Sem Florestas

Mais uma vez, Minas Gerais é o campeão do desmatamento no Brasil. Hoje, milhares de hectares de florestas alimentam fornos, gados e a indústria do papel

Pesa sobre Minas Gerais uma grave projeção. As regiões norte e nordeste do estado, que juntas correspondem a um terço de todo o território mineiro, podem se tornar tão secas e arenosas quanto um deserto nas próximas duas décadas. O alarme partiu do Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais.

O estudo encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente ao Governo do estado concluiu que mantida as condições de exploração e uso do solo atual, a cobertura térrea de 142 municípios tende a se tornar cada vez mais pobre e infértil. O impacto ambiental e econômico forçaria cerca de 20% dos mineiros, mais de dois milhões de pessoas, a se deslocarem para outras localidades.

O professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia de Tratamento da Informação Espacial da PUC Minas Guilherme Taitson não tem dúvidas de que as atividades consideradas a mola da economia para as regiões sejam responsáveis pelo processo que ele evita chamar de desertificação. “Talvez o termo seja um pouco exagerado, pois remete às paisagens de desertos como o Saara ou Atacama, onde características climáticas globais e continentais determinam volumes de chuvas anuais extremamente reduzidos”, explica.

O impasse conceitual, no entanto, não atenua o problema. Em tese, o que vem acontecendo em Minas Gerais é um pouco pior. Ainda que marcados pela rigidez climática, os desertos naturais são ecossistemas vivos, ao contrário das áreas que passam por processos de extinção de espécies animais e vegetais, desestruturação de mata nativa e empobrecimento do solo.

Taitson explica que as peculiaridades naturais das regiões reforçam os problemas. “Trata-se de localidades naturalmente de maior vulnerabilidade ambiental e de menor capacidade de regeneração, principalmente em função dos baixos volumes de chuva anuais”, explica.

De acordo com o coordenador do Instituto Minas Tempo, Ruibran dos Reis, as regiões norte e nordeste possuem os menores índices pluviométricos do estado. Nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, por exemplo, a média anual é de 900 milímetros de chuva. “A título de comparação, na Região Metropolitana de Belo Horizonte o índice é quase o dobro”, explica o doutor em meteorologia.

Já fragilizados pela precipitação insuficiente e irregular, o norte e nordeste mineiro vê suas coberturas vegetais minguarem de maneira assustadora. Grandes áreas de mata seca e mata atlântica sofrem com uma devastação intensa para o estabelecimento da pecuária extensiva e alimentação da indústria do papel e do carvão.

A pouca fiscalização do estado unido a uma espécie de institucionalização do desflorestamento não dá margem para alterações. De acordo com o secretário municipal de agricultura de um município da região nordeste que pediu sigilo, as autoridades locais nada podem fazer diante das licenças concedidas pelos órgãos ambientais.

Na visão do deputado estadual Sávio Souza Cruz, a corrupção é mais um dos tantos entraves para a educação ambiental nos municípios. “Basta lembrar do escândalo em junho de 2010, quando o então presidente do Instituto Estadual de Florestas, Humberto Candeias, foi preso por conta do envolvimento com a exploração ilegal de madeira”, lembra.

“Deseconomia” mineira

Não é de hoje que os números do desmatamento no estado chamam a atenção. Em coletiva de imprensa realizada no fim de maio, a diretora de Gestão do Conhecimento da SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota, comemorou a queda de 55% no índice médio de desmatamento dos remanescentes de mata atlântica em comparação com o período analisado anteriormente. A inglória primeira colocação de Minas no ranking dos estados campeões do desflorestamento, no entanto, não foi encarada como surpresa. Somente em Ponto dos Volantes, município do Vale do Jequitinhonha, foi constatado um desflorestamento correspondente à totalidade do que foi perdido no Paraná no mesmo período analisado, de 2008 a 2010.

“A situação de Ponto dos Volantes já foi alertada ao Governo de Minas Gerais pela Organização. A vegetação nativa estava sendo transformada em carvão”, conta. O município pobre, criado em 1995, tenta definir a própria identidade e fugir do pódio em que reina absoluto, com seus 3.244 hectares desmatados, ao lado de dois outros municípios mineiros – Jequitinhonha e Pedra Azul.

Os momentos econômicos diversos e a consequente rotatividade de cultivos ilegais seriam a raiz do problema. “Ora o preço do ferro gusa aumenta bastante e a pressão vai sobre a produção de carvão, ora a pressão é sobre a produção de papel, então temos o ingresso do eucalipto nessas áreas”, explica Flávio Ponzoni, pesquisador do Inpe e coordenador do Remanescentes do Atlas da Mata Atlântica.

Para o diretor de Políticas Públicas da ONG, Mario Mantovani, a questão do desmatamento não diz respeito à economia de Minas, mas à “deseconomia” dela. As irregularidades na contratação da mão de obra utilizada nas carvoarias dos rincões mineiros e a omissão daqueles que lucram com a ótica de exploração que vigora nas regiões foram denunciados na conversa com os jornalistas.

