Pedro e os Mártires Indígenas, por Egon Dionísio Heck*

“Que o sangue dos mártires não nos deixem em Paz” é uma das expressões proféticas de D. Pedro Casaldáliga, inscrita nas camisetas dos Romeiros, em Ribeirão Cascalheira. No dia da grande celebração martirial, da luz que não se apaga, das vidas que serão sempre vidas, “pé no chão” ou memória do povo que caminha, em libertação, lá estava D. Pedro e a seu lado lideranças indígenas. Dona Zenilda, viúva de Xikão Xukuru e seu filho Marquinhos e Elizeu Lopes, representante do povo Guarani Kaiowá, de Marçal de Souza e dezenas de lideranças assassinadas na luta pelas suas terras e seus direitos.

O clamor e solidariedade indígena

Eizeu Lopes falou, em seu depoimento “Sou Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul. Eu vim aqui em nome da comunidade Kaiowá Guarani. Quero fazer um pedido e agradecer a oportunidade de vir aqui somar juntos na Romaria e buscar o Reino, assim como nós estamos buscando nossas terras sem males. Para nós a terra é uma mãe. Buscamos essa terra para nossos filhos, para o sustento e futuro de nossas crianças. Quero dizer que o nosso povo está sendo massacrado, violentado. Eu vi ontem a foto de uma liderança que derramou seu sangue por essa terra sem males. Marçal Tupã’i foi assassinado covardemente, na luta pelos direitos, pela terra. Não foi só Marçal, mas já foram mais de 40 lideranças, professores que já perdemos pelos nossos direitos. Até agora, os nossos país, o Brasil ainda não entendeu, não achou o caminho para resolver nosso problema, demarcar as terras, principalmente no Mato Grosso do Sul.

Agora quero deixar meu pedido a todos que estão aqui, que somam junto com nós, para que podemos denunciar aqui no nosso país e fora do país para que o Brasil demarque as terras para nós Guarani Kaiowá que está cada vez mais morrendo pelos seus direitos, derramando o sangue pelos seus direitos… Por isso eu vim aqui em nome dos Kaiowá Guarani para dizer que nós vamos continuar lutando e nós vamos continuar buscando nossos direitos. Quero deixar para os padres que estão aqui presentes, o meu pedido. Que ajudem, que clamem a Deus, clamem o nosso sofrimento, aqui dentro do país e fora do país, para que seja resolvida na nossa luta. Que as autoridades façam a demarcação das terras aqui no Mato Grosso do Sul”.

Diga ao povo que avance

De Pernambuco, da serra do Ururubá, do território Xukuru, vieram Zenilda e Marquinhos, para lembrar a memória do cacique Xikão Xukuru e todos as lideranças que tombaram na luta defendendo seus povos e seus direitos.

Maqruinhos em seu depoimento disse “Sou filho do cacique Xikão, que também foi assassinado nessa caminhada, na luta pela terra. Gostaria de dizer que precisamos renovar cada dia nossa fé, nossa caminhada! Que cada um de nós, a cada dia, ao levantarmos de nossa cama, da rede e pisarmos com os pés na mãe terra, confirmemos nosso compromisso com a mãe terra, pois é dela que sobrevivemos. Temos uma grande obrigação que é preparar nosso território, preparar a mãe terra para as futuras gerações. Porque senão pensarmos a partir de agora a cuidar de nossa mãe terra, vai chegar o momento em que não teremos mais nada encima dela. Pois como dizia o cacique Xikão – a terra é como o corpo humano: as matas são os cabelos, as águas são o sangue da terá, as pedras são os ossos da terra. Nós temos que cuidar dessa mãe terra porque senão também nós acabaremos. Que Tupã abençoe a todos nós. Diga ao povo que avance – Avançaremos!”

Nunca desistir

Zenilda, com seu entusiasmo na luta e profunda fé nos encantados, cantou e deu seu recado “como mulher e indígena abracei uma causa. Perdi um marido, e tinha um filho preparado, que entreguei à luta.

Nós lutamos por um só objetivo – nossos direitos, nossa liberdade, em união. Quero dizer a vocês que em cada momento desses que participo, eu me fortaleço. Saio daqui fortalecido, com minha fé renovada. Quero dizer a vocês índios e não índios, que a gente nunca deve desistir. Porque quando Deus põe a gente na terra temos uma missão e um dom e com ele nos capacita.

Quero dizer a vocês que não só no povo Xukuru, em todos os parentes indígenas já teve bastante sangue derramado, não só indígena, mas daqueles que apoiam nossa causa. Mas queria dizer a vocês que esse sangue volta para nossas veias e nos encoraja. “Quem nasceu para morrer lutando, não vai morrer de braços cruzados”.

No final da celebração o cacique Xavante de Marawetsédé, que está com suas terras quase totalmente invadidas e que sofre agora a pressão do governo do Estado, com proposta de transferência para outras terras, falou da disposição de seu povo de permanecer e lutar em sua terra e solicitou apoio dos presentes a esse seu direito.

Grito de esperança

D. Pedro iniciou sua fala, dizendo, com serenidade profética e tom poético “possivelmente seja essa para mim a última romaria pé no chão. A outra já estaria contando estrelas no seio do Pai”.

Depois afirmou que os velhos tem direito de dar conselhos “Não esqueçam da opção pelos pobres. Os pobres se concretizam nos povos indígenas, no povo negro, na mulher marginalizada, nos sem terra, nos prisioneiros, e os muitos filhos e filhas de Deus proibidos de viver com dignidade e liberdade.”

Daqui há cinco anos romeiros de todo o Brasil e outros continentes deverão novamente se encontrar em Ribeirão Cascalheira, para a Romaria dos mártires. Se capitalismo neoliberal continuar seu brutal avanço sobre a natureza e todas as formas de vida, haverá muito martírio a ser lembrado. Porém certamente haverá muita resistência e vida a ser celebrada.

Até lá

Povo Guarani Grande Povo
Cimi-Equipe Dourados, julho de 2011

*Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul

http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=58584

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