Há dois meses computador chegou à comunidade Jejum e região, em Poconé, onde vivem 970 famílias, e já promove empreendedorismo entre elas
ALECY ALVES
Na comunidade quilombola Jejum, município de Poconé, no Pantanal mato-grossense, a impressão que se tem é que o tempo passa lentamente e a paz reina tanto entre as pessoas como entre os animais. Lá, onde o gato dorme sobre o cão em perfeita harmonia, a busca pelo conhecimento parece ser não a única, mas uma das poucas pressas dos moradores, especialmente os jovens.
Situada a menos de 100 quilômetros de Cuiabá, à margem da rodovia MT-060, a comunidade teve a chegada do computador há dois meses. O fato trouxe aos descendentes de escravos e populações vizinhas não só um mundo novo de informações, mas um aprendizado que já está provocando mudanças.
Entretanto, para chegar à era da informática é preciso parar o relógio, voltar no tempo, e contar a história do quilombo e seus fundadores. Dona Olga Alves de Sousa, 71 anos, ou melhor, “Tita”, neta de escravos, desempenhou bem tal tarefa.
Mulher forte e decidida, que enfrentou a brabeza do pai, Leopoldo José da Silva, para namorar e se casar com Joaquim José de Sousa, 76 anos, há 46 anos, Tita contou que as terras onde vivem já produziram em abundância.
Na época dos seus pais, a lavoura e a criação de pequenos animais eram as únicas fontes de sustento e renda das famílias. Esse ciclo se repetiu com seus nove irmãos. Já com os filhos delas, também nove, a tradição se repetiu somente até a adolescência, quando os meninos e meninas, como ela os trata, começaram o êxodo pela busca de melhores condições de vida.
Os filhos de dona Tita e muitos sobrinhos se mudaram para Poconé, Cuiabá e tem uma até no Pará, atrás de oportunidades de trabalho. Dona Tita e o marido Joaquim continuam lá, mas vivem do benefício previdenciário que recebem por idade de um salário mínimo, pago pelo INSS.
A filha caçula dela, Evanilza, 27 anos, ainda solteira, não chegou a abandonar a comunidade, mas passa a maior parte do tempo em Cuiabá, onde mora com uma irmã, e trabalha como babá.
Aqueles que insistiram em permanecer no distrito lutam pelo reconhecimento de direitos e valorização da história de seus descendentes. Esse é o caso de Vanda Alves, 33 anos, que já trabalhou em diversas funções, desde agente de saúde à professora substituta, e agora faz artesanato com produtos reciclados para ajudar no sustento da família – é casada e tem um filho.
Membro da Comissão das Comunidades Quilombolas de Poconé, Vanda tem muitos sonhos e projetos para melhorar a vida das populações locais. Somente nessa região do Estado, diz, são mais de 20 quilombos, áreas ocupadas por descendentes de escravos e migrantes.
Com terras ricas em frutos nativos, além dos que podem ser cultivados, e tanta gente precisando de oportunidade de trabalho, a batalha de Vanda agora é pela instalação de uma agroindústria em Jejum. Uma indústria que funcionaria nos moldes de uma cooperativa e produziria doces, polpas e outros alimentos à base de pequi, cumbaru, marmelada, mangava, caju, manga e outros extraídos do cerrado.
Vanda informou que o projeto está pronto, aguardando aprovação de uma linha pública de crédito. Ela, que até pouco tempo não sabia manusear um computador, diz que o curso que concluiu esta semana está sendo de extrema importância nesse projeto. “Já fiz pesquisas, atualizei dados e continuo levantando dados e ações em outras comunidades quilombolas do país”, comemora ela.
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