Luiz Arnaldo Campos
Na beira do belo Tapajós, as mulheres pediram as graças da Iara, de Oxum, Nanã, das Icamiabas e prometeram lutar sem descanso por uma vida melhor. Os guerreiros presentes ecoaram estes desejos. O V Fórum Social Panamazonico tinha começado.
O Canto de Mil Povos
Para Santarém, no coração da Panamazonia, acorreram delegados de diversos estados brasileiros e das regiões amazônicas do Peru, Equador, Venezuela, Bolívia, República Cooperativa de Guiana, Guiana Francesa, Colombia, além de amigos e amigas da Cordilheira dos Andes e de países europeus como Holanda, França, Espanha entre outros.
Durante cinco dias compartilharam saberes através da fala, canto, dança, teatro, cinema.Vivenciaram relatos, discutiram análises e sonharam juntos muitas esperanças.Porém, mais do que tudo, experimentaram a força que emana da vontade comum dos povos desta região de serem senhores do próprio destino. Uma vontade expressa no documento final do encontro que a partir da constatação primeira de que a Humanidade pertence à Natureza e não o contrário aponta caminhos, propostas e lutas conjuntas contra os inimigos da felicidade e do bem viver.
Durante os cinco dias que durou o Forum um mosaico das múltiplas Amazonias foi apresentado nas oficinas apresentadas por redes, organizações, movimentos sociais enas mesas temáticas montadas pela coordenação do FSPA. Estados plurinacionais, grandes barragens e alternativas energéticas, defesa dos territórios indígenas e quilombolas, imperialismo, colonialismo, migrações, direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, culturas, comunicação, educação e cidades amazônicas fizeram parte do rico temário apresentado por especialistas e principalmente pelos protagonistas das lutas de resistência que se espalham pela região. A presença dos variados atores sociais da Panamazonia foi a chave do sucesso do V FSPA.
Nas tendas e salas foram ouvidas as vozes de muitos povos indígenas: mundurukus, cocamas, apiuns, boraris, tupaiús ,araras, jaraquis,cambés, ianomanis do Brasil, taurepangs e pemones da Venezuela, ashaninkas, huitotos e quéchuas do Peru, kichwas equatorianos, takanas e trintaros bolivianos, aciwajungs colombianos entre outros. Além destas vozes ancestrais também foram ouvidos as gentes que vieram de além–mar: os negros allukus da Guiana Francesa e os quilombolas do Baixo Amazonas ao qual se somaram os ribeirinhos, agricultores, trabalhadores urbanos, migrantes, artistas, mulheres e homens de todas as idades e especialmente a juventude santarena que no braço e no coração sustentou a realização do V FSPA.
Nos plenários e rodas de conversa dramáticos relatos de lutas pela sobrevivência, histórias de massacres, análises pormenorizadas e balanços de experiências eram pontilhados por cantos, danças e apresentações teatrais. O V Forum Social Panamazonico se abriu a todas as formas de expressão num reconhecimento que o esforço de transformar o mundo exige o aporte de todas as linguagens. Na assembléia final, os participantes de cada tenda temática expressaram através de ritos, expressões corporais e canções os sentimentos que haviam presidido cada debate. Estas manifestações e a aprovação consensual da Carta de Santarém foram a síntese de um encontro que tal como o rio-mar construiu a sua força a partir de inúmeros afluentes.
É Tempo de Vendaval
O V FSPA é filho do vento que sopra pelas plagas amazônicas empurrando povos e movimentos em direção uns dos outros. O caminho até Santarém foi pontilhado de encontros e reuniões, tecendo a rede que cobriu o Tapajós. O ponto de partida foi a Assembléia Panamazonica realizada durante o Fórum Social Mundial, em Belém,onde se tomou a decisão de reorganizar o FSPA, que já havia realizado quatro edições anteriores mas se encontrava desarticulado desde a última, em Manaus em 2005.
Daí em diante o toque de reunir passou a soar com insistência nos rios e matas. Foram reuniões de caráter político-organizativo, como o Encontro Preparatório Panamazonico, em Belém e a reunião do recomposto Conselho Internacional do FSPA, em Santarém;viagens de contato e reconhecimento como a que levou uma delegação da capital paraense até a IV Cumbre dos Povos Indígenas de Aby-Ayala , em Puno, Peru e uma outra realizada por irmãs ashaninkas peruanas e um irmão kichwa do Equador até as aldeias dos gaviões e kayapós, no centro sul do Pará. Tivemos também as celebrações para unir e lutar como o Ato Comemorativo do primeiro aniversário do levante indígena, em Bagua, na selva peruana e o Encontro Andino-Costeiro-Amazonico , em Lima, capital do Peru. A estes eventos se somaram muitos outros como o Encontro dos Quatro Rios ( Xingu, Madeira, Tapajós e Teles Pires), em Itaituba, os Encontros de Mulheres da Amazonia e de Mulheres Indígenas e o V Encontro Sem Fronteiras- Brasil, Venezuela e Guiana, em Santa Elena de Uairén.
Dessa maneira foram fertilizadas lutas concretas como a que une brasileiros e bolivianos contra a construção das represas no rio Madeira e o grande movimento contra hidrelétrica de Belo Monte, em plena Transamazônica. A preparação do V FSPA aqueceu o coração das amazonas e dos guerreiros e abriu corredores de informação por onde circularam idéias que demonstram a inviabilidade do mundo atual e a necessidade urgente de construção de um novo, baseado em lutas históricas e conhecimento ancestral.
Foi um processo dinâmico com intercâmbios e alianças numa espiral coroada pela realização do próprio Forum. Agora, esperamos que os tambores tocados em Santarém possam ser ouvidos em toda Amazonia e no mundo inteiro.
Com o Coração Nas Mãos
Após o Forum, com as vibrações ainda correndo na pele, foi realizada a reunião do Conselho Internacional do FSPA. Avaliações prá lá de positivas e uma imensa vontadede transformar o encontro em ações práticas que elevem o patamar da resistencia contra as ofensivas que o grande capital desfecha na região. A exibição, na reunião, do vídeo convocatório do III FSPA, em Ciudad Guayana, Venezuela, em 2004 e das imagens colhidas durante o próprio V FSPA , em Santarém, ajudaram a reatar os laços da memória. E a memória é luz, combustível e amanhã, como certa vez disse o Sub-Comandante Marcos.
Em Santarém se fez uma história que pretende continuar. Se vai dar certo só o tempo dirá, porém, pode-se dizer sem medo de errar que o caminho por onde passam e passarão as centenas de identidades amazônicas, fazendo causa comum por nossa terra e nossos direitos está aberto. Para todos e todas, uma boa viagem.
Enviado por Matheus Otterloo.