Passado de sofrimento, futuro de esperança

O índio brasileiro não foi integrado e muito menos transformado. Sofreu um processo de transfiguração étnica

 

Indígenas
Na escola estadual da reserva pataxó, crianças aprendem conteúdo tradicional e dicionário da tribo (LEONARDO MORAIS)

Depois de mais de três séculos de perseguições, chacinas, escravidão e fugas, os índios em Minas Gerais começam a ver à frente um futuro de esperança. Reconhecidos como povo a ser protegido pela constituição de 1988, quatro das cinco etnias que ainda vivem em Minas Gerais – Xacriabás, Krenaks, Pataxós e Maxacalis – contam com territórios legalizados e protegidos, benefícios previdenciários, atenção à saúde e saneamento. Já os Kaxixós ainda lutam pelo reconhecimento.

O resultado é que o Censo 2010 deve demonstrar pela primeira vez desde o início das bandeiras, no século XVI, que a população indígena em Minas cresceu. Os números oficiais ainda não foram divulgados, mas só na Terra Indígena Xacriabá, no município de São João das Missões, Norte do Estado, a população passou de 4.500 em 1987 para 9 mil neste ano. Nas últimas semanas o Jornal Hoje em Dia pegou a estrada e percorreu mais de 6 mil quilômetros para registrar como vivem, quais são os desafios e esperanças dos quatro principais povos que insistem em viver nas tribos.

Constatou que, apesar dos avanços, os índios de Minas ainda estão longe de poder comemorar suas condições de existência. Em algumas aldeias, como a Cachoeirinha, no município de Topázio, Vale do Mucuri, os Maxacalis estão em situação pior do que a que se encontravam cinco séculos atrás. Privados da caça, sua atividade característica, os índios dependem de doações do governo para comer, e gastam praticamente tudo que têm com cachaça. Dormem em casas de palha, e as crianças dividem suas refeições com os cães.

Entre os xacriabás e krenaks, a luta atual é para recuperar suas origens. Miscigenados e retirados de seus territórios ancentrais, as etnias perderam a língua, o artesanato e outros bens simbólicos. Mas voltaram a se reunir, negando a cultura do não-índio, e, agora, tentam salvar do esquecimento a própria história.

O índio brasileiro não foi integrado e muito menos transformado. Sofreu um processo de transfiguração étnica, como chamou o sociólogo e antropólogo Darcy Ribeiro. O conceito foi publicado em seu livro “Os índios e a civilização – A integração das populações indígenas no Brasil”, publicado em originalmente em 1970.

Em linhas gerais, a teoria diz que algumas tribos do Brasil, arrancadas de seu habitat, nunca se integraram totalmente à cultura do não-indío. Submetidos a atos de violência, escravidão e serviços forçados, voltaram para as aldeias e reuniram o pouco que se manteve com outras atitudes de negação da experiência pela qual passaram para fazer uma recriação de seu patrimônio simbólico. Hoje, mais de 2 mil índios xacriabás, inclusive o cacique, professam religiões evangélicas, mas seguem cumprindo, por exemplo, rituais funerários semelhantes aos de seus antepassados.

Pataxós se adaptam à terra que têm e se firmam a cada dia como artesãos reconhecidos em grande parte do país. Os maxacalis que ainda resistem ao alcoolismo conservam a língua, que começa a ganhar seus primeiros textos escritos e professores para perpetuar seu uso.

Estatuto do Índio é inconstitucional

Sancionado em 1973, o Estatuto do Índio, feito para orientar as políticas públicas para os indígenas brasileiros se tornou quase que totalmente inconstitucional. A avaliação é do procurador do Ministério Público Federal e coordenador da Tutela Indígena em Minas Gerais, Edilson Vitorelli Diniz Lima, que publicou neste mês o livro “Estado do Índio”, integrante da série “Leis Comentadas”.

Segundo ele, a legislação é quase toda falha por um motivo relativamente simples. Enquanto o Estatuto foi todo escrito dentro de uma lógica integralizadora, ou seja, de absorver os índios na chamada sociedade ‘branca’, com suas leis, língua oficial e costumes. Já a Constituição Federal de 1988 é preservacionista, ou seja, prevê que as etnias indígenas devam manter seu repertório simbólico. Segundo as diretrizes da Carta, quanto menor a influência de não-índios nas comunidades indígenas, melhor.

“Com isso há um vazio jurídico, uma situação realmente complicada. Nem as autoridades nem ninguém sabem ao certo como proceder, e quem sofre, no fim das contas, são os índios, que ficam à mercê da própria sorte”, afirma o procurador.

Vitorelli prevê mais problemas nos próximos dias com a transferência da competência sobre a saúde indígena. Há uma década, o então presidente Fernando Henrique Cardoso transferir essa atribuição da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), órgão criado para levar saneamento básico a municípios de pequeno porte no país.

Em setembro do ano passado, no final do governo Lula, uma portaria passou todas as atribuições da saúde indígena para o Ministério da Saúde, criando uma Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). O prazo para a mudança é 20 de abril, amanhã. “Estive com o ministro da saúde este mês e ficou claro que faltam diretrizes, eles não sabem bem o que fazer. Ao Ministério Público cabe fiscalizar para que não haja descontinuidade na prestação de serviços. Se houver, as consequências para os responsáveis serão proporcionais”, assegura o procurador.

Fonte: Jornal Hoje em Dia

Confira o hotsite com matérias, fotos e vídeo das 4 principais tribos indígenas de Minas Gerais:

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