“Havia também mais fartura naquele tempo. Plantávamos arroz, feijão, milho e mandioca e nossas roças eram grandes. Mas depois, tudo se separou, a FUNAI, a SESAI, as escolas… Hoje, mesmo com tanta gente trabalhando, mesmo com tantos carros, por que estamos sofrendo desse jeito? Por que as coisas estão piores? A culpa de estarmos nessa situação não é nossa! A culpa é dos brancos! Eles quem acabaram com as matas, com os rios e os peixes! A culpa é deles!”
Por Roberto Romero
Entre os dias 27 e 31 de julho, os povos Tikmũ’ũn, também conhecidos como Maxakali, realizaram as etapas locais da Conferência Nacional de Política Indigenista, nas aldeias de Água Boa e Aldeia Verde, municípios de Santa Helena de Minas e Ladainha, Minas Gerais. Durante os quatro dias de encontro, as principais lideranças e moradores se reuniram com técnicos da Funai, Sesai, além de representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e do governo estadual para levantar as principais reinvindicações a serem encaminhadas para a etapa regional da Conferência, em Governador Valadares (MG).
Falantes da língua Maxakali (tronco Macro Jê), os Tikmũ’ũn somam hoje cerca de 2.000 pessoas, vivendo em uma das menores porções de terra demarcadas no país (6.020 hectares, no total). Além de pequeno, o território encontra-se praticamente todo devastado, dominado por capim colonião, resultado de um longo histórico de expropriação e exploração das suas terras de ocupação tradicional. “Hoje nós estamos cercados como porcos, e os fazendeiros são como onças – querem acabar com a gente. Se vamos para um lado, damos de cara com a onça, se vamos pro outro, com a sucuri grande”, afirmou o professor e cineasta Isael Maxakali.
Numa longa retrospectiva histórica da trajetória do seu povo, Zezinho Maxakali ainda lembrou:
“Antigamente, não havia posto de saúde, médico, enfermeiros, escola, professores. Nós vivíamos bem aqui. Havia muita terra e mata para os yãmĩyxop (espíritos) caçarem e rios também com muitos peixes para as mulheres pescarem…
A gente acordava e tomava água de batata e já tinha alguma carne assada para comer com mandioca antes de sair pra roça ou pro mato. Vivíamos bem aqui, não havia doenças como hoje e nossas mulheres davam a luz nas aldeias… Hoje, qualquer tosse e a criança já tem que correr pro hospital. Nossa comida tradicional já não há… Tomamos café, guaraná, iogurte e comemos pão, arroz e macarrão.
Depois chegou o SPI, e com eles a educação. Mas a educação era em português. Eu me lembro de, ainda criança, ir pra escola sem roupa e a professora me perguntar, “cadê sua roupa?”, e então tirava a palmatória para nos bater. Teve ainda o tempo dos soldados [Guarda Rural Indígena], que ficavam por aqui mandando todo mundo trabalhar. Só mais tarde as coisas melhoraram um pouco, quando a FUNAI chegou. Os funcionários dormiam aqui mesmo, dentro da aldeia, e se os fazendeiros fizessem alguma coisa com os tihik (índios), eles iam atrás e puniam os criminosos.
Havia também mais fartura naquele tempo. Plantávamos arroz, feijão, milho e mandioca e nossas roças eram grandes. Mas depois, tudo se separou, a FUNAI, a SESAI, as escolas… Hoje, mesmo com tanta gente trabalhando, mesmo com tantos carros, por que estamos sofrendo desse jeito? Por que as coisas estão piores? A culpa de estarmos nessa situação não é nossa! A culpa é dos brancos! Eles quem acabaram com as matas, com os rios e os peixes! A culpa é deles!”.
Durante a etapa, membros de todas as aldeias entregaram ainda um documento, contendo mapas que retraçam o território de ocupação tradicional tikmũ’ũn: “Queremos que o governo nos devolva a nossa terra grande, para os yãmĩyxop caçarem, mõgmõka (gavião-espírito), putuxop (papagaio-espírito) e kotkuphi (mandioca-espírito). Para eles caçarem e comerem aqui mesmo na nossa terra, a sua comida verdadeira”, afirmou Sueli Maxakali.
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Veja também o vídeo de Edgar Corrêa Kanaykõ:
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Enviados para Combate Racismo Ambiental por Oiara Bonilla.