O monopólio e a liberdade

Mauro Santayana

Imaginemos, já que a isso não nos impedem, o que seria da França de 1789 a 1793, se os mais de duzentos jornais que circularam em Paris pertencessem a um só homem. Se esse homem fosse girondino, a revolução seria paralisada e contida; se fosse jacobino, nada a moderaria, em sua incontida fúria durante o Terror. Ampliemos essa hipótese, e imaginemos que todos os meios de comunicação do mundo pertençam, em um futuro qualquer, a uma única empresa. Como todos sabem, o acionista majoritário de qualquer empresa tem mais poder em seu universo de mando, do que o chefe de estado democrático, dependente de dois outros poderes em vigilância permanente.

Pensemos agora no Sr. Rupert Murdoch e seus duzentos veículos de comunicação na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália, com interesses também poderosos na América Latina e na Ásia. Há 58 anos, Murdoch era herdeiro de um pequeno jornal em Adelaide, na Austrália. Pouco a pouco foi expandindo a sua rede no país e, quando pôde chegou à Grã Bretanha e aos Estados Unidos. Como todas as grandes empresas de comunicação, o seu império tem uma ideologia e, nos países em que atua, seu partido e homens públicos de sua confiança. Murdoch sabe que, nos tempos modernos, os partidos já perderam seus princípios ideológicos, e que tanto os conservadores como os trabalhistas, na Grã Bretanha, quanto os republicanos nos Estados Unidos, são separados por frágeis artifícios retóricos.

Foi assim que, depois de apoiar os governos de Thatcher e Major, na Inglaterra, somou-se a Blair e a Gordon Brown, e, agora, seus jornais estão na retaguarda de David Cameron. Nos Estados Unidos, no entanto, Murdoch ainda não “digeriu” Obama. Continua fiel aos republicanos de Reagan e dos dois Bushes.

Os jornais de Murdoch que lhe dão mais lucro e leitores são papéis de sarjeta, mas financiam os prestige papers, dos quais se vale para, em linguagem mais séria e elegante, sustentar posições políticas conservadoras. A fim de manter tiragens elevadas, ele aprimorou a técnica dos blood papers famosos, britânicos e não britânicos – como o  Bild Zeitung, de Hamburgo, o mais notável dos tablóides da direita alemã. O Bild é tablóide na linguagem e, no formato é tradicional, broadsheet.  A linguagem dos tablóides, como a de certos programas populares de televisão, é a mais adequada para o proselitismo político das massas. Os jornalões que possui servem para conferir-lhe o simulacro de respeitabilidade.

A tablodização da política é o grande escopo dos jornais e das emissoras de televisão controladas pelo Sr. Rupert Murdoch, que não é personagem vulgar, como Berlusconi,  mas homem de excelente formação universitária em Oxford. Ele, que começou a vida aos 21 anos, editando o jornal da família, sabe muito bem o que determinar aos editores de sua imensa rede de tablóides: é preciso atrair os leitores com um jornalismo policial ágil e de suspense, com a continuidade nervosa das matérias, como nos filmes de Hitchcok. Para isso, todos os meios parecem adequados, entre eles o conluio abjeto entre os chefes de redação e os policiais, como os dirigentes da Scotland Yard, o uso de delatores, detetives e informantes, mediante pagamento e a interceptação telefônica. Convém lembrar a atuação canalha da Scotland Yard no caso do brasileiro Jean Charles (também vítima do News of the World, segundo se informa).

A revelação de que o jornal agiu de forma tão criminosa no caso de Milly Dowler – o que faz seus responsáveis cúmplices de Levi Bellfield, o serial killer que assassinou a menina de 13 anos – só ocorreu recentemente. E foi encontrado morto o jornalista Sean Hoare, que denunciou a prática de escutas ilegais e manipulação eletrônica dos telefones pela redação do jornal de Murdoch. É uma macabra coincidência, se coincidência for – e mesmo as coincidências têm raízes na realidade.

O escândalo está abalando a velha Inglaterra, e o primeiro ministro conservador David Cameron não conseguiu dizer coisa com coisa em seu comparecimento de ontem à Câmara dos Comuns. Sua resposta aos parlamentares da oposição foi pífia. Aos quarenta e cinco anos, o primeiro ministro está longe, muito longe, de homens que ocuparam, no passado, o mesmo cargo. Era bem diferente e distante dos dois jovens Pitt que ocuparam o mesmo cargo no século 18: o “velho”, pai, aos 44 anos, e o “jovem”, filho, aos 24 – ambos gigantes da política, como foi também Churchill no século passado. Foram lamentáveis diante da História os argumentos de Cameron, em pouco diferentes da  mediocridade oratória de Thatcher e Major e  dos mentirosos Blair e Brown.

O problema é que muitos europeus advogam a extinção da liberdade de imprensa, a fim de impedir crimes como os dos jornais de Murdoch. O problema é outro: é o da concentração dos meios de comunicação em empresas capitalistas que não oferecem informações e opiniões divergentes, mas, sim, vendem escândalos e chantageiam os políticos, além de servirem a projetos ideológicos totalitários.

A liberdade de expressão para todos é necessária. O monopólio da propriedade dos meios de comunicação é nocivo. Uma serve aos homens; a outra  serve à tirania e à injustiça.

JB Online – Enviada por Maria Esmeralda Forte.

 

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