do Comitê Gestor formado para acompanhar as obras de Belo Monte. O primeiro encontro foi implodido pelos indígenas, em protesto.
http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=5709&eid=274