O intelectual, escritor e professor português Boaventura de Sousa Santos enviou uma carta ao presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coêlho, em defesa do advogado Terena Luiz Henrique Eloy, alvo de um processo na OAB do Mato Grosso do Sul que pretende cassar seu registro profissional. Na foto, Boaventura está de cocar ao lado de Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), com Eloy mexendo nos papéis.
Sobretudo nos dois últimos anos, o advogado sofre com ações judiciais da Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (Famasul) e da Associação dos Criadores do Mato Grosso do Sul (Acrissul). As organizações ruralistas chegaram a trocar três vezes de escritório advocatício depois de sucessivos fracassos contra Eloy na Justiça.
“A minha banca de mestrado aconteceu numa aldeia Terena. Então eles ingressaram com uma ação judicial para tentar suspender a banca, mas a Justiça Federal decidiu que a universidade tem autonomia científica, e que isso não constitui crime algum, haja vista que os Terena estão na posse por força de decisão judicial do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região)”, explica o advogado Terena.
Sem sucesso, os ruralistas passaram a incomodá-lo na OAB. A criminalização e a perseguição têm como intuito impedir o exercício do trabalho jurídico do advogado em defesa dos povos indígenas, sobretudo dos Guarani Kaiowá e Terena. Com atuações reconhecidas fora do Brasil, Eloy hoje édoutorando em antropologia social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Leia na íntegra a carta de Boaventura ao presidente da OAB:
Ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Senhor Marcus Vinicius Furtado Coêlho
Senhor Presidente,
Na oportunidade em que lhe cumprimento, venho manifestar a esta prestigiosa instituição minha preocupação e solidariedade com o advogado indígena terena Luiz Henrique Eloy Amado face aos recentes episódios de criminalização e perseguição que vem sofrendo – incluindo o recente intento de cassação do seu registro na Ordem dos Advogados do Brasil – em razão da sua atuação profissional em defesa dos direitos constitucionais dos povos indígenas do Brasil, nomeadamente no Estado do Mato Grosso do Sul.
O trabalho jurídico deste jovem advogado já é reconhecido nacional e internacionalmente, seja pela qualidade técnica do seu trabalho, seja pela conduta ética e comprometida que o desempenha, em absoluta consonância com os princípios da lei e da justiça, com o exercício de uma advocacia dedicada ao cumprimento da sua função social e com os preceitos do Estatuto da Advocacia e do Código de Ética desta instituição.
Conhecedor da importância institucional da OAB e do papel histórico que tem cumprido ao longo da história em prol das liberdades democráticas e da sociedade, reafirmo meu apoio ao advogado Luiz Henrique Eloy Amado.
Boaventura de Sousa Santos
Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra – Portugal
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Imagem: Colóquio Internacional “Território, Interculturalidade e Bem-Viver: as lutas dos povos indígenas no Brasil”, organizado no âmbito do Projeto ALICE e ocorrido no auditório da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), em 24 de junho de 2014.