Não apareceu nenhum líder novo, e se instaurou uma confusão, porque o velho não serve, o novo não apareceu e estamos nesse impasse”, afirma o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase
Por Patricia Fachin – IHU On-Line
“O diagnóstico da crise de hegemonia que fiz anteriormente só vem se confirmando, basta observarmos que há uma espécie de paralisia na política: os maiores partidos não conseguem criar um acordo de governabilidade, cada um quer tirar uma lasca de cá e outra de lá, e isso paralisa o governo e o Congresso”, diz Cândido Grzybowski à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone.
Na avaliação dele, a situação é agravada pela “disputa entre o impeachment da presidente Dilma e a cassação do Eduardo Cunha. (…) A crise é tal que para uns não interessa acabar com o mandato ou atacar Cunha, porque se isso for feito, o impeachment da presidente pode avançar; outros querem atacar Cunha porque acham que assim não haverá avanços na discussão sobre o impeachment. Enfim, é uma situação complicada”.
Grzybowski frisa que outra dificuldade da crise é compreender, inclusive, quais são as disputas internas dos partidos políticos. “Em relação aos partidos que têm interesse no impeachment, vamos falar do PSDB do Fernando Henrique ou do PSDB do Aécio Neves? O que são os partidos hoje? Quem são as lideranças hoje? Essa falta de clareza é o que eu chamo de crise, a qual pode fazer com que a situação atual vá se arrastando, onde nem se casse o Cunha nem se faça o impeachment para que todos se salvem de alguma maneira”, adverte.
Na entrevista a seguir, Grzybowski também comenta os resultados da pesquisa do Instituto CNT/MDA, que demonstra a rejeição da população por todos os partidos políticos. “Para mim, essa pesquisa é um sinal de que esse tipo de política não serve mais, basta ver que a rejeição da população é geral e não apenas a um ou outro partido. Entretanto, é perigoso confundir a rejeição a esse tipo de política com a política em si. Precisamos tornar a política um bem comum novamente. Insisto que foi a privatização associada à mercantilização, a primazia dos interesses particulares aos interesses republicanos, que fizeram com que chegássemos a essa situação”, conclui.
Cândido Grzybowski é graduado em Filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí, Rio Grande do Sul, mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutor em Sociologia pela Sorbone, Paris. É diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Na última entrevista que nos concedeu, o senhor disse que a crise política era consequência da falta de hegemonia. De lá para cá, como tem avaliado o cenário político?
Cândido Grzybowski – O diagnóstico da crise de hegemonia que fiz anteriormente só vem se confirmando, basta observarmos que há uma espécie de paralisia na política: os maiores partidos não conseguem criar um acordo de governabilidade, cada um quer tirar uma lasca de cá e outra de lá, e isso paralisa o governo e o Congresso. A situação é agravada ainda mais pela disputa entre o impeachment de Dilma e a cassação do Eduardo Cunha. Há essa tensão nesse sentido, mas não há avanços nessas questões, e nem sei haverá. A crise é tal que para uns não interessa acabar com o mandato ou atacar Cunha, porque se isso for feito, o impeachment da presidente pode avançar; outros querem atacar Cunha porque acham que assim não haverá avanços na discussão sobre o impeachment. Enfim, é uma situação complicada.
O governo tenta se “render” ao corporativismo do PMDB, porque assim tende a influir na governabilidade mais imediata, mas com isso se desfigura, aprofunda sua crise e aprofunda ainda mais a crise de hegemonia. Uma aliança desse modo não significa um pacto de governabilidade, mas, sim, um acordo de “não ataque” para que não haja uma desestabilização maior. O país está vivendo uma crise maior do que se previa, ao mesmo tempo que a crise confirma coisas que já vinham sendo apontadas antes. Há pelo menos três anos eu falava que esse modelo seria insustentável, ou seja, não é possível basear um modelo desenvolvimentista na aliança sindical-empresarial que estava no centro do pacto do PT no governo. Então, quando esse modelo entrou em crise e não havia lideranças capazes de apontar o mínimo de consensos de como resolver a crise, nós começamos a ir ladeira abaixo.
IHU On-Line – Então o jogo político hoje é de proteção, no sentido de que se evita o enfrentamento tanto com Eduardo Cunha quanto com Dilma, para que ambos concluam seus mandatos?
