Crise na Abengoa prejudicará a transmissão da energia produzida na UHE Belo Monte
Por Wallace Lopes
Pouco se houve falar na mídia brasileira da derrocada da empresa espanhola Abengoa, no entanto é muito bom ficarmos atentos. Trata-se de uma das líderes de investimentos no segmento de transmissão de energia no Brasil. Entre seus projetos está a Linha de Transmissão 500 kV Xingu – Parauapebas (C1 e C2), Parauapebas – Miracema (C1 e C2), Parauapebas – Itacaiúnas e subestações associadas, obra que compõe o Programa de Aceleração do Crescimento-PAC do governo federal e tem como objetivo principal a transmissão da energia elétrica que será gerada pela Usina Hidrelétrica Belo Monte.
Este empreendimento, que agora tem futuro incerto, possuía uma extensão construtiva de 1823 km passando por 22 municípios, 11 no Pará e 11 no Tocantins e, de acordo com o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente-RIMA, estava prevista a geração de mais de 6.400 empregos diretos e indiretos na região e um investimento para a construção e a montagem das linhas de transmissão e as subestações associadas (entre elas a ampliação da SE Xingu) o montante total de R$ 1,04 bilhão e R$ 307 milhões, respectivamente.
Outro importante empreendimento do PAC conduzido pela Abengoa e que já estava em processo de instalação é a Linha de Transmissão 500 kV Miracema – Sapeaçu, também conhecida como linhão pré-Belo Monte. Este empreendimento previa a construção de 1.854,51 km de linhas de transmissão atravessando 47 municípios nos estados de Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia e estava orçado em R$ 1,46 bilhão. Tinha como objetivo capacitar a região Nordeste para o recebimento da energia gerada na UHE Belo Monte e também possibilitar a exportação de energia para a região Sudeste.
Atolada em dívidas a Abengoa iniciou um processo de demissão em massa de seus funcionários e deu ordem para desmobilização dos canteiros indicando a paralisação das obras e causando revolta de trabalhadores e fornecedores. Os prejuízos com o encerramento das atividades da Abengoa se estendem a várias micro e pequenas empresas subcontratadas para prestação de serviços gerais, aluguéis de máquinas e equipamentos, fornecimento de alimentação, hospedagem, entre outros.
No dia 24 de novembro o Ibama emitiu a Licença de Operação da UHE Belo Monte sendo iniciado logo em seguida o processo de enchimento do reservatório no rio Xingu. De acordo com o cronograma de operação da UHE, está previsto o início da produção de energia em março de 2016. Até lá nenhuma dessas duas obras estarão concluídas. Mas não vamos falar aqui do prejuízo econômico que isso pode gerar para o país e no resultado disso nas nossas contas de energia. Vamos pensar nos impactos socioambientais que a ausência das obras arrematadas pela Abengoa vão desencadear em todo o processo. Milhares de pessoas perderão o emprego, outras milhares perderão a expectativa, programas ambientais de mitigação dos impactos serão interrompidos, os monitoramentos ambientais homologados no processo de licenciamento serão abandonados e o agravamento da sinergia dos impactos com outros empreendimentos da região são apenas algumas das preocupações de devemos ter neste momento.
Fora tudo isso, já podemos imaginar o processo de retomada dessas obras. Serão mais processos de licenciamento ambiental realizados a toque de caixa onde tudo o que há pela frente é atropelado em nome da “importância estratégica” que essas obras têm para o Sistema Interligado Nacional. E o pior de tudo é que essa “importância estratégica” não vem de um “planejamento estratégico”. Pelo contrário! Vem exatamente de uma falta ou falha dele em não prever as possibilidades das coisas também darem errado. Aliás, já encheu o saco essa história de jogar a culpa no licenciamento ambiental daquilo que normalmente decorre da falta de planejamento do governo. E aqui eu invoco a saberia popular que diz: “Tudo aquilo que algum idiota diz que é urgente é algo que algum imbecil não fez no tempo hábil e quer que você, o otário, se estrepe para fazer em tempo recorde”. Independente quem seja o “idiota” e o “imbecil” neste caso, o “otário” fica bem caracterizado como a turma do licenciamento ambiental que se vê sempre na obrigação de apagar fogo alheio. E quem perde nessa história toda, mais uma vez, é o meio ambiente.
Não restam dúvidas de que as obras da Abengoa eram fundamentais para a transmissão da energia produzida na UHE Belo Monte. Essa situação nos faz pensar que a falta de planejamento e análise estratégica da conjuntura, prévias ao licenciamento ambiental, tornou toda aquela pressa e pressão para emissão da Licença de Operação de Belo Monte em algo refutável; afinal, corre até o risco de ela ficar uns bons meses produzindo parte da energia para ninguém.