2152152152152152152152015, por Erika Yamada

Em Erika Yamada

Ontem acordei ouvindo a notícia da (r)emenda da Constituição Brasileira, aprovada na Comissão Especial e que seguirá para votação no plenário do Congresso Nacional: a chamada PEC 215 ou PEC da morte. (veja o que disse Eliane Brum sobre o tema: AQUI)

Pensei tantas coisas… sobre meu país e sobre meu lugar, sobre conjecturas e sonhos, sobre o que é (i)moral e também sobre o espiritual. A angustia do injusto se entalou na minha garganta. Depois veio uma tristeza. E não durou mais que um ou dois minutos e virou delírio desinspirado no texto da PEC:

*

“E então, no Brasil, será permitido 01 (um, somente um) indígena deputado. Não importa que sejam 305 povos que falam línguas distintas, que morem em estados longínquos, que não se identifiquem entre si. Índio é índio. Ocupará uma cadeira antes inacessível e com sorte evitará que, um dia, indígenas venham a ocupem o Congresso Nacional, talvez.

O Brasil do futuro exibirá seu representante indígena (muito provavelmente não será uma mulher, porque insultar mulheres haverá entrado no regimento da nossa casa) ao mundo! Então, num cocar genérico (ou conforme a tendência do marketing) pousará na foto oficial. Sim, haverá foto oficial!

Sempre que por lei se estabelecer a liberação de mais áreas para grilagem e exploração desenfreada, será contratada uma notícia, com foto oficial! A manchete anunciará: Partido X ganha definição de terra indígena em troca de Ministério. Ou: Depois de mais de 03 décadas protegida terra indígena é des-homologada. Tem também a possibilidade: Municípios discutem com ruralistas permutada de terra indígena. E quiças: Centenas de índios são deslocados para abrir caminho à exportação de matéria prima.

Não vai faltar opção! O Brasil poderá ser transformado de norte a sul, ao gosto do freguês de sempre. E não serão necessários de estudos técnicos. Será tudo muito célere, decidido entre políticos locais em gabinete de Deputado! Quem quiser se aprofundar, olhará para o calendário e para a história local: Conseguimos dizimar os indígenas? Foi até 05 de outubro de 1988? Desapareceram todos? Mas não??? Ah! Então, os que sobraram foram foram tirados de lá? Ufa, só chegaram de volta no dia 06 de outubro!? Tudo bem, tá liberado!

E o Brasil seguirá repartindo nossas terras entre amigos influentes nos salões do Congresso Nacional. Tudo na santa paz, mas que não nos ouça o Papa. Em nome da estabilidade! E para cumprir algum processo, serão organizadas audiências públicas. Vai dar ibope pra ruralista agora que não teremos mais a PEC215 para aterrorizar. Vai ser ótimo para as eleições… Quem sabe se garantam assim (mais) alguns financiamentos de campanhas!

E o produtor rural será salvo dos indígenas! Essa história sempre funciona, vai ser o máximo continuar enganando o povo!

Mas e se os indígenas insistirem???

Teremos então refugiados de terras tradicionais, tá na moda.

E quando houver tempo, o Congresso voltará a analisar as necessidades legislativas do país. Mas antes disso sairá na Veja matéria sobre (a farsa dos) incríveis trabalhos do Congresso para de(s)marcar terras indígenas e territórios quilombolas do nosso ordenamento. E, para qualquer confusão, teremos uma ótima solução: o índio representante no congresso! Ele responderá por todo passado, presente e futuro colonizador em troca de generosos benefícios. Consultar povos para que?

E enfim, o Brasil falará de um só desenvolvimento, de modelo centenariamente renomado: — Os governos ficarão com terras e rios para suas obras mirabolantes; os ruralistas ampliarão seus monocultivos em terras indígenas (e o mercado estará ótimo pois os transgênicos agora vão sem rótulo pro supermercado!); e os indígenas e quilombolas trabalharão como mão-de-obra barata dentro de suas próprias terras. Como nos velhos tempos!

E se estivermos falando de índios no estágio avançado de interação com nós (os superiores) haverá contratos e estímulos para o seu enriquecimento. Serão índios de sucesso. E quem sabe assim damos uma lição para essa besteira de vida comunitária que contamina o homem branco. Voltamos para os trilhos, a cenoura está bem aí!

E é cada um por si. Armados ficará mais fácil de se fazer entender!

E pra não dizer que somos irresponsáveis com as futuras gerações, serão conservadas umas áreas, onde será terminantemente proibido entrar seres humanos (de qualquer tipo) e especialmente servidores ambientalistas. Tudo isso, até que chegue a vez de nossos netos explorar as belezas do mundo (programados por minicraft) para o que quiserem. Então, se tudo der certo, seremos todos trabalhadores. As crianças irão para a escola, aprenderão a sentar-se em frente de um computador diariamente, tediosamente. Esqueceremos como produzir nosso próprio alimento, desejaremos futilidades, necessitaremos de um trabalho qualquer, entristeceremos. Teremos dívidas até morrer. E morreremos indignada e desumanamente de tanto trabalhar: de olhos opacos, cabelos brancos, colesterol alto, diabete… como todo mundo! Mas com a tranquilidade de que os ricos seguirão ricos.

O Brasil do futuro será justo! Seremos todos iguais na ausência de alma. Mas os missionários terão adentrado às terras indígenas, irrestritamente apoiados. E quem tiver papel de dono da terra (fabricado por si mesmo como funcionário ou grileiro) levará um dinheirão do governo. Vai ser moleza. De novo.

Esqueceremos as leis que definem ocupação em faixa de fronteira. Esqueceremos que o Legislativo e o Executivo devem consultar livre, prévia