“Não se paga impostos, colocam famílias dentro de fornos, as grandes empresas se encobrem para não parecer que estão fazendo ferro gusa com aquele carvão. Minas Gerais tem uma grande contradição. Tem o pior dos mundos, como no Vale do Jequitinhonha, nessa região de mata seca, encoberto por autoridades que se dizem autoridades. E tem, por exemplo, casos como o Projeto Plantar que é o melhor dos mundos. É impressionante como Minas Gerais vai do céu pro inferno, sem escalas, em questão de quilômetros”, desabafa.

No norte do estado, os dados do Inventário Florestal de Minas Gerais indicam que 52% da cobertura original de matas secas já foi perdida. Recentemente, a Universidade Estadual de Montes Claros constatou o aniquilamento de 222.700 hectares da cobertura original em um período de vinte anos, de 1986 a 2006. As carvoarias e as grandes criações de gado são apontados como os principais vilões na região de acordo com o professor da Unimontes e pesquisador de matas secas, Mário Marcos Espírito-Santo.

“Deve-se ressaltar que as matas secas norte-mineiras estão sob proteção especial desde 1993, quando foi publicado o Decreto Federal 750. Ou seja, mesmo estando 13 dos 20 anos analisados sob proteção, a área perdida nesse ecossistema foi extremamente alta. Nesse ritmo, em cerca de 100 anos as matas secas estarão praticamente extintas no norte do estado”, projeta o doutor em Biologia.

Polêmica

Há um ano, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais tomava uma decisão controversa cujos reflexos, segundo entendem representantes da SOS Mata Atlântica, se tornaram evidentes com os últimos números do desmatamento em Minas.

Um projeto de lei, de autoria do então deputado estadual e hoje secretário de estado extraordinário para o Desenvolvimento dos Vales Jequitinhonha e Mucuri e Norte de Minas, Gil Pereira, propunha a permissão para a exploração de 70% das áreas estaduais da região cuja cobertura vegetal era de mata seca. Os demais 30% corresponderia à reservas de proteção. A medida garantiria a manutenção de cerca de 250 mil postos de trabalho e evitaria o êxodo intra-estadual.

Por 45 votos a 1, a Casa consentiu em desvincular a mata seca da mata atlântica, retirando a vegetação naturalmente já fragilizada da área de proteção estendida a elas pelo decreto do Ibama, de 2008.

Procurado pela reportagem da Vox Objetiva para falar sobre a situação das florestas, o secretário Gil Pereira reiterou antigos posicionamentos e convicções. “Nossa região é caracterizada pela cerrado, uma parte caatinga e uma pequena parte de mata atlântica”, explicou.

O impasse é antigo. Até os especialistas divergem em relação à categorização da mata seca. Para o professor da PUC Minas Guilherme Taitson “o aspecto especial da vegetação é certamente mais evidente quando situada na região geográfica do cerrado”. Mário Marcos Espírito-Santo, professor da Unimontes, não compartilha da mesma opinião. “A Mata Atlântica é um bioma formado por diversas fitofisionomias, sendo cada uma delas determinada pelo clima. As matas secas possuem uma semelhança florística muito grande com as florestas sempre-verdes e semi-deciduais, podendo ser classificadas de forma inequívoca como mata atlântica”, detalha.

De acordo com Márcia Hirota, grande parte do desmatamento em Minas nos dois últimos anos corresponde às áreas que hoje já não possuem total proteção do estado. “Tudo isso aconteceu em função da retirada da mata seca das áreas de proteção de mata atlântica”, expõe.

O desenvolvimento que se preconizava com a iniciativa é questionado por Espírito-Santo. “Não existe relação direta entre desmatamento e geração de riquezas. Recentemente o Ministério do Meio Ambiente analisou o PIB das 50 cidades brasileiras que mais desmataram o cerrado. Na maioria delas houve estagnação e até decréscimo do PIB per capita após o desmatamento. Além disso, a mera geração de riqueza agregada, medida pelo indicador PIB, não implica na eliminação da pobreza e ‘subdesenvolvimento’”, explica.

Poder público

O estudo que projeta um futuro seco para as regiões norte e nordeste do estado, elaborado dentro da própria Secretaria, foi minimizado por Gil Pereira. “Isso não condiz com a realidade”, explicou se baseando nos números do Índice Mineiro de Responsabilidade Social de 2007 da Fundação João Pinheiro, que coloca as florestas das regiões como as mais preservadas do estado.

De acordo com o secretário da SEDVAN, o Governo mineiro tem investido maciçamente em projetos de irrigação por meio da construção de barragens e barraginhas em municípios do semiárido de Minas. “Por meio dessas obras, o Estado estimulará diversos projetos produtivos como horta familiar e cultivo de pomares. Além

disso, cada hectare irrigado gera um emprego direto e dois indiretos”, enumera.

Dentre os milhões investidos em infra-estrutura, o Governo direcionará 95 milhões para desapropriações de moradores das localidades a serem tomadas pelas águas. Dessa fatia, não foi precisado quanto, parte seria destinada a projetos ambientais paralelos como a restauração da cobertura vegetal nativa predominante na região, a mata seca.

 

http://www.voxobjetiva.com.br/materia_completa.php?id=298

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