Mais dependentes de seus companheiros e distantes dos sistemas de proteção, mulheres do meio rural são alvo de crimes cujo grau de violência contrasta com a tranquilidade das cidades
Luiz Ribeiro e Alana Rizzoro
Pará de Minas – Elas vivem em cidades tranquilas, mas nem por isso estão mais longe do que as moradoras dos grandes centros urbanos de se tornar alvo de assassinos. Ao contrário, a própria condição de mulher do sertão as deixa indefesas: são mais dependentes de seus companheiros e vivem em locais distantes do sistema de proteção representado pelas delegacias especializadas e defensorias públicas, que se esforçam para fazer valer a Lei Maria da Penha, atesta a psicóloga Lenira Silveira, que durante 18 anos trabalhou na Casa Eliane de Gramont, em São Paulo, voltada para a assistência a vítimas de violência doméstica. Não é à toa que a pequena Tailândia, no interior do Pará, foi considerada em 2007 a cidade mais violenta para as mulheres.
“No meio rural, as mulheres estão mais vulneráveis porque a rede de proteção é mais precária. Muitas vezes, elas começam a sofrer pequenas manifestações de violência que, como as vítimas não têm a quem recorrer,, vão crescendo numa escalada que pode chegar ao homicídio”, comenta Lenira Silveira. Por causa do isolamento em que vivem, ressalta a psicóloga, boa parte dessas vítimas se torna “invisível” aos olhos das políticas de segurança pública. Segundo o estudo Violência Doméstica – vulnerabilidade na intervenção criminal e multidisciplinar, as vítimas levam, em média, oito anos para registrar a primeira ocorrência de violência doméstica.
Uma coisa parece certa. Como no meio urbano, boa parte dos assassinatos de mulheres no sertão é cometida por homens ligados às vítimas por laços afetivos que terminam se transformando em exercício de poder até as últimas consequências. O caso da estudante Luciene Pereira de Sousa é exemplar: moradora do município de Novo Cruzeiro, cidade de 30,3 mil habitantes, a 520 quilômetros de Belo Horizonte, no pobre Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, ela foi brutalmente assassinada com golpes de foice, em 11 de fevereiro, pelo ex-namorado, o lavrador Antônio Rodrigues dos Santos, de 21 anos. O crime ocorreu na localidade de Córrego Rabelo, zona rural de Novo Cruzeiro. A estudante sofreu cortes profundos no pescoço, na cabeça e nas mãos, que provocaram morte instantânea. O irmão da vítima Gleuson Pereira de Sousa, de 19, ainda tentou defendê-la. Ele também foi agredido e teve o antebraço esquerdo decepado e cortes na mão, mas foi socorrido a tempo e sobreviveu.
Silêncio Integrante de uma família de quatro irmãos, Luciene era muito tímida e quase nunca ia à área urbana. Ajudava o pai na lavoura e a mãe nos afazeres domésticos. Mas, sonhava em, algum dia, poder romper as dificuldades, estudar na cidade; virar professora e dar aulas para as crianças pobres da comunidade em que morava. Maria Aparecida dos Santos, prima de Luciene, conta que a adolescente sempre era espancada por Antônio, o que a levou a terminar o namoro. “Desde outubro, ela não saía de casa ,envergonhada e triste após ser espancada pelo namorado que ela não queria mais ver”, revela Maria Aparecida.
Outra vítima da violência na zona rural foi Fernanda Isadora Marzagão, de 20. Ela foi morta com tiro na cabeça pelo companheiro, o trabalhador rural Antônio Pereira, de 41. O homicídio aconteceu na noite de 7 de março deste ano na Fazenda Poderosa, na Região de Trindade , no município de Pará de Minas. De acordo com a Polícia Militar de Pará de Minas – município de 79,9 mil habitantes, a 85 quilômetros de Belo Horizonte, no Centro-Oeste mineiro –, na véspera do crime o casal viajou para a cidade de São José da Varginha, onde teve uma discussão.
Na madrugada do dia 7 de março – uma segunda-feira –, depois de retornar para a casa dela na fazenda, Fernanda ligou para o pai, José Alexandre Marzagão e pediu que ele fosse buscá-la, pois teve mais um desentendimento com o companheiro. José Alexandre se deslocou até a fazenda, aonde chegou por volta das 6h. Mas, já era tarde. Ele encontrou a filha morta na sala da casa. No mesmo cômodo, em cima de um móvel, foi encontrado o revólver 38 usado no assassinato. Antônio Pereira fugiu. Poucos dias depois, acompanhado de um advogado, ele compareceu à delegacia e confessou ter matado a mulher. O trabalhador rural aguarda o julgamento em liberdade.
A delegada Mônica de Oliveira Araújo, da Delegacia Repressão aos Crimes contra a Mulher, Menores e Idosos de Pará de Minas, ressalta que o índice de violência contra a mulher no meio rural é semelhante ao das grandes cidades. “Mas, as vítimas resistem muito em denunciar os companheiros agressores por causa da dependência econômica que têm em relação a eles”, disse a delegada do município mineiro.
Ainda em Minas, um outro caso de mulher assinada pelo marido na área rural foi registrado no município de Campo Belo, de 53,8 mil habitantes, a 218 quilômetros de Belo Horizonte, no Sul do estado. A vítima foi Rosângela Ferreira de Abreu, de 31 anos. Ela foi agredida com pedradas na cabeça e enforcada com um arame, pelo companheiro, o lavrador José Ronaldo Fidelis, em 19 de junho de 2010, na comunidade rural de Bom Jardim, a 12 quilômetros da sede de Campo Belo.
José Fidelis ligou para o sogro e informou que tinha matado a mulher, fugindo em seguida. O pai de Rosângela, José Alexandre Marzagão, de 54, foi até Bom Jardim e tentou socorrer a filha, que ainda respirava. Mas ela chegou ao hospital sem vida. Autor confesso, Fidelis aguarda julgamento em liberdade.
Marzagão continua inconformado com a morte da filha. “Não entendo como uma pessoa faça o que ele fez e continue andando pelas ruas”, lamenta. A mãe de Rosângela, Joana D ‘Arc Oliveira Marzagão, de 49 anos, também se diz revoltada. Para ela, o trabalhador rural planejou a morte de sua filha.
Presas além das fronteiras
Brasília – O convite chegou por uma amiga. Viver no exterior, ganhar em euros, mudar de vida… Quem sabe até se casar. Toparam Fátima, Socorro, Verônica, Iulsa e milhares de brasileiras recrutadas anualmente pelas máfias especializadas em tráfico de pessoas. Não há uma estimativa do número de mulheres levadas ao exterior para fins de exploração sexual. O que se sabe é que as organizações estão cada vez mais violentas. E fazendo cada vez mais vítimas.
Vinte brasileiras estão desaparecidas em países europeus. A principal suspeita é de que tenham sido assassinadas pelos grupos organizados. O paradeiro delas é totalmente desconhecido há pelo menos quatro anos. Diversas tentativas de localização, inclusive das polícias brasileiras e internacionais, foram feitas sem sucesso.
Em média, 30% das mortes de brasileiros no exterior estão relacionadas ao tráfico de pessoas. A maioria das vítimas são mulheres que, fora do país, trabalham como prostitutas. Têm entre 18 e 35 anos e não passaram do ensino fundamental. São de famílias de baixa renda e já desembarcam endividadas com os patrões. Precisam se submeter a uma rotina exaustiva de violência sexual e psicológica para pagar a viagem, a hospedagem e a alimentação.
“As investigações mostram que as quadrilhas estão se aprimorando. Mulheres que tentam fugir e são mortas. Sabem como funcionam aquela rede e estão dispostas a denunciar”, explica o assessor de Relações Internacionais do estado de Goiás, Elie Chidiac, estado de origem da maioria das mulheres traficadas no país.
Para despistar, as organizações criminosas tentam maquiar os crimes levantando hipóteses de suicídio e de assassinato cometido por companheiros das vítimas. Isso ocorreu no início do ano com Magda Silva, morta no interior de São Paulo, e com uma goiana encontrada sem vida em Portugal há duas semanas. A família, que preferiu não se identificar, não acredita que a mulher de 35 anos e mãe de dois filhos no Brasil tenha se enforcado.
No ano passado, quatro brasileiras foram mortas no exterior. Uma delas, Verônica Crosati foi esfaqueada dentro de casa na Itália. A garota de programa já tinha procurado organizações que prestam assistência às mulheres vítimas da prostituição no exterior. Depois de anos de escravidão, queria denunciar seus algozes.
No Brasil, os aliciadores também monitoram as garotas que retornam ao país. Letícia Peres Mourão saiu de Goiás rumo à Espanha. Viveu oito anos em pelo menos três cidades. Ela denunciou o horror enfrentado nos bordéis e voltou ao Brasil em dezembro de 2008. Mudou-se para o Guará, onde foi assassinada.
ESTADO DE MINAS, 19 de abril de 2011. Enviada por José Carlos.