Itália: violência racial contra os imigrantes da África

O surto de violência racial na Itália aviva o debate sobre os imigrantes
Já não há africanos à vista em Rosarno (Calábria, no sul da Itália). As escavadeiras demoliram ontem uma das fábricas abandonadas onde, há 20 anos, instalavam-se, durante meses, os temporários subsaarianos que colhiam tangerinas. A calma voltou ao povo depois que três dias de revolta, disparos e matilhas humanas. Resultou em cerca de 100 feridos, quatro deles graves (todos eles africanos) e o êxodo de aproximadamente 1.500 imigrantes. Agora, a Itália trata de digerir o sucedido.
A reportagem é de Miguel Mora e publicada pelo jornal El País, 11-01-2010. A tradução é de Vanessa Alves.
O final abrupto de uma convivência precária, baseada, há duas décadas, em uma relação de atroz desigualdade; a confirmação que, na Calábria, há mais máfia que Estado, e as imagens de violência racista vistas durante aproximadamente 72 horas envergonharam muitos italianos.
A solidariedade com os imigrantes abre passagem a partir de diferentes frentes, e depois da manifestação de condenação, o sábado em Roma, com um ferido, a ideia de uma greve geral de imigrantes vai tomando proporção através da Internet. A proposta é que se realize, no dia 1 de março, coincidindo com a que se organiza na França.
Mas, paradoxalmente, os fatos parecem ter conformado outros italianos. Ou, mais exatamente, a solução do problema. Alguns jornais, como Il Fatto, batizaram o exercício de “limpeza étnica” como o “primeiro ato eleitoral da Liga do Norte perante as eleições regionais de março”. A política firme e autoritária do ministro do Interior, Roberto Maroni, era ontem elogiada de forma unânime pelos meios da direita.
E, paradoxalmente, por muitos cidadãos do sul. Alguns dos vizinhos calabreses mais ativos na perseguição de africanos mostraram sua admiração pela Liga e por Maroni, quem atribuiu as desordens a anos de “excessiva tolerância”, assinalando com o dedo um centro-esquerda incapaz de distinguir-se frente à complexidade do fenômeno migratório.
Maroni foi criticado por quase legitimar a violência quando, em plena crise, deixou transpassar sua compreensão com os vizinhos rebelados. Antes que defender o direito ao trabalho dos imigrantes, o Governo preferiu escavar o problema de ordem pública e de higiene, desalojando todos os africanos, legais e não, até os centros de alojamento mais pertos, Bari e Crotone.
“Todos os ilegais serão expulsos”, prometeu ontem o ministro. Logo depois, seu gabinete anunciou que concederá a permissão de residência por motivos humanitários aos imigrantes feridos (alguns deles eram já asilados políticos).
Laura Boldrini, porta-voz do Alto Comissionado para Refugiados da ONU, lembrou que muitos africanos abandonaram Rosarno sem cobrar seus pagamentos. “Boa parte deles são legais e há muitos sob proteção internacional. Esperamos que o Estado lhes ajude a encontrar trabalho e não sigam abandonados na exploração e degradação”.
Se Rosarno ensinou algo, é que a católica e acolhedora Itália não se reconhece já a si mesma. Enquanto em Roma, o papa Bento XVI pedia “respeito” para os imigrantes e lembrava que “têm os mesmos direitos” que os demais, no povo, durante a missa, o pároco dom Pino foi mais longe: “Os descartamos. Se não temos a força de nos rebelar contra a injustiça e exercemos a violência contra os mais débeis, é melhor que não venhamos mais à igreja”.
Ao analisar os fatos, vários diários recorrem hoje a um símbolo da liberdade: Primo Levi, o cientista e escritor judeu que sobreviveu a Auschwitz. “Se estes são homens”, titula Barbara Spinelli seu artigo em La Stampa, enquanto La Repubblica publica o poema de Adriano Sofri “E agora decidam se este é um homem. O fundador do jornal La Repubblica, Eugenio Scalfari, comenta a implicação da ‘Ndrangheta na violência racista e a exploração dos trabalhadores, e pergunta às autoridades: “Não sabiam de nada? Não sabiam que a colheita de fruta nessa terra se deixava a cargo de 20.000 imigrantes, a maioria sem papéis, administrados por capatazes e pagos por baixo dos panos? Não sabiam como viviam? Não tinham a obrigação de intervir?”.
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=28864

