Por Eduardo Fernandes de Araújo* e Maria Augusta Assirati**, especial para o Viomundo
Estavam previstas para essa quarta-feira, 3, duas agendas importantes. Na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento sobre a constitucionalidade do decreto que assegura o reconhecimento, demarcação e titulação das terras quilombolas. No Congresso, a discussão da PEC 215, que trata de eventual alteração do regime jurídico da demarcação de terras indígenas, e de um projeto que visa regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal.
Ambas foram adiadas, o que foi considerado positivo pelos movimentos de indígenas e quilombolas.
No Congresso, em função da pauta sobre dispositivos fiscais e das atribulações entre a base governista e a oposição, o debate em torno da PEC 215 e do artigo 231 provavelmente ficarão para o próximo ano.
Dessa forma, cresce a expectativa de que o governo tome posição no sentido da defesa intransigente contra a alteração da Constituição no que tange à temática indígena. Fiquemos atentos à pressão que os setores mais conservadores dentro da base aliada e o bloco de oposição exercerão para a aprovação de novos dispositivos. De outro lado, sabemos que o movimento indígena, acompanhado de seus parceiros indigenistas e apoiadores no plano nacional e internacional, está plenamente habilitado para esse embate. As lideranças indígenas irão exercer igual ou maior pressão para assegurar que não haja retrocesso em relação à regulamentação da demarcação de suas terras, defendendo e lutando, assim, pela proteção de seus direitos e pela defesa da sobrevivência física e cultural de todos os Povos Indígenas.
Quanto à pauta quilombola, é possível que votação no STF ocorra ainda nesta quinta-feira, 4 de dezembro. A expectativa é de que o voto da ministra Rosa Weber seja o fio condutor das demais posições. O movimento quilombola (Confederação Nacional dos Movimentos Quilombolas – CONAQ e demais segmentos), as assessorias jurídicas e a Procuradoria Geral da República (PGR) esperam que o voto seja pela constitucionalidade do Decreto, com manutenção dos dispositivos que asseguram o reconhecimento, demarcação e titulação das terras quilombolas.
A Advocacia Geral da União segue também no mesmo esteio e aguarda condução positiva dos votos pelo ministro Lewandowski, permitindo que seja explicitada uma posição de defesa dos direitos das minorias, mantendo o entendimento do STF em questões análogas.
É fundamental destacar que, apesar do adiamento no Judiciário e postergação no Legislativo das pautas para 2015, indígenas e quilombolas permanecem em Brasília.
Ontem, após o adiamento da pauta no Congresso, diversas lideranças indígenas seguiram para o Supremo para prestar solidariedade às lideranças quilombolas que assistiam à sessão de julgamento no pleno do Tribunal.
Não há dúvida de que estarão unidos. Em torno, sim, da defesa dos seus direitos, mas também do respeito aos princípios, diretrizes e direitos que conformam o Estado Democrático. Em defesa da regularização de suas terras, conforme prevê e garante a Constituição de 1988. A mesma Constituição que, resultado da luta pela redemocratização do Estado, consagra valores como a justiça social, a diversidade cultural e a equidade.
O desfecho dessa batalha, portanto, prossegue em aberto. Cabe a cada uma e cada um de nós exercermos da melhor forma possível os papéis que nos competem no processo de luta pela construção da sociedade e do mundo em que queremos viver. Seguimos aguardando, já que, junto com o adiamento das agendas, se mantiveram alimentadas nossas esperanças.
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Eduardo Fernandes de Araújo é professor do DCJ da UFPB, membro do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH/UFPB), orientador no Projeto Ymyrapytã: Povos Tradicionais e Meio Ambiente. Fundador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI/UFPB). Pesquisador e coordenador do GT Povos e Comunidades Tradicionais, Questão Agrária e Conflitos Socioambientais do IPDMS. Diretor da Ong Dignitatis e integrante da Rede Nacional de Advogadas(os) Populares, atualmente é doutorando pela Universidade de Coimbra no Centro de Estudos Sociais (CES) do doutoramento Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI. [email protected]
Maria Augusta Assirati é advogada e mestre em Políticas Públicas pela Escola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ. Presidiu entre 2013 e 2014 a Fundação Nacional do Índio – Funai, onde antes foi Diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável. Exerceu cargo de Diretora na Secretaria Geral da Presidência da República e de Assessora Especial no Ministério da Justiça. Foi Coordenadora Geral na Secretaria de Gestão Participativa do SUS. Atualmente é doutoranda no Programa Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI pela Universidade de Coimbra no Centro de Estudos Sociais (CES).