MPF/MS: plantio de cana em área indígena não deve ter financiamento público

Justiça confirma validade de recomendação que veta financiamento de plantio em áreas já reconhecidas como indígenas pelo governo federal

A Justiça negou pedido da Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul (Famasul) para que o Ministério Público Federal (MPF/MS) fosse impedido de enviar a Recomendação nº 09/2010 às instituições financeiras. Desde outubro do ano passado, o MPF expediu a recomendação aos Bancos Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Brasil e Itaú para impedir que financiamentos públicos sejam garantidos para áreas reconhecidas como de tradicional ocupação indígena.

Áreas reconhecidas oficialmente pelo governo federal como territórios indígenas, ou sob litígio judicial, não poderiam servir de garantia para o débito, uma vez que os títulos são nulos nos termos do artigo nº 231 da Constituição Federal. A recomendação lista 39 áreas nesta situação em Mato Grosso do Sul.

A não concessão de financiamentos nestas áreas visa acautelar o poder público de eventuais prejuízos ao aceitar como garantia áreas que posteriormente sejam reconhecidas como indígenas. Essas áreas apresentam demandas judiciais que podem acarretar a perda da propriedade e a consequente perda de todos os recursos públicos neles investidos. Trata-se de mera transposição para a esfera pública da cautela utilizada pelo cidadão comum ao adquirir bens ou conceder créditos, para os quais exige-se garantia real.

A recomendação visa apenas as áreas identificadas pelo governo federal, que representam pouco mais de 749 mil hectares, cerca de 2,09% da área total do estado.

A ação ajuizada pela Famasul cita especificamente a recomendação enviada ao Banco Itaú, que tinha financiamento contratado com a Usina Nova América, de Caarapó, sul do estado, supostamente de mais de R$ 200 milhões. O Banco Bradesco também financia fornecedores da Usina Nova América por meio da disponibilização de recursos do FAT/BNDES para plantio (ver foto). Ambos disponibilizam recursos públicos para plantio de cana na fazenda Santa Claudina e São Sebastião do Ipacaraí, que incidem sobre a Terra Indígena Guaryroka, também em Caarapó.

Fornecedora da Coca-Cola está irregular – A Usina Nova América pertence à multinacional Raizen, fruto da fusão dos grupos Shell e Cosan. A empresa é uma das principais fornecedoras da Coca-Cola no país e recentemente anunciou a conquista da certificação Bomsucro, que garante critérios sustentáveis na produção de cana e derivados e é exigida pela União Européia. A Raizen quer a certificação estendida para todos os fornecedores, o que inclui a Nova América.

Entre os critérios utilizados para a certificação está o respeito aos direitos humanos – direitos indígenas incluídos – o que contrasta com a utilização de matéria-prima vinda de uma área que foi reconhecida como terra Indígena pelo governo federal em outubro de 2009 (Portaria MJ nº 3219/2009). Tal prática também se opõe às diretrizes de sustentabilidade do grupo Raizen.

Quando for demarcada, a Terra Indígena Guaryroka terá 11.400 hectares e será ocupada por indígenas da etnia guarani-kaiowá. Atualmente, a comunidade aguarda o desfecho do caso em uma pequena área de aproximadamente 50 hectares, no município de Caarapó.

Referência processual na Justiça Federal de Dourados : 0001840-76.2011.403.6002

http://www.ecodebate.com.br/2011/07/26/mpfms-plantio-de-cana-em-area-indigena-nao-deve-ter-financiamento-publico/

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