De: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=28864

O surto de violência racial na Itália aviva o debate sobre os imigrantes

Já não há africanos à vista em Rosarno (Calábria, no sul da Itália). As escavadeiras demoliram ontem uma das fábricas abandonadas onde, há 20 anos, instalavam-se, durante meses, os temporários subsaarianos que colhiam tangerinas. A calma voltou ao povo depois que três dias de revolta, disparos e matilhas humanas. Resultou em cerca de 100 feridos, quatro deles graves (todos eles africanos) e o êxodo de aproximadamente 1.500 imigrantes. Agora, a Itália trata de digerir o sucedido. A reportagem é de Miguel Mora e publicada pelo jornal El País, 11-01-2010. A tradução é de Vanessa Alves.

O final abrupto de uma convivência precária, baseada, há duas décadas, em uma relação de atroz desigualdade; a confirmação que, na Calábria, há mais máfia que Estado, e as imagens de violência racista vistas durante aproximadamente 72 horas envergonharam muitos italianos.

A solidariedade com os imigrantes abre passagem a partir de diferentes frentes, e depois da manifestação de condenação, o sábado em Roma, com um ferido, a ideia de uma greve geral de imigrantes vai tomando proporção através da Internet. A proposta é que se realize, no dia 1 de março, coincidindo com a que se organiza na França.

Mas, paradoxalmente, os fatos parecem ter conformado outros italianos. Ou, mais exatamente, a solução do problema. Alguns jornais, como Il Fatto, batizaram o exercício de “limpeza étnica” como o “primeiro ato eleitoral da Liga do Norte perante as eleições regionais de março”. A política firme e autoritária do ministro do Interior, Roberto Maroni, era ontem elogiada de forma unânime pelos meios da direita.

E, paradoxalmente, por muitos cidadãos do sul. Alguns dos vizinhos calabreses mais ativos na perseguição de africanos mostraram sua admiração pela Liga e por Maroni, quem atribuiu as desordens a anos de “excessiva tolerância”, assinalando com o dedo um centro-esquerda incapaz de distinguir-se frente à complexidade do fenômeno migratório.

Maroni foi criticado por quase legitimar a violência quando, em plena crise, deixou transpassar sua compreensão com os vizinhos rebelados. Antes que defender o direito ao trabalho dos imigrantes, o Governo preferiu escavar o problema de ordem pública e de higiene, desalojando todos os africanos, legais e não, até os centros de alojamento mais pertos, Bari e Crotone.

“Todos os ilegais serão expulsos”, prometeu ontem o ministro. Logo depois, seu gabinete anunciou que concederá a permissão de residência por motivos humanitários aos imigrantes feridos (alguns deles eram já asilados políticos).

Laura Boldrini, porta-voz do Alto Comissionado para Refugiados da ONU, lembrou que muitos africanos abandonaram Rosarno sem cobrar seus pagamentos. “Boa parte deles são legais e há muitos sob proteção internacional. Esperamos que o Estado lhes ajude a encontrar trabalho e não sigam abandonados na exploração e degradação”.

Se Rosarno ensinou algo, é que a católica e acolhedora Itália não se reconhece já a si mesma. Enquanto em Roma, o papa Bento XVI pedia “respeito” para os imigrantes e lembrava que “têm os mesmos direitos” que os demais, no povo, durante a missa, o pároco dom Pino foi mais longe: “Os descartamos. Se não temos a força de nos rebelar contra a injustiça e exercemos a violência contra os mais débeis, é melhor que não venhamos mais à igreja”.

Ao analisar os fatos, vários diários recorrem hoje a um símbolo da liberdade: Primo Levi, o cientista e escritor judeu que sobreviveu a Auschwitz. “Se estes são homens”, titula Barbara Spinelli seu artigo em La Stampa, enquanto La Repubblica publica o poema de Adriano Sofri “E agora decidam se este é um homem. O fundador do jornal La Repubblica, Eugenio Scalfari, comenta a implicação da ‘Ndrangheta na violência racista e a exploração dos trabalhadores, e pergunta às autoridades: “Não sabiam de nada? Não sabiam que a colheita de fruta nessa terra se deixava a cargo de 20.000 imigrantes, a maioria sem papéis, administrados por capatazes e pagos por baixo dos panos? Não sabiam como viviam? Não tinham a obrigação de intervir?”.

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