Hanrrikson de Andrade, do UOL, no Rio
A três meses do fim do ano, o Rio de Janeiro já possui mais casos de mortes causadas por policiais, os chamados “autos de resistência”, do que o acumulado em todo o ano de 2013, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública do Rio). De janeiro a agosto desse ano, a Polícia Civil registrou 459 ocorrências do tipo nas delegacias do Estado. Em 2013, de janeiro a dezembro, o mesmo indicador foi de 416 vítimas.
As estatísticas da Secretaria de Estado de Segurança Pública mostram ainda que, em 2014, o Estado fechou o ano com 584 casos. Ou seja, em apenas oito meses, as delegacias registraram quase 80% do total das que ocorreram em todo o ano passado. A cada dia, portanto, duas pessoas morrem em decorrência de intervenção policial.
Na capital fluminense, as mortes causadas por agentes de segurança cresceram praticamente 47% entre junho e agosto desse ano, em comparação com o mesmo período em 2014. Na região da grande Niterói, também houve aumento (50%). Na Baixada Fluminense, as mortes decorrentes de intervenção da polícia caíram pela metade. Procurada pela reportagem do UOL, a assessoria de comunicação da Polícia Militar informou que ninguém iria comentar o assunto.
Para o sociólogo Ignacio Cano, coordenador do LAV (Laboratório de Análise da Violência), da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), “o primeiro semestre foi realmente muito ruim do ponto de vista do número de confrontos e homicídios”.
O especialista defende que a PM utilize recursos específicos para controlar e fiscalizar o uso da força. “Há ferramentas produzidas para isso. A gente, inclusive, desenvolveu um projeto com a PM para ajudar a controlar esse uso da força. (…) Acho que há espaço para reduzir [os índices de violência], se a polícia usar as ferramentas adequadas”, declarou.
O antropólogo e ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Paulo Storani afirmou entender que três problemas estão relacionados ao aumento das mortes em decorrência de intervenção policial. “A falta de uma política pública envolvendo os entes federados é o primeiro deles. O município, por exemplo, foge quando o assunto é segurança, pois é mais fácil se omitir. Além disso, há vários erros que foram cometidos durante o processo das UPPs. E, por fim, há a questão do efetivo sobrecarregado.”
Os confrontos, segundo Storani, aumentaram porque houve “um recrudescimento no enfrentamento com as facções criminosas”. “Desde o ano passado, vêm ocorrendo algumas tentativas de retomar comunidades ocupadas pelas UPPs. Além disso, não é novidade que traficantes voltaram a invadir comunidades controladas por facções rivais”, disse.
Já questão da sobrecarga do efetivo policial, afirmou o ex-capitão do Bope, é um fator que impacta a tomada de decisão. “Você nunca vai ver um policial com cara de tranquilo. A resposta dele é sempre violenta. Você observa isso numa blitz, por exemplo, quando um policial faz uma abordagem.”
Fraude em morte
Na terça-feira (29), a morte de Eduardo Felipe Santos Victor, 17, baleado no morro da Providência, zona portuária do Rio, foi registrada inicialmente como auto de resistência, mas um vídeo feito por moradores desmentiu a versão oficial. A Divisão de Homicídios da Polícia Civil informou que os cinco policiais envolvidos na ação serão processados por fraude processual. Eles cumprem prisão administrativa no BEP (Batalhão Especial Prisional) e também responderão pelo crime na Justiça Militar.
Nas imagens, o adolescente aparece ensanguentado e estirado no chão. Um policial da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), acompanhado de três colegas fardados, coloca uma pistola na mão do jovem e dispara dois tiros em sequência. Antes, outro PM aparece dando um tiro para o alto com a própria arma. A morte de Eduardo provocou manifestações de moradores da Providência. Em uma delas, um homem morreu.
O advogado Felipe Simão, que representa três dos cinco PMs, disse que o vídeo feito por moradores “não transmite a realidade”. Ele afirma que disparos foram realizados pelo medo de levar a arma carregada para a delegacia. “O propósito do disparo foi que o rapaz [policial] ficou com medo de transportar o armamento até a delegacia com munição, aí ele atira para realizar esse deslocamento com segurança. Ele teve medo de apertar o gatilho para realizar esse procedimento, aí acabou agindo dessa forma equivocada, mas sem intenção nenhuma de fraudar os fatos ou disfarçar os acontecimentos.”
Já para o delegado Rivaldo Barbosa, titular da DH, “está claro que existiu uma fraude processual”. “Diante dessa situação, vamos analisar a possibilidade de execução e não mais homicídio decorrente de intervenção policial. (…) Se essas pessoas fizeram tanto a fraude quanto o homicídio, responderão na medida da sua culpabilidade”, afirmou ele, na terça-feira (29).
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Imagem: Familiares e amigos colocam flores durante sepultamento do adolescente Eduardo Felipe Santos Victor, morto no morro da Providência, no Rio de Janeiro, na terça-feira (29) – Armando Paiva/Eleven/Estadão Conteúdo
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.
Um ‘modelo’ de polícia que encara as pessoas como potenciais inimigos, que age como estando em uma guerra, onde perdem todxs! tem que desmilitarizar, em prol da Vida mesmo! Até mesmo pela Vida dos PMs, mal treinados, que recebem um salário parco, um treinamento cheio de controvérsias e que estimula (ainda mais!) o olhar do cidadão enquanto inimigo. Não cabe polícia militarizada em um Estado Democrático de Direito!