O discurso abaixo, que seria feito na solenidade de entrega da condecoração “AMIGO DO INDÍGENA”, pela trajetória de lutas e conquistas no Movimento Indígena, foi lido por sua mulher, a Professora Maria Veronica Vieira Moreira. Manoel Fernandes Moura não pode estar presente à Sessão Especial do dia 19/04/2011, na Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas.
“Hoje estamos reunidos aqui na terra Sagrada dos parentes Povos Manaos, cujo nome significa “Mãe de Deus” em sua língua, o que para nós indígenas tem significado muito importante por termos linhagem direta de Deus que escolheu esta terra para nós. Como não temos vínculos com nenhuma Igreja isso não é divulgado e nós não competimos com ninguém. Por falar em mãe, colocaram para nós uma madrasta chamada Funai. E por ironia não podemos nos aproximar dela, inclusive, em Brasília a madrasta instalou um plantão policial permanente para usar a força no caso da aproximação indesejada.
Amazônia, terra sagrada. Passando para tradição do Povo Yepámansã ou Tukano tem o nome Barawii que aqui significa “casa sagrada com ornamentos, perfumes e com muitos festejos e atrações”. Diante deste nome, Manaus como uma aldeia grande, deveria dar bons exemplos. Quem mora ou nasce na cidade de Manaus deve pensar sempre que está no seio da “Mãe de Deus”. Não é difícil deduzir a força aqui em Manaus da veneração à Maria por parte dos católicos e espiritualistas. Quando o homem “sábio e civilizado” da Europa chegou aqui botou o pé firme (dentro das botas) na nossa terra, diferente de nós, pés no chão, mostrou-se ambicioso com a natureza, e logo percebemos os sinais da brutalidade que aguardaria a futura geração.
Trouxeram um Deus que mata, aprisiona e castiga. Levou algum tempo para percebermos que quem mata, aprisiona e castiga não é o Deus do branco e sim eles mesmos por não conhecerem o pai – O Grande espírito – Deus.
O índio moderno deve aprender tudo sobre a defesa da Mãe Terra, deve defender primeiramente sua tradição sagrada, seu povo, sua língua, seu modo simples e afetuoso com gratidão pela manutenção harmoniosa da vida. Tendo latente a sua tradição no dia-a-dia, sua mente não terá medo das ideologias diversas que circulam perdidas e perigosas no meio de nós. E também evitará as conseqüências das invasões como invasão por vírus, bactérias, parasitas, vermes, micróbios que se alojam nas células do sangue correndo por todo o corpo e se alojando no órgão da preferência, segundo as descobertas da Bioenergia.
Assim como cavam crateras na mãe terra para se deleitar com o ouro, cavam crateras nas mulheres para se deleitarem e depositarem as DST’s, os HIV’s. Isto sim é o que invade, mata, aprisiona e tortura a vida humana desde o ventre até a paralisante velhice. O índio que perdeu sua tradição está à mercê destas e outras sérias doenças. Maior parte delas surgiu quando substituímos nossos remédios, nossas comidas e bebidas, iludidos com as ofertas sugeridas ou impostas.
Fomos contaminados também pelas doenças espirituais como: ganância, falsidade, arrogância, luxúria, mentira, desobediência, calúnia, corrupção, ódio, preconceito, ambição e criação de fronteiras de todos os tipos. “O maior lutador é aquele que pode amar com mais intensidade as pessoas do mundo. O amor é a arma mais terrível que o Mal pode confrontar. O Mal é o rei do ódio e da animosidade e ele não pode cooperar com o amor. Quando todos se equiparem com a arma do amor, o Mal será demolido”. (Sabedoria oriental).
Lembremo-nos de todos os líderes que não estão presentes aqui hoje. Com certeza eles gostariam de estar aqui compartilhando conosco. Não sabemos se estão tristes pelos jovens que até hoje se iludem com o progresso decadente. Não sabemos quais deles voltarão para sua terra depois da experiência acadêmica. Não sabemos até que ponto vale à pena arriscar. Quantos tentaram e não voltaram? Quantos não voltaram com vergonha da arapuca da embriaguês? Quantos voltaram já corrompidos no corpo, na mente ou na alma? Quantos receberam o diploma de corruptores? Cada um escolhe a sua Escola. Quantos não voltaram porque não conseguiram ajuda para isso.
Muitos comemoram hoje o Dia do Índio. Muitos índios ensinam e socorrem os não-índios, vítimas do passado que deixou seu fardo e suas seqüelas. Estes são os que guardam a sabedoria milenar no profundo do coração e na memória, honrando a mãe terra, o Grande Espírito e todos os ancestrais. São índios valentes herdeiros e sucessores que, ao invés de acusar, odiar ou revidar, estendem as mãos, curam, rezam, cantam, dançam e ensinam a harmonia e integração com a alma e a natureza. Precisamos libertar a todos. Todos os vitimados que estão nos hospitais, nos manicômios, nos prostíbulos, nos cárceres sem poderem entender o porquê de tudo isso.
Irmão Lidere Indígenas presentes quero agradecer a iniciativa do Deputado Washington Régis, Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Assuntos Indígenas. Ele recebeu inspiração do nosso grande antepassado Ajuricaba para que acontecesse esta oportunidade de nos reunir. Devemos nos reunir não somente para comemorar este dia e sim para trabalharmos juntos para defender nossas grandes reservas intactas, como o Pantanal e Amazônia – reservadas, para o futuro dos nossos descendentes, planejadas para a eternidade da Terra e com capacidade para todos os filhos sem exclusão.
Com a força divina, ancestral e do universo, conseguimos participar e nos apresentar na ECO-92 para o mundo. Pela força da consciência será que poderemos ser vistos ou lembrados sobre nossa riqueza cultural na participação da Copa do Mundo e das Olimpíadas? O que será apresentado sem os valores da raiz? Há jogos nossos milenares que todo o mundo deveria conhecer. Quem já pensou assim? Quem já teve tempo para afastar um pouquinho a imagem do Cifrão($) do retorno lucrativo-comercial do turismo e pensou sobre a apresentação esportivo-cultural como forma de receber os irmãos do mundo inteiro? Digo indígenas limpos e tradicionais com seus grupos dos resguardos nativos da Amazônia. Povos no anonimato das suas riquezas culturais bem conservadas e sabedoria, guardiões da terra em que habitam. Pensem bem. Manaus anfitriã. Anfitriã sem os donos? Será que todos os donos foram mortos? Não sobrou ninguém? E a homenagem aos mortos? Um dia haverá?
Muita coisa está faltando para o nivelamento do Brasil em termos de paz, harmonia, fraternidade e espiritualidade. Erguem-se monumentos a quem nunca foi herói, nunca foi correto nos valores absolutos que posicionaram-se do lado oposto à Justiça do Grande Espírito. Cadê a educação refinada, respeitosa e espiritual da cidade? Ela reside dentro da consciência. É preciso que a porta da consciência se abra para que ela possa atuar dirigir, comandar. Precisamos unir idéias e forças, pois já resistimos mais de 500 anos, sem denegrir a imagem da Natureza e da Mãe Terra, imaginem que colosso será nos dedicarmos de mãos dadas para a proteção e compartilhamento da sabedoria, saúde, beleza, alegria, nutrição e maravilha da cultura pluriétnica da nossa região privilegiada pelas matas, pelas águas e criatividade ímpar que encanta o mundo.
Manoel Fernandes Moura – Tukano
Líder Tradicional Indígena da Amazônia Brasileira
Acadêmico da Universidade Estadual do Amazonas – UEA
Presidente da Federação Indígena pela Unificação e Paz Mundial