Nesta segunda-feira, 18, diante das portas da Assembleia Nacional da Venezuela, em Caracas, o jesuíta José María Korta (foto) declarou-se em greve de fome. Aos 80 anos de idade, Korta decidiu apoiar a causa do cacique yukpa Sabino Romero, que está há mais de um ano preso pelas leis do Estado, embora a Constituição declare que os índios devem ser julgados pelas leis indígenas.
A reportagem é do sítio Corresponsales del Pueblo, 19-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Cerca de 100 pessoas, provenientes de diversos grupos e organizações de esquerda, assim como meios de comunicação alternativos e comunitários, acompanham José María Korta, que iniciou sua greve de fome às 11h, em frente à sede administrativa da Assembleia Nacional.
Korta, jesuíta com mais de quatro décadas de ativismo em favor da causa indígena na Venezuela, encontra-se acorrentado em frente ao prédio governamental e se declarou em greve de fome indefinida, até que Sabino Romero, Alexander Fernández e Olegario Romero, yukpas que permanecem presos na Prisão Nacional de Trujillo sejam libertados.
No último dia 13 de outubro, realizou-se uma marcha em Trujillo, exigindo a liberdade dos yukpa, considerados por algumas organizações como presos políticos, vítimas da criminalização da luta por território em Perijá. Com a greve de fome iniciada em Caracas, redobram-se os esforços e a mobilização pelo respeito aos direitos do povo yukpa.
Organizações sociais divulgaram um comunicado solidarizando-se com a greve de fome do religioso, exigindo a imediata libertação dos presos yukpa, assim como o respeito ao direito dos povos indígenas ao território e a administrar a justiça de acordo com suas próprias leis.
O provincial dos jesuítas da Venezuela, Arturo Peraza, também manifestou seu apoio ao religioso, em um comunicado oficial.
Eis o texto.
Caracas, 19 de outubro de 2010
Queridos amigos e amigas no Senhor:
A Província da Companhia de Jesus na Venezuela, diante da decisão do Ir. José Maria Korta desta segunda-feira, 18 de outubro, de se declarar em greve de fome, em frente à sede do prédio administrativo da Assembleia Nacional, em protesto pela violação dos direitos dos índios, concretamente da etnia Yukpa e de seu líder que se encontra na prisão, Sabino Romero, expressa:
1. Respaldamos os princípios que motivaram o Ir. Korta a assumir essa posição em defesa dos direitos à demarcação dos territórios ancestrais e a um julgamento justo levado adiante pelos juízes naturais, neste caso da comunidade Yukpa.
2. Sabino Romero tem direito de ser julgado por seus juízes naturais, conforme disposto pela Constituição Nacional em seu artigo 260, a saber, por membros de sua própria etnia, sob suas leis, pois o objeto do litígio ocorre entre membros da própria etnia e em seu território ancestral. É bom esclarecer que não se trata de estabelecer a inocência ou a culpabilidade desse líder indígena, pois esse assunto é objeto de julgamento que deveria ser levado adiante, mas sim dos direitos que lhe assistem tanto constitucionalmente, como com base nos tratados subscritos e ratificados pela Venezuela que reconhecem a capacidade das comunidades indígenas de julgar seus próprios casos.
3. Da mesma forma, exige-se o cumprimento do que está disposto no artigo 119 sobre a demarcação das terras que eles ocupam ancestralmente e que deu origem à situação de violência pela qual hoje o cacique dessa comunidade Yukpa está preso. Essa norma deveria ter sido cumprido há já 11 anos, e existe uma demora de quase nove anos com relação à legislação em matéria sobre os povos indígenas com base na obrigação estabelecida na disposição transitória sexta da Constituição.
4. O que o Ir. Korta exige é coerência entre o que se proclama e sua execução concreta. O Ir. Korta não exige nada para si, nem para movimento nenhum no qual ele possa se ver beneficiado, mas, em coerência existencial com o que foi a sua vida e a sua entrega, exige sim que se respeitem os direitos daqueles pelos quais ele lutou por mais de 40 anos na Venezuela.
5. Pedimos respeitosamente que as altas autoridades do Estado venezuelano escutem esse grito de um homem mais velho, que gastou a sua vida radicalmente a favor dos nossos irmãos indígenas e que atendam a essa reclamação justa, estabelecendo um cronograma de ações que visem ao reconhecimento das terras que as comunidades indígenas habitaram ancestralmente, assim como aplicar no caso de Sabino Romero o que está disposto no artigo 260 da Constituição, com preferência sobre qualquer outra norma do ordenamento jurídico.
6. Convidamos a todos os nossos amigos, amigas, coletivos populares e sociais, grupos de defesa dos direitos humanos, indigenistas e especialmente pessoas formadas por José María Korta na luta pela fé e pela justiça, a respaldar ou expressar seu acordo com os princípios que moveram o Ir. Korta a essa ação.
7. Esperamos que, da forma mais rápida possível, o Ir. Korta possa encerrar a greve de fome, pois, dada a sua idade e sua condição, tal opção pode colocar em risco a sua saúde e a sua vida, situação que consideramos totalmente indesejável.
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=37463