Os Tremembé do Córrego do João Pereira vencem mais uma batalha

Os indígenas do Ceará vêm sofrendo ações na Justiça, sem fundamento, que visam desrespeitar o seu direito à terra. Estas ações vão assim de encontro à Constituição Federal (art. 231) e à Convenção 169 da OIT. A ação contra a Terra Indígena Córrego do João Pereira, Itapipoca-CE, era mais uma destas ações. De uma vez só criminalizava a Sra. Maria Amélia Leite, Missionária Indigenista, e a Associação Missão Tremembé, e tentava anular esta terra indígena, a primeira demarcada no Estado do Ceará.

Os interesses do capital, que não visam o bem-estar das populações deste Estado, são muitos. Querem seduzir com falsas promessas e empregos, divisas ao erário etc. Mas o que se vê são dispensas de impostos, empregos diminuto e/ou precários, expulsão dos povos de suas terras, criminalização de lideranças e defensores de direitos humanos, degradação do meio ambiente, etc.

Diversas comunidades Tremembé também sofrem com todas estas ações, que atendem os interesses de poucos e prejuízo de muitos, tendo várias vezes o envolvimento dos governos apoiando, defendendo estas violações. Assim foi, por exemplo, com a carcinicultura na comunidade Varjota; a precarização do trabalho e apropriação de lugares comunitários por uma empresa de coco em Itarema-CE; a implantação de empreendimento turístico chamado “Nova Atlântida”, em São José e Buriti, em Itapipoca-CE, e por aí vai. Uma destas tentativas de violação foi esta ação visando à anulação da demarcação da Terra Indígena do Córrego do João Pereira.

Nesta ação, Militantes da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares fizeram a defesa da Sra. Maria Amélia Leite e da Associação Missão Tremembé. Também fizeram a defesa cabal da regularidade da demarcação da terra e do descabimento de tal ação:

Fundamenta-se a presente ação, no suposto prejuízo ao erário, porque as terras eram de um assentamento do INCRA, sendo, portanto, bem da União e passou a ser terra indígena. Não logra êxito tal alegativa, haja vista ser totalmente inverídica, face ao ordenamento jurídico posto. A terra indígena demarcada é de posse da respectiva etnia, claro. Contudo, o domínio é da União por força de determinação Constitucional[…]

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária- INCRA também atestou nesta Ação a regularidade do processo de demarcação da Terra Indígena:

Diante do exposto, não há que se falar em ofensa aos Princípios da ampla defesa, contraditório, moralidade e publicidade, tendo em vista que o procedimento administrativo de demarcação ora em apreço, realizado por esta Fundação e Homologada pelo Presidente da República através do Decreto de 05/05/03, constituiu instrumento legítimo para demonstrar a tradicionalidade da ocupação Tremembé na Terra Indígena Córrego do João Pereira, na medida em que todos os atos publicados e encontra-se calcado em preceito constitucional, bem como em legislação ordinária especial (Decreto nº 1.775/1996 e Portaria nº 14 do Ministério da Justiça).

A Fundação Nacional do Indío – FUNAI, representada pela Procuradoria Federal no Estado do Ceará demonstra na ação em comento, a “tradicional e inequívoca ocupação indígena na região”, por diversos documentos:

Todas as questões acerca do mérito da decisão administrativa, notadamente da caracterização como terra indígena, encontram-se claramente explicitadas e minuciuosamente analisadas nos seguintes documentos, que curiosamente não foram juntados pelo autor:

– Parecer nº 11/CS/2001 da Comissão de Sindicância instaurada pela Portaria nº 169/89;

– Relatório Circunstanciado de Interdição e Delimitação;

– Resumo do Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Córrego do João Pereira;

Em suma, as provas da tradicionalidade da ocupação indígena exercida continuamente na área são numerosas, robustas e insofismáveis, e abarcam todo o período da colonização até a instauração dos procedimentos administrativos pela FUNAI na década de 1990 para proceder ao seu reconhecimento oficial.

O Ministério Público Federal deu seu parecer também demonstrando o direito dos Tremembé a sua terra demarcada:

Assim, a Carta Magna está a consagrar a doutrina do indigenato, quando dispõe serem terra tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Outrossim, a Carta Magna dispõe que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

Infere-se, pois, que independente do tempo em que se operou o reconhecimento das terras como sendo de usufruto exclusivo da comunidade Tremembé, ainda que anteriormente alvo de desapropriação pelo INCRA para fins de reforma agrária, não se deve obstar com mácula da inconstitucionalidade ou ilegalidade do decreto reconhecedor, haja vista que nada mais fez do que revelar ao mundo jurídico uma situação de fato há muito consolidada com a ocupação perene e tradicional de povos que têm terras uma extensão de sua organicidade coletiva, revelando uma cosmogonia univérsica entre homem e natureza.

Após todas estas manifestações, analisando todos os aspectos do processo, o Poder Jurisdicional, corretamente, extinguiu o processo por ter sido dado entrada fora do prazo. A ação popular tem cinco anos para ser dada entrada, a contar do fato que a fundamente. Quer dizer, esta ação, além de ter sido dado entrada sem fundamento, mesmo contando de fictício fato, deste há havia decorrido todos os prazos. A sentença ratifica o que foi por todos, anteriormente, observado:

Diante do exposto, considerando que a ação popular em tela somente fora proposta em 14.10.2008, após o decurso do prazo de cinco anos contado da data da publicação do Decreto Presidencial homologou o processo de demarcação das terras indígenas do Córrego do João Pereira ocorrido em 6.5.2003, e considerando ainda que o processo administrativo de demarcação de terras indígenas encontra-se devidamente acabado e concluído com a publicação do respectivo decreto presidencial, consistindo o seu registro no cartório imobiliário competente mero ato conseqüente, de natureza estritamente formal, sem qualquer conteúdo decisório, concluo que a pretensão em apreço encontra-se fulminada pela prescrição qüinqüenal.

Na verdade, por este motivo, a presente ação nem deveria ter sido recebida. Mas, ainda em tempo, a Justiça percebeu tal falha na infundada pretensão desta ação. Ações como estas que visam instrumentalizar o Poder Judiciário, para tolher direitos, devem ser rechaçadas. Não se pode admitir que se use a Justiça para que se cometa injustiça, para que atenda a pretensões de poucos em detrimento do bem comum. Neste sentido, que se comemora mais uma vitória do Povo Tremembé. Há registros pelo mundo europeu de sua presença no litoral cearense, desde Vicente Pinzón (1500), e desde àquela época, passando pela Confederação dos Cariris (1683-1713), pelo famigerado decreto da Assembléia da Província do Ceará, que com uma canetada quis tomar as terras indígenas (1863), os Tremembé mostram a sua força e resistem em suas terras.

http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomar-blog/categoria/discutindo-direitos/2991

 

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