Os povos Kaingang, Guarani, Xokleng, Quilombolas do RS e de ocupações urbanas, repudiam ações que violentam direitos à moradia e ao território

Cimi Regional Sul – Equipe Porto Alegre

Os povos indígenas Kaingang, Guarani, Xokleng, comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul e das 14 ocupações urbanas de Porto Alegre, que compõem a Articulação Autônoma de Combate aos Conflitos Territoriais – que tem como objetivos articular e unificar as lutas pela terra e território no campo e na cidade – se mobilizou, no dia 11 de novembro, no centro de Porto Alegre, RS, para repudiar as ações dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo que violentam os Direitos Humanos à moradia e ao território. Em especial, neste dia 11 de novembro, se exigiu do Congresso Nacional o arquivamento da PEC 215/2000 e da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o arquivamento do PL 31/2015.

As violações praticadas contra indígenas, quilombolas e comunidades urbanas em situação de ocupação são decorrentes da incapacidade do Estado, em nível municipal, estadual e federal, em cumprir com as obrigações de respeitar, proteger e garantir os direitos humanos a toda população, previstas nos tratados internacionais de Direitos Humanos e na Constituição Federal de 1988.

O Brasil também é Estado parte do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, recepcionado pela Constituição de 1988 no Artigo 5º, § 2º e, desta forma, está obrigado a proteger, respeitar e garantir estes direitos à sua população. Isto inclui a garantia e proteção do direito à moradia adequada, conforme prevê o Artigo 11 do Pacto que estabelece que os “Estados-parte no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida”. Por se tratar de um direito fundamental, goza o direito à moradia de aplicação imediata, conforme disposto no § 1º do Artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Não depende assim, de qualquer regulamentação para que seja efetivado.

Visando a proteção do direito à moradia das pessoas que vivem nos assentamentos precários, a Constituição Federal adotou também a usucapião urbana e a concessão especial de uso para fins de moradia (Artigo 183), que foram regulamentados pela lei federal de desenvolvimento urbano, denominada Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/2001), e pela Medida Provisória nº 2.220 de 2001.

Quanto ao direito territorial é importante ressaltar que os povos indígenas e quilombolas se caracterizam por ocupar e usar de forma respeitosa os territórios tradicionais e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica e têm seu direito de acesso ao território tradicional consagrado nos artigos 231 e 68, das Disposições Transitórias, da Constituição Federal de 1988. Da mesma forma, o acesso ao território é um direito garantido também pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), aprovada pelo Decreto Legislativo 143 de junho de 2002. Também o Decreto 4887 veio para facilitar o acesso aos direitos fundamentais por essas comunidades. O documento regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

  1. Violação ao Direito Humano à Moradia

Muitas cidades no Estado têm, ao mesmo tempo, falta de moradias populares (déficit habitacional) e muitos terrenos vazios e imóveis desocupados ou abandonados, que estão para alugar ou ficam vazios à espera de valorização. Em muitos desses casos o proprietário não paga as taxas municipais devidas. Isso demonstra que a propriedade não está cumprindo sua função social.

Ademais, a falta de compromisso do Estado para efetivar os programas de habitação de interesse social pode ser verificada tanto pelo constante bloqueio financeiro para continuidade das obras habitacionais quanto pela morosidade na execução das obras públicas destinadas a atender a população carente, utilizando o poder político autoritário na desmobilização da organização social que luta pelos seus direitos à moradia.

Dentre os conflitos fundiários urbanos o despejo e a ameaça de despejo são as principais violações. Aqui no município de Porto Alegre cerca de 70 mil pessoas sofrem com a ameaça constante de despejo, na eminência de ficarem sem teto e a qualquer momento perderem o pouco que possuem. Esta situação coloca em risco a realização de todos os outros direitos destas famílias, como à vida, à segurança, à intimidade, à inviolabilidade do domicílio, inclusive o direito a educação adequada das centenas de crianças que ficam sem lar. Estes despejos violentos e traumáticos são executados pela Polícia Militar sem qualificação para tal ação e com a permissão do Governo do Estado.

Ações protagonizadas em Porto Alegre pelas Comunidades como a que levou a aprovação da Lei das AEIS, (Áreas Especiais de Interesse Social) Lei nº 111807, de 25 de março de 2015 que declara 14 dessas ocupações como objeto de Regularização Fundiária, são desconsideradas e pior atacadas pelo Executivo Municipal através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.

  1. Violações ao Direito Territorial

Os povos indígenas e quilombolas foram vitimados por uma política de colonização e expansão territorial, calcada no uso da violência e da integração forçada à comunhão nacional. Esta política se reproduz ainda neste estado, nas atuais políticas públicas que, devido à priorização do desenvolvimento econômico, excluí esta parcela significativa da sociedade.

Assim, lamentavelmente, indígenas e quilombolas do Rio Grande do Sul vivem a mesma realidade de negação de direitos que as famílias das ocupações urbanas, em especial a negação ao direito territorial, mesmo aos indígenas e quilombolas que vivem em áreas urbanas e que tiveram suas terras incorporadas às cidades. Estes indígenas migraram aos centros urbanos, em sua maioria por terem seus territórios invadidos e, hoje, vivem em situação de vulnerabilidade social, sem empregos, em condições precárias de moradia, enfrentando violências cotidianas, falta de assistência a saúde, dificuldades no acesso ao transporte público.

Também enfrentam problemas específicos, como a invisibilidade perante a sociedade em geral, a omissão do poder público, o questionamento de suas identidades étnicas e a falta de um espaço coletivo para suas manifestações culturais. Os indígenas que vivem em áreas rurais necessitam, além da regularização fundiária, um planejamento que assegure o uso sustentável dos territórios, a conservação e/ou recuperação ambiental, pois quando as terras são demarcadas e as comunidades retornam para seus territórios, estes estão degradados. As políticas públicas não são adequadas aos povos indígenas e quilombolas e, via de regra, tendem a uma unidade étnica.

Apesar das conquistas constitucionais, os direitos indígenas e quilombolas à terra estão sob ameaça, na atual conjuntura brasileira, em decorrência de propostas de alteração dos artigos 231 e 232 da Constituição, que partem de todos os poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, são anti-indígena, antiambiental e antiquilombola, a exemplo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, que quer mudar a atribuição de demarcar terras, que hoje é do Poder Executivo, para o Congresso Nacional. A essa proposta se somam a Portaria 303/AGU/2012 que impõem condicionantes ao uso do território, a exemplo daquelas definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da terra Indígena Raposa serra do Sol (PET 3338/2009). Da mesma forma, decisões judiciais tomam por base o que tem sido chamado de “marco temporal”, ou seja, a proposição de que as terras indígenas e quilombolas a serem demarcadas seriam somente aquelas efetivamente ocupadas no ano de 1988, quando se promulgou a Constituição Federal. São intensas as pressões de setores agrários e ruralistas sobre o Congresso Nacional, pois as terras indígenas e quilombolas representam novas fronteiras de expansão do agronegócio.

Aqui no Estado há tramitação do Projeto de Lei (PL) 31/2015, que é absolutamente inconstitucional. Este PL coloca os agricultores familiares contra os indígenas e quilombolas e ao lado do agronegócio, pois proíbe a demarcação de terras indígenas e quilombolas no Estado do Rio Grande do Sul em propriedades com até 300 hectares. Este PL afronta Direitos Fundamentais dos Povos Originários e Quilombolas garantidos na Constituição Federal e nos Tratados Internacionais que preveem medidas Executivas, Legislativas e Administrativas para garantir os direitos conquistados. Este projeto se caracteriza pela cultura racista e preconceituosa perpetrada ao longo da história.

A partir do exposto exigimos as seguintes medidas:

À Presidência da República

  1. Retomada de todos os procedimentos de demarcação de terras paralisados pela presidência da república no ano de 2013;
  2. Garantia de orçamento para retomada dos grupos de trabalho da Fundação Nacional do Índio – Funai – para demarcação dos territórios indígenas no Rio Grande do Sul; Itapuã, Morro do Coco, Morro do Osso, Ponta da Formiga, Estrela, Petim e Passo Grande, Estiva, Lami, Capivari, Arroio do Conde, Carazinho. Xingu, Campo do Meio, Mato Castelhano; e a retomada dos procedimentos de demarcação que estão paralisados como Canta Galo, Irapuá, Paso Grande do Rio Forquilha, Kandóia, Rio dos Índios.
  3. Garantia de orçamento para titulação dos territórios quilombolas;
  4. Certificação Imediata da Comunidade Quilombola da Família Flores; Titulação imediata da Comunidade Quilombola de Morro Alto, Quilombo da Família Fidelix, e Quilombo dos Alpes.
  5. Suspensão da Portaria 303/2012 que impõe condicionantes ao uso dos territórios;

Ao Congresso Nacional

  1. Arquivamento imediato da PEC 215/2000 que visa impedir a demarcação das terras indígenas, pois repassa a responsabilidade ao Congresso Nacional, espaço onde não tem representação dos povos, a decisão sobre reconhecer territórios indígenas e quilombolas;

Ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul

  1. Suspensão imediata das Reintegrações de Posse e Despejos;
  2. Construção Imediata de uma Mesa Permanente de Conflitos Territoriais com o levantamento de um Banco de Terras (Envolvendo as Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal);
  3. Capacitação em direitos humanos e mediação de conflitos à Brigada Militar
  4. Demarcação e Titulação imediata dos Territórios Quilombolas e Indígenas em sobreposição com áreas da Fazenda Pública;

À Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul

  1. Arquivamento imediato do PL 31/2015 em tramitação nesta Casa do Povo;

À Prefeitura de Porto Alegre

  1. Fim da Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo poder Municipal contra a Lei 1807/2015.
  2. A aplicação do inciso XXIV da Constituição Federal, ou seja, que haja a Desapropriação por Interesse Social ou Utilidade Pública das áreas atualmente ocupadas por centenas de famílias pobres, procedendo a sua imediata Regularização Fundiária;

Ao Poder Judiciário

  1. Que haja, por parte de juízes e magistrados, justa e adequadas decisões no que tange as ações possessórias e de reintegração de posse movidas contra famílias pobres e que lutam por moradia nos espaços urbanos;
  2. Que no âmbito da Justiça Federal, nos Tribunais Regionais, no STJ e STF, sejam revogadas as interpretações restritivas de direitos dos povos indígenas e quilombolas, especialmente no tocante ao marco temporal da Constituição Federal de 1988, tese jurídica desproporcional, pois afronta direitos originários e tradicionais de indígenas e quilombolas.

Porto Alegre, 11 de novembro de 2015.

Povos Kaingang, Guarani, Xokleng, Quilombola e Comunidades de Ocupações Urbanas.

Articulação Autônoma de Combate aos Conflitos Territoriais

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