A carta aberta da Rede Justiça nos Trilhos (JnT) é uma resposta ao recente documento dos bispos do Maranhão sobre o ‘desenvolvimento’ dessa região do País. Acolhendo o convite a produzir «sinais de uma nova sociedade na qual se proceda efetivamente a uma inversão de prioridades», as entidades de JnT apresentam aos bispos os graves conflitos provocados atualmente pela duplicação dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás e denunciam os impactos, em particular, sobre as populações quilombolas.
Prezados senhores bispos,
A rede Justiça nos Trilhos (JnT) é uma coalizão de organizações, movimentos sociais, pastorais, sindicatos, núcleos universitários, que atuam em defesa dos direitos das comunidades que vivem nas áreas atravessadas pela Estrada de Ferro Carajás.
Desde final de 2007, JnT está pesquisando e denunciando os impactos dos grandes projetos de desenvolvimento ligados ao Programa Grande Carajás; promove conscientização das comunidades atingidas e organização popular, oferece assessoria jurídica para reparar danos ou prevenir a ocorrência de novas violações sócio-ambientais. Estuda e trabalha em vista de uma alternativa econômica que privilegie a iniciativa das pequenas comunidades locais, a agricultura familiar e as culturas tradicionais.
Visa, enfim, estabelecer o Fundo Social como novo modelo, participativo, de repartição de uma percentagem fixa dos lucros da Vale, a multinacional mineradora que detém a concessão de nossas minas e ferrovia.
A rede JnT trabalha principalmente nas comunidades dos municípios de São Luís, Itapecuru-Mirim, Santa Rita, Arari, Alto Alegre do Pindaré, Buriticupu, Bom Jesus das Selvas, Açailândia e alguns outros no Pará. Está, porém, à disposição de todos os grupos e movimentos que precisarem de sua assessoria. É apoiada desde o seu começo, particularmente, pelas dioceses de Imperatriz, Viana e São Luís.
Escrevemos hoje, em nome de nossos movimentos e entidades, para parabenizá-los publicamente por sua corajosa Carta ao Povo de Deus do Maranhão, de fevereiro de 2011.
Concordamos plenamente com o alerta apontado pelos senhores, especialmente no que se refere ao Estado «colocando sua estrutura a serviço quase exclusivo dos grandes exportadores de minério, de soja, de sucos e carnes, construindo-lhes as infra-estruturas necessárias para obter sempre maiores dividendos». Esclarecer a sociedade a respeito desse fato é exatamente um dos objetivos principais de nossa rede.
Acolhemos seu convite a produzir «sinais de uma nova sociedade na qual se proceda efetivamente a uma “inversão de prioridades”». Nossa busca de mecanismos jurídicos, políticos e econômicos de maior repartição do lucro e de defesa da integridade dos territórios vai totalmente nessa direção.
A próxima Romaria da Terra e das Águas, inclusive, realizar-se-á em setembro desse ano no distrito industrial de Piquiá, cidade de Açailândia, cenário em que a rede Justiça nos Trilhos está operando ativamente há anos e onde terá a honra de celebrar em conjunto com os romeiros vindo do Maranhão todo.
Ao afirmar nossa total sintonia com a mensagem dos senhores, vimos através dessa carta alertar quanto a novos perigos ligados à expansão dos grandes projetos e pedir sua solidariedade.
A duplicação dos trilhos da Estrada de Ferro Carajás é um projeto em andamento que, por várias razões que nos dispomos a explicar detalhadamente em outra sede, está evidentemente violando a Lei e agredindo as comunidades locais e seus territórios, sem que tenha havido um regular processo de licenciamento ambiental para o empreendimento, não havendo um suficiente estudo prévio de impacto, comunicação com as comunidades e justa compensação pelos danos ao meio-ambiente e pelos prejuízos às famílias.
A Estrada de Ferro Carajás, por si mesma, já vem promovendo, desde sua instalação, vários impactos até hoje não solucionados ou minimizados, como os atropelamentos decorrentes da falta de medidas de segurança (uma média de uma pessoa morta por mês, nos últimos anos, sem nenhuma indenização aos familiares das vítimas), poluição do ar e das águas, rachaduras nas casas, fenômenos migratórios descontrolados etc.
Em particular, parece-nos simbólico o caso de violação, pela duplicação dos trilhos, aos direitos das comunidades quilombolas situadas nos municípios de Santa Rita, Anajatuba e Itapecuru-Mirim (neste caso em especial as comunidades Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo), pelo que especialmente solicitamos a solidariedade da diocese de Coroatá e desse Regional da CNBB.
Em função desses desafios e possibilidades de colaboração, colocamo-nos a disposição do Regional ou das Dioceses/Paróquias que queiram aprofundar os assuntos referidos e avançar no enfrentamento crítico desse modelo de desenvolvimento.
Cordialmente,
São Luís, 04 de abril de 2011
Missionários Combonianos Brasil Nordeste
Fórum Carajás
Movimento dos Trabalhadores/as Sem Terra do Maranhão
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
Associação Carlo Ubbiali
GEDMMA/UFMA (Grupo de Estudo Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente)
Irmãs de Notre Dame de Namur/ São Luís
Projeto de Pesquisa Vozes da Esperança/UFMA
Igor Martins Coelho Almeida – OAB/MA 8.505
Cristiane Maria Macau Rocha