Por Gilberto Vieira dos Santos
“Os Estados celebrarão consultas e cooperarão de boa-fé com os povos indígenas interessados, por meio de suas próprias instituições representativas, a fim de obter seu consentimento livre e informado antes de aprovar qualquer projeto que afete suas terras ou territórios e outros recursos, particularmente em relação ao desenvolvimento, utilização ou à exploração de recursos minerais, hídricos ou de outro tipo”.
É com essa redação que se apresenta o Artigo 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas,sob medida para os tempos atuais em que vemos os mais diferentes setores rasgarem qualquer legislação ou similar que se refira aos direitos destes povos.
As inúmeras hidrelétricas nos rios Juruena, Aripuanã, rio das Mortes, Teles Pires, rio Araguaia, Xingu são apenas alguns indicativos do desastre anunciado para Mato Grosso. As reuniões ‘técnicas’ da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia, são sinais de como o governo pretende continuar tratando os povos que se ponham no caminho de seu ‘Programa de Aceleração do Capitalismo’, como já rebatizaram o PAC: informações incompletas, superficiais, desrespeitosas frente à diferencialidade dos povos, mentirosas.
Na mesma direção, fruto de um mesmo ‘desenvolvimentocentrismo’, outros órgão e instâncias de governo repetem a mesma toada: Funai com seu ‘nada obsta’; Ibama com suas licenças, presidência com sua questão de honra. Acelerar é a palavra do momento – e já de outros dois mandatos – como num verdadeiro ‘racha’ onde não importa quem esteja à frente. No passado ofereciam pão e circo, agora o governo moderno oferece pão e energia para ligar a TV e ver o circo. Mas também oferece um cargo aqui, uma secretaria ali, uma coordenação acolá e põe em prática o que bem aprendeu “com a luta”: a cooptação é desmobilizante.
Enquanto “o circo pega fogo” parlamentares e governos vão querendo fazer o povo de palhaço. E dizem que será o fim da fome, do analfabetismo, das deficiências na educação, do desemprego. Dão umas migalhas, que se retira com cartões nos big-bancos, estes mesmos que formam consórcios para comprar privatizações. Enquanto para uns as migalhas, para outros os caixas abertos do BNDES e seus bilhões. Tudo muito justo e perfeito. Para alguns.
Não obstante a tudo isso, e certamente muito mais, ouvimos falar de resistência. Movimentos sociais continuam se manifestando, indígenas continuam dizendo o seu NÃO e se negam ao fatalismo do “não tem mais jeito”. Ribeirinhos, pescadores, moradores de Altamira dizem não ao caos anunciado que seria Belo Monte. Os Kayapó continuam dizendo, há trinta anos: “imã ngô bêjê kim ket kumrej!”, nós não queremos barragem. Não queremos, não aceitamos Belo Monte! Em cada língua, de formas variadas, para diferentes ameaças os povos vão reacendendo seu NÃO frente às tragédias anunciadas, a devastação, ao lucro de alguns alimentado na miséria de muitos.
E o Não se estende por campos e cidades, denunciando que comemos cotidianamente alimentos envenenados, que o latifúndio devasta a Amazônia, que pessoas ao se opor a esta devastação estão sendo ameaçadas e mortas, que professores e outros profissionais da educação continuam desvalorizados. Para além dos legisladores oportunistas que com um populismo barato “distribuem direitos” na televisão, muitos estão despertando – alguns nem dormiram – da anestesia do pseudo poder que reinou por oito anos.
Aos poucos, e cada vez mais, vai ficando claro que no poder continuam os mesmos caudilhos, se renovando em cada mandato para permanecerem os mesmos. Cada vez mais cada seguimento dos “de baixo” vai entendendo que quem empunhava o chicote – ou mandava em quem empunhava – hoje empunha a caneta legisladora e que, embora mantenha seus jagunços, agora dispara suas armas também na direção de códigos florestais, zoneamentos e Constituição. Já sabemos que o lobão já não se veste de cordeiro, que já não se interessa pela cesta da vovó, mas de outras fontes energéticas.
Quanto mais ficar claro quem e do que são capazes aqueles que chamam os desastres de desenvolvimento, mas forte e mais alto gritaremos nosso NÃO COLETIVO, em marchas da e para a liberdade, nem que sejam a dez por hora, territorializando as ruas, misturando as vozes, como diz o poeta Hudsons ‘dos sons’.
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