Por Redação de Outras Palavras
Lucio Bellentani, hoje com 71 anos, foi ferramenteiro na Volkswagen de São Bernardo do Campo quando tinha 28 anos. Filiado ao PCB, foi preso às 23h30 de um dia de julho de 1972, dentro da fábrica, numa ação acompanhada de seguranças da empresa. Outros 12 operários foram detidos com ele. Levou socos e pontapés na sala de Recursos Humanos e foi depois transferido para o Dops, onde passou por sessões de tortura: palmatória nas mãos, pés e cabeças, pau de arara, choque elétrico. Chegou a ser arrastado por um carro amarrado pelas mãos, teve dentes arrancados com alicate. Ficou um ano e oito meses preso, não conseguiu mais emprego em São Bernardo – as empresas partilhavam lista de ‘malditos’ – e foi morar no interior. Até hoje tem pesadelos e não suporta quarto escuro.
A cooperação de empresas com a ditadura civil-militar é o assunto do encontro marcado para 13 de novembro, às 18h15, no Sindicato dos Químicos de São Paulo (Rua Tamandaré, 348, Liberdade). Uma noite dedicada a aprofundar a compreensão dos mecanismos dessa cooperação e debater como conduzir política e juridicamente as iniciativas de responsabilização.
A história do ex-metalúrgico veio à luz por meio da Comissão Nacional da Verdade. A representação contra a Volkswagen foi iniciativa do Fórum dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade Justiça e Reparação, respaldado pelas dez centrais sindicais do Brasil. Uma representação ao MPF foi formalizada com o apoio de nomes como o de César Brito, Rosa Cardoso, Modesto da Silveira, entre outros, e dos diretamente atingidos pela repressão da empresa como Lucio, Batista, Brás, Expedito, Tarcísio.
Os documentos apontam que a empresa doou carros para o DOI (Destacamento de Operações de Informações) do 2o Exército. Há documentos com carimbo do departamento de Segurança Industrial da empresa que foram enviados ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social de SP) apontando operários que participavam em manifestações e greves. Cerca de 200 “boletins de ocorrência” feitos pela segurança corporativa foram enviados ao Dops com relatos de empregados presos pela PM ao fazer piquetes e levados à empresa em São Bernardo para serem identificados e interrogados. Há informações sobre tortura e espancamento de operários dentro da empresa.
No decorrer das investigações, o Ministério Público Federal convocou a presença da direção da Volkswagen. Numa reunião na sede do MPF, o ex-metalúrgico encontrou-se com Manfred Grieger, diretor do departamento de Comunicação Histórica do grupo. Da Alemanha veio também para o encontro Joer Kother, representando a Comissão Internacional dos Trabalhadores da VW. “Não reivindicamos nenhuma questão de penalidade ou de criminalização. Queremos que a empresa reconheça que fez besteira e se responsabilize por seus desmandos”, afirmou Lucio ao O Estado de S.Paulo, ressaltando que centenas de empresas colaboraram diretamente com a ditadura.
As centrais sindicais demandam reparações coletivas. “Queremos responsabilização das empresas e reparação pelas violações cometidas, não apenas financiar ‘memoriais’, como diz querer o sr. Manfred da Volks. Defendemos políticas efetivas que consolidem o reconhecimento público de cooperação do empresariado com o regime. É um processo de punição e reparação por partes das empresas que financiaram, patrocinaram e colaboraram com a ditadura e que em troca maximizaram seus lucros”, afirma o metalúrgico Sebastião Neto.
Informações e inscrições em [email protected]
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Isabel Carmi Trajber.