A Europa e o grito Guarani

Desde a leveza e brancura da neve e o frio cortante desta parte do maltratado planeta terra, partilho um pouco da nossa caminhada em busca de solidariedade aos povos indígenas, em especial do povo Guarani.  Com seu cocar Kaiowá, o mbaraká e sua experiência de resistência e luta, Anastácio Kaiowá Guarani é quem está dando o recado, através de suas falas tranquilas mas fortes, com bastante humor e muitas vezes tom poético e trágico. São momentos dessa luta ampla de construção de novos horizontes e garantia de direitos fundamentais a todos os seres”, escreve Egon Heck, coordenador do CIMI-MS, desde Heidelberg, na Alemanha. Eis o artigo.

“Andamos pelo mundo falando do nosso direito, nossos sentimentos e nossa dor” (Anastacio Kiaiowá Guarani)

Quando a delegação de apoio ao Povo Guarani, juntamente com Anastácio Kaiowá Guarani, embarcamos para umas duas semanas de maratona por vários países da Europa, sabíamos que neste tempo iríamos enfrentar muito frio e conseguir muito calor e solidariedade às lutas dos Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul, por seus direitos. Jonia trazia a preocupação especial da FIAN com a difícil situação de sobrevivência e fome por que estão passando inúmeras famílias e comunidades  Guarani, em seus confinamentos e acampamentos à beira da estrada. Verena, de Reporte Brasil,  estava com muitas informações e dados sobre as  graves conseqüências do avanço do agronegócio da soja e cana no Mato Grosso do Sul. Os agrocombustíveis impactam diretamente o território desse povo, sem que antes se tenha concluído os trabalhos de identificação das terras Guarani. Egon, do Cimi,  trazia todo o acompanhamento da luta pela terra e as violências extremas a que as comunidades Guarani estão submetidas. Procuramos dar visibilidade a essa realidade e conseguir solidariedade às  lutas desse povo.

Neve, chimarrão e solidariedade

Há dez mil quilômetros de sua terra natal, Anastácio, curtindo um frio de dez graus negativos, comenta, sem perder o bom humor. “Acho que aqui não é a terra sem males. Ela não pode ser tão fria. Vou continuar procurando…”

Descobrimos que para enfrentar o frio nada melhor que um antigo hábito Guarani, de bem antes da invasão – o chimarrão. E lá fomos nós ao belo e branco parque do castelo da rainha da Noruega. Tudo muito simples e modesto, como tudo ha de ser por aqui, nos explicam. A floresta nua dá um destaque à neve. As árvores altas e altivas, apenas tronco e galhos,  apontam para o céu sem sol, onde a noite chega às quatro da tarde e o dia apenas se apresenta às oito da manhã. E tem dias do ano em que a luz do dia se confunde com a escuridão da noite, e não amanhece.

Aqui também é terra de índio. Os Sami, um povo nativo que mora na parte norte do país, onde a temperatura fica na maior  parte do ano 30 graus abaixo de zero, tem uma luta expressiva, pelos seus direitos dentro dos estados nacionais, no pólo ártico, onde vivem – Noruega, Finlandia, Suecia e Russia. Desde a década de 1970 eles têm participado ativamente do processo de luta e organização do movimento indígena mundial. São conhecidos como os índigenas brancos, tendo destaque com suas vistosas vestimentas, nos fóruns indígenas internacionais.  Tem seu próprio Parlamento em cada um dos quatro estados nacionais dos quais fazem parte. São aproximadamente 100 mil pessoas.  Anastácio observa as semelhanças com os Guarani que também estão em quatro países da América do Sul

Aqui também fizeram uma entrevista  com Anastácio  Kaiowá, para  a  rádio Sami. Estavam muito interessados em conhecer e divulgar a realidade e luta desses seus irmãos do continente americano, de Abya Yala.

Na Embaixada do Brasil na Noruega, em Oslo

Nossa primeira atividade no longo caminho da solidariedade ao Povo Guarani e suas lutas. A entrega de uma enorme tela de dois metros quadrados na qual está estampada o rosto de uma mãe Guarani com uma criança, e um pouco dos desafios e belezas do país, com São Paulo e Rio de Janeiro. O que mais chama atenção no quadro são as 1.265 assinaturas em grandes grãos de feijão, na forma de uma árvore e todo ao redor do quadro.  Juntamente com o quadro foi entregue  de um documento pela FIAN Noruega, com várias entidades ligadas aos direitos humanos e questão ambiental. Sobre o quadro está escrito “A terra é vida e sangue, sem ela não vivemos”. Certamente o grande e belo quadro terá um lugar de destaque no ambiente da embaixada e ajude a conseguir respeito e apoio  aos direitos desse povo.

O que nos surpreendeu foi a seriedade com que o Itamarati prepara e municia seus embaixadores para as questões em foco, ou seja, a terra Kaiowá Guarani, o avanço dos agrocombustíveis, o etanol… Mapas, textos, informações atualizadas sobre os processos de identificação das terras e as violências. Anastácio, um tanto descrente, falou  que tivera quatro vezes com o presidente Lula, mas que isso não conseguiu fazer vencer as barreiras anti indígenas na região e a efetiva demarcação das terras de seu povo.

Debatendo estratégias dos povos – terra sem males, bem viver, quisemos chamar atenção para as necessárias mudanças nos rumos das políticas de produção agrícola juntamente com as mudanças na estrutura fundiária, através do reconhecimento das terra coletivas, como dos povos indígenas e quilombolas, a reforma agrária a partir de uma nova visão territorial e relação com a mãe terra, assim como o reconhecimento e respeito às unidades de preservação.

Nos Ministérios do Meio Ambiente e Relações Exteriores

Nestes dois espaços conversamos sobre as preocupações que a delegação pelos direitos do Povo Guarani vinho debater e sensibilizar na Europa. Chamamos atenção para os graves impactos do atual modelo de produção sobre a população regional, especialmente os indígenas e o meio ambiente.  A Noruega tem contribuído bastante com a questão de preservação ambiental, prevendo a destinação de um bilhão de dólares para um fundo de proteção da Amazônia.  Falamos da gravidade da situação em que vivem os Guarani Kaiowá, destacando algumas situações que exigem respostas imediatas, como Y Po’i, Kususu Ambá, dentre outras.  Porém o mais urgente e inadiável é a conclusão dos trabalhos de identificação de todas as terras Kaiowá Guarani, a publicação dos relatórios e subseqüentes passos de demarcação e regularização dessas terras.

Em nossos diálogos com instâncias do governo norueguês, também destacamos a atuação do judiciário que cada vez mais tem tomado decisões contrárias aos direitos constitucionais e da legislação internacional com relação aos direitos dos povos indígenas às suas terras.

Também tivemos um expressivo debate com representantes do ONGs que atuam na área dos direitos humanos, questão ambiental e direito à alimentação adequada.  A FIAN Noruega que articulou esse debate também tem sido muito solidária com a causa Guarani, viabilizando essa série de contatos e debates que certamente ampliarão a solidariedade com a causa do Grande Povo Guarani.

Valeu enfrentar o frio, amassar neve, por uma causa tão nobre. Seguiremos em nossa maratona de solidariedade ao povo Guarani.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=38967

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