Rede Pernambucanas esteve envolvida em flagrante anterior

Trabalhadora costura vestido da marca Vanguard sentada em pedaço de madeira (Foto: Bianca Pyl)

Fiscalização realizada em complexo de oficinas na capital paulista encontrou imigrantes escravizados confeccionando vestidos da Vanguard, marca adulta feminina exclusiva da Pernambucanas, em agosto do ano passado

Por Bianca Pyl *

São Paulo (SP) – O flagrante divulgado há duas semanas não foi o primeiro envolvendo a rede varejista Pernambucanas com a exploração de imigrantes sul-americanos submetidos à escravidão contemporânea. Fiscalização realizada em 11 de agosto do ano passado em um complexo de oficinas de costura no bairro da Casa Verde (Zona Norte da capital paulista) conhecido como “La Bombonera” – por causa da quadra de futebol de salão do prédio – encontrou trabalhadoras e trabalhadores confeccionando vestidos da Vanguard, marca adulta feminina exclusiva da Pernambucanas. No mesmo local, uma outra oficina em condições totalmente precárias chegou a produzir coletes utilizados por recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Quando a equipe coordenada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) chegou ao local, pelo menos 15 pessoas de origem boliviana, paraguaia e peruana costuravam vestidos azuis da marca Vanguard na oficina de Pedro**. A despeito da apreensão (principalmente pelo fato de que muitos não possuíam documentos legais), os empregados não pararam de trabalhar durante toda a fiscalização.

O ambiente de trabalho repleto de máquinas de costura enfileiradas era todo fechado, sem nenhuma ventilação. Havia somente uma porta, que era mantida fechada o tempo todo.  As instalações elétricas eram irregulares e estavam visivelmente sobrecarregadas. As cadeiras eram improvisadas (foto acima).

 

Detalhe de vestido de marca da Pernambucanas já confeccionado e pronto para entrega (Foto: BP)

 

A fiscalização classificou as condições de segurança e saúde como “inexistentes, indicando extrema precariedade no local de trabalho”. Não havia extintores de incêndio, a iluminação era fraca e as instalações sanitárias eram precárias.

A jornada imposta às vítimas era exaustiva. De acordo com apurações do SRTE/SP, o valor recebido por cada peça costurada girava, em média, em torno de R$ 1. Para tentar fechar o mês sem ficar devendo ao dono da oficina, os empregados precisavam cumprir muitas horas de trabalho.

O ritmo intenso exigido agravava ainda mais as longas jornadas, segundo a fiscalização. Relatos de costureiras e costureiros dão conta de que os salários efetivamente recebidos estavam bem abaixo do piso salarial da categoria.

O dono da oficina alegou aos auditores fiscais que os salários pagos alcançavam cerca de R$ 800. Ao mesmo tempo, contudo, ele contabilizava as refeições para posterior desconto: almoço e jantar custavam, por exemplo, R$ 15 por dia (R$ 450 por mês). Pelo pacote diário de café da manhã e da tarde, a cobrança era de R$ 6 adicionais (R$ 180 mensais). Apenas no tocante à alimentação, portanto, a cobrança chegava a R$ 630.

Os alojamentos dos trabalhadores ficavam em frente à oficina. No pequeno espaço, separado do corredor por uma porta, estava posta uma geladeira de uso comum. Pelo menos cinco quartos disputavam espaço na edificação. Em um deles, havia até um botijão de gás.

 

Dono da oficina calculava os gastos das refeições
para posterior desconto nos salários (Foto: BP)

Cada família ou trabalhador era responsável por seu quarto (limpeza e demais equipamentos). Os cômodos eram bem pequenos, mas abrigavam famílias inteiras, muitas vezes com mais de um filho por casal. Não havia separação entre os ambientes de trabalho e de domicílio.

A ação coordenada pela SRTE/SP contou com a participação de representantes da Defensoria Pública da União em São Paulo (DPU/SP), do Ministério Público Federal (MPF), da Justiça do Trabalho e da Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania – Núcleo de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Pessoas de São Paulo.

Ficou constatado que a oficina de costura que produzia para a rede Pernambucanas no complexo “La Bombonera” fora subcontratada pela Nova Fibra Confecções Ltda. De acordo com a fiscalização, a Pernambucanas decidiu romper o contrato com o fornecedor após ser informada do ocorrido.

Ainda naquela ocasião, a SRTE/SP advertiu que o mero encerramento de contrato não sanaria o problema. Os flagrantes, complementa o órgão, não podem nem devem ser entendidos como casos isolados. As intermediárias, chamadas pelos magazines de fornecedoras, funcionam, segundo a fiscalização, como células de produção, com contratos que simulam prestação de serviço, mas que na realidade encobrem uma “nítida relação de emprego entre todos os obreiros das empresas interpostas e a empresa autuada”.

Em resposta à primeira solicitação de posicionamento sobre o caso, a Pernambucanas enviou nota dizendo que “trabalha fortemente” para que suas fornecedoras tenham certificações e sejam reconhecidas no que diz respeito às “melhores práticas de trabalho”.

Para tanto, a empresa informou que dispõe do suporte da SGS – responsável por inspeções, verificações, testes e certificação de cumprimento de normas. Além disso, a Pernambucanas se colocou como “uma das principais incentivadoras”, dentro da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), do Programa de Qualificação de Fornecedores para o Varejo, lançado logo após o flagrante da Casa Verde, em setembro de 2010.

 

Ambiente marcado pela precariedade era dividido
por famílias inteiras, inclusive com crianças (BP)

Após o segundo flagrante de março de 2011, a Repórter Brasil solicitou nova manifestação da empresa acerca das medidas adotadas para evitar que a cadeia produtiva esteja livre de trabalho escravo.

Em resposta, a assessoria da rede varejista declarou que “mantém seu posicionamento”. Citou também que mantém uma cláusula no contrato de compra de mercadorias em que determina que o fornecedor “não poderá se envolver com, ou apoiar, a utilização de trabalho infantil, trabalho forçado ou quaisquer outras formas de exploração ilícita de mão de obra ou, ainda, outras atividades que, de maneira direta ou indireta, atinjam os princípios básicos da dignidade humana”.

Questionada sobre os métodos que vêm sendo utilizados para a aferição desses itens previstos em contrato, a empresa preferiu não especificar nem a forma e nem a periodicidade das verificações.

De acordo com a assessoria de comunicação da ABVTEX, o Programa de Qualificação de Fornecedores foi divulgado entre empresas contratadas pelas companhias signatárias: Pernambucanas, C&A, Marisa, Renner, Walmart, Riachuelo, Grupo Pão de Açúcar e Leader. “As empresas varejistas que aderiram ao Programa estão empenhadas no apoio aos fornecedores para que busquem sua qualificação e também qualifiquem seus subcontratados. Os primeiros fornecedores acompanhados pelas varejistas já estão em processo de auditorias”, colocou a associação, que deve divulgar o primeiro balanço do programa no 2º semestre deste ano.

O programa pretende alcançar, nos próximos três anos, toda a cadeia das empresas varejistas. “Cada associado tem como meta qualificar 25% de sua cadeia de fornecedores e subcontratados de São Paulo a cada semestre até o final de 2012. Para fornecedores nos demais estados, o prazo será até final de 2013”, diz a ABVTEX. Calcula-se que em todo o país existam cerca de 10 mil fornecedores e subcontratados no setor. Os itens exigidos pelo programa já constam na legislação trabalhista brasileira.

 

Peças de vestido da Vanguard se acumulam em mesa de oficina de costura irregular flagrada (BP)

As auditorias do Programa da ABVTEX estão sendo realizadas por três consultorias de qualificação credenciadas: Bureau Veritas – que chegou a inspecionar e aprovar fornecedores das lojas Marisa que subcontratavam oficina flagrada com trabalho escravo -, a Intertek e, mais uma vez, a SGS.

De acordo com a ABVTEX, alguns fornecedores da Pernambucanas já estão qualificados. A entidade salientou ainda que a empresa está seguindo os prazos determinados, a exemplo do que ocorre com os demais associados. “A ABVTEX não espera que a Pernambucanas tenha 100% dos fornecedores qualificados neste momento, até porque o prazo final da qualificação é 2013”.

Repórter Brasil entrou também em contato com a SGS e foi informada que o sistema de trabalho da consultoria “contempla uma cláusula de confidencialidade, o que assegura o sigilo do processo e preserva as informações tanto do cliente quanto do auditado”. Por meio de sua assessoria de imprensa, a SGS explicou que quem determina requisitos e critérios é o cliente – nos casos em questão, a Pernambucanas e a ABVTEX.

“Nossa atividade contempla um exame cuidadoso e sistemático das atividades desenvolvidas em determinada empresa ou setor, com o objetivo de averiguar se suas práticas estão de acordo com disposições planejadas”, completou a SGS, que mantém mais de 1,25 mil escritórios e laboratórios e 64 mil funcionários em todo o mundo. “Além disso, é importante salientar que esse é um processo amostral, uma atividade que visa assegurar a gestão dos riscos inerentes aos processos, com foco na diminuição desses riscos e na padronização e melhoria contínua desses processos”.

*A jornalista da Repórter Brasil acompanhou a fiscalização da SRTE/SP como parte dos compromissos assumidos no Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo – Cadeia Produtiva das Confecções

**Nome fictício

http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1877

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