Cândido Grzybowski – Acho que isso está acontecendo desde o início do ano, só que se trata de uma situação que vem da eleição do próprio Congresso Nacional, que é totalmente desfigurada. Quem de fato tem alguma coerência com suas propostas são os que menos representam a cidadania brasileira, ou seja, a a tríplice bancada do B – da Bíblia, da Bala e do Boi. Eles têm interesses pequenos, não são interesses republicanos e públicos, mas são eles que estão tendo certa eficiência em pautar o Congresso. Basta olhar as agendas que eles fazem avançar, como, por exemplo, o estatuto do desarmamento, da família, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a alteração da maioridade penal. Eles estão se aproveitando dessa situação de crise para aprovarem suas pautas.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a tentativa da comissão especial de aprovar um projeto que praticamente revoga o Estatuto do Desarmamento, ao mesmo tempo que aprovaram, também na comissão correspondente, a PEC 215, que modifica a forma como são feitas as demarcações de terras indígenas no país?
Cândido Grzybowski – Isso demonstra uma grande crise. Claro que sempre há recursos institucionais para impedi-las, porque a democracia tem ainda certa vigência institucional no Brasil. A presidente Dilma, bem ou mal, mesmo contestada, tem usado o veto em algumas medidas. Mas até onde ela vai conseguir vetar esses projetos? Ela está perdendo espaço. Essas agendas oportunistas entram quando estamos em uma situação de crise, porque elas não estão no grande horizonte político. Elas são votadas por grupos derrotados pela democratização brasileira, que estão sabendo atuar nessa hora.
IHU On-Line – Há possibilidade do fortalecimento desses grupos com a crise?
Cândido Grzybowski – Acredito que estão se fortalecendo. A laicidade do Estado está sendo contestada. Estão querendo que um certo tipo de visão religiosa domine. Há também uma agenda obscura, mas que está na mídia, de achar que a crise fiscal, estruturalmente, tem mais a ver com a Constituição Cidadã de 1988 do que com outra coisa. Mas não se fala, por exemplo, da vergonhosa apropriação de riqueza do 1% da população que detém a dívida pública. Alguns economistas ortodoxos falam que é impossível resolver a crise fiscal do Estado enquanto saúde, educação e previdência/seguridade precisarem de verbas obrigatórias, mas isso, na verdade, é a primeira baliza para enfrentar, estruturalmente, uma sociedade extremante desigual, escravocrata, concentradora etc.
Para que essas agendas avancem, os políticos aliam-se à bancada BBB. Mas se a bancada da bala defendesse o estatuto do armamento, nunca teria força política para aprovar suas pautas, mas, ao contrário, ela se alia aos fundamentalistas religiosos e vota a agenda deles, vota a agenda dos ruralistas também, que têm mais força.
IHU On-Line – Ainda há interesse pelo impeachment? Quais partidos têm interesse em que ele ocorra? Ou a estratégia é manter o governo sob tensão até o terceiro ou quarto ano do mandato?
Cândido Grzybowski – É difícil que ocorra impeachment porque a institucionalidade brasileira é muito clara sobre como se pode e deve fazer o impeachment. O judiciário tem uma certa autonomia para assegurar isso e ele tem atuado. Em princípio é muito difícil encontrar uma justificativa para o impeachment.
Em relação aos partidos que têm interesse no impeachment, vamos falar do PSDB do Fernando Henrique ou do PSDB do Aécio Neves? O que são os partidos hoje? Quem são as lideranças hoje? Essa falta de clareza é o que eu chamo de crise, a qual pode fazer com que a situação atual vá se arrastando, onde nem se casse o Cunha nem se faça o impeachment para que todos se salvem de alguma maneira.
O problema é que, enquanto ficarmos nesse impasse, não pensaremos em alternativas. Estou ficando cansado de falar da conjuntura, pois fora o fato espalhafatoso e até ridículo que aparece no dia a dia, não há uma mudança substantiva. Qual é o elemento novo que existe na política? O que nos mostra que poderia surgir algo novo na política brasileira? O que existe é um certo vazio, um desencontro, está tudo desarrumado e o risco é que isso gere espaço para oportunistas. São eles que estão apresentando mudanças e agendas estapafúrdias, e, nessa confusão, eles vão avançando.
IHU On-Line – Quais as razões desse vazio? Ele se manifesta na política de um modo geral ou em alguns partidos?
Cândido Grzybowski – Os atores políticos perderam uma oportunidade gigante de se posicionar em relação ao que foram as manifestações de 2013, porque naquele momento estava surgindo uma cidadania pós-ditadura, pós-constituição. As manifestações estavam apontando uma agenda que dizia: “queremos educação padrão Fifa; transporte, e não carro individual; saúde de qualidade, não plano de saúde”. Havia uma agenda confusa, mas havia, e nenhum partido soube captar essa energia.
O PT achou que estava tudo bem por ter feito um movimento fantástico com as camadas populares – que sempre votaram de maneira conservadora, mas passaram a apoiar mais firmemente o governo do PT. Isso parecia ser garantia de manter o PT no poder por muito tempo, mas não é para tanto, inclusive porque as conquistas estão se desfazendo. Mesmo que o governo não diminua recursos em políticas sociais, o pessoal está perdendo o que foi, talvez, a única coisa importante conquistada nos últimos anos: o emprego e o emprego com salário mínimo, que cresceu.
Entretanto, está se voltando a uma situação de informalidade, muitas pessoas estão perdendo o emprego. Não apareceu nenhum líder novo, e se instaurou uma confusão, porque o velho não serve, o novo não apareceu e estamos nesse impasse. Acho que os partidos estão velhos, alguns estão surgindo agora, mas já nascem velhos. Veja, no partido da Marina já tem políticos com ficha suja. Claro que há muitos grupos discutindo conjuntura como há muito tempo não se discutia, mas as discussões são feitas sem conexão; é muito anárquico o momento que estamos vivendo.
IHU On-Line – A falta de hegemonia e lideranças tem origem nas disputas internas e nas fragmentações dos partidos? Quais divisões e fragmentações podem ser observadas nos principais partidos hoje, seja no PT, PSDB, PMDB, DEM, PP?
Cândido Grzybowski – Os partidos nem sempre têm divisões claras de tendências, porque partido é para ser um espaço de expressão de ideias, interesses e forças. Na minha avaliação, a origem desse problema – que contaminou todos os partidos – é a mercantilização da política, porque a partir desse processo ganhou quem conseguiu mais dinheiro. Essa privatização da política é uma forma de “matar” a política. A política em si, como espaço público, é um grande bem comum da democracia e é isso que está em crise, porque os atores puseram esse espaço em crise, sejam os atores ligados ao PT ou os mais conservadores, como o DEM. Todo o espectro político entrou no jogo da mercantilização da política.
Dado esse quadro, qual é a reforma política que precisamos fazer? A reforma política que temos de fazer consiste em tornar a política, novamente, um bem comum, ou seja, fazer com que a disputa política se faça com o cidadão, no voto, e não dessa forma, de quem tem mais dinheiro leva, porque é isso que está acontecendo. Veja, o que o Tiririca representa? Não é só ele, mas estou apenas citando o caso dele como exemplo, porque ele é conhecido. Ele vem da televisão, consegue dinheiro, financiamento e se elege. Para quê? Isso é o diverso brasileiro? Por que temos tão poucas mulheres e tão poucos negros na política, se a sociedade é mais negra e mais da metade dos cidadãos são mulheres? A mercantilização exclui essas pessoas. Então, acredito que os partidos caminham para se igualar. Há diferenças ainda, porque há diferenças de origens e diferenças históricas, mas os que fazem a diferença não estão à frente desses partidos. Para mim, o caso da Marina é um exemplo de como essa política transforma as pessoas. Ela, que representava um movimento, com muita legitimidade, combinando o social e o ambiental, que vem da renovação, sai do PT e faz o quê? Vira uma igual.
IHU On-Line – Quais vícios já estão presentes na Rede?
Cândido Grzybowski – Primeiro, o oportunismo dela na eleição passada; ela virou a casaca com a maior facilidade, com o objetivo de ganhar a eleição. O “ganhar” se tornou mais importante do que defender uma ideia. Para ganhar, o PT se transformou e deixou de ser o que era, um movimento de renovação política. Do mesmo modo, Marina rapidamente está fazendo o mesmo. Claro que ela voltou um pouco atrás, perdeu a eleição, mas veja quantos políticos estão se mudando para o partido dela.
Nós estamos precisando de um verdadeiro fermento político na sociedade e de forças aglutinadoras que consigam captar essa insatisfação que está nas ruas, no meio popular e na universidade. A universidade, bem ou mal, se tornou muito mais popular hoje – ao menos a universidade pública -, com as políticas que foram desenvolvidas: cotas, Enem, formas de acesso à universidade. Mudou muito o universo estudantil, não é o mesmo movimento estudantil de elite. Mas isso está sendo captado onde? O movimento estudantil se renovou? Não, continua dominado. O que é o movimento estudantil? Ele está contando onde hoje? Mas a universidade na sua base mudou, ela se abriu com o ProUni e o fato é que democratizou o acesso ao ensino. E com essa democratização nós temos um potencial de transformação que não está repercutindo na política; esse tipo de coisa está faltando.
IHU On-Line – O senhor consegue vislumbrar uma saída para a crise? Que partido teria condições de congregar as divergências e as disputas políticas hoje?
Cândido Grzybowski – Não consigo ver uma alternativa hoje. Como disse na entrevista anterior, ainda há muita fumaça. O problema será o que virá depois, mas não temos como saber o que vai acontecer. Temos de pensar e agir, porque o que será o amanhã depende da forma como vamos costurar o que está aí, ou seja, construir trincheiras para evitar o pior. A cidadania vai fazer a diferença. Não dá para esperar da elite política do governo: ou a cidadania inverte esse quadro ou não tem saída. Mas aí você pergunta: Quem? Nós temos de construir esse “quem”.
O Fórum Social Mundial está em crise e tenho a sensação de que o Fórum que irá ocorrer no próximo mês de janeiro em Porto Alegre não vai ter muita força, porque ele também foi engolido e não conseguiu se renovar. Quem, então, será a alternativa? Os sindicatos? Eles estão querendo salvar a própria pele nesse momento. Há movimentos que já vinham contestando esse modelo: os indígenas, os removidos urbanos, os atingidos pela mineração, mas esses são movimentos locais.
Houve perda de laços nesses últimos anos, e a política foi sendo priorizada no Planalto e não na planície, mas nós moramos na planície. É essa planície que é o berço de alternativas. Agora, se você novamente me perguntar quais alternativas, eu não vou saber dizer, porque na verdade nós temos de voltar a fazer coisas que deixamos de fazer, como discutir conjuntura, analisar, até criar uma nova onda tipo as Diretas Já, algo que exprima um desejo coletivo e consiga conquistar corações, o imaginário, e possa se tornar um movimento irresistível.
Mas as lições da história nos mostram que nada é definitivo, mas o que parece impossível pode ser possível, e esse possível pode ser construído. Mandela [Nelson Mandela] passou 28 anos na prisão para tornar algo possível. Então, fico pensando que talvez algo aconteça com a próxima geração, porque há uma geração que foi perdida nesse meio tempo, que não foi politizada. Tudo que fizemos lá atrás, deixamos de fazer nos últimos 15, 20 anos, e isso está fazendo falta. Precisamos gerar figuras que nunca foram da grande política, mas da política cidadã e fizeram a diferença. Precisamos de pessoas republicanas com causas cidadãs que nos unam.
IHU On-Line – Nesta semana foi divulgada a pesquisa de opinião do instituto CNT/MDA, que demonstra a rejeição dos brasileiros aos políticos. Essa pesquisa reitera seu sentimento em relação ao atual quadro político?
Cândido Grzybowski – Para mim, essa pesquisa é um sinal de que esse tipo de política não serve mais, basta ver que a rejeição da população é geral e não apenas a um ou outro partido. Entretanto, é perigoso confundir a rejeição a esse tipo de política com a política em si. Precisamos tornar a política um bem comum novamente. Insisto que foi a privatização associada à mercantilização, a primazia dos interesses particulares aos interesses republicanos, que fizeram com que chegássemos a essa situação.
Uma figura estranha como o Bolsonaro [Jair Bolsonaro] é respeitada, mas veja, ele é um dos poucos políticos que mostra uma coerência, nem que seja de extrema direita. Ele não está sendo contestado e isso é preocupante. Mas o que estamos precisando é que a sociedade se expresse na forma como ela é. As manifestações foram grandes, mas que bandeiras tiramos delas? Nenhuma até agora. A cidadania é forte quando vira tecido social, quando você que está no Sul, eu que estou no Rio de Janeiro e alguém que esteja em Belém, nos sentimos irmanados por uma causa pública comum e é isso que está nos faltando no momento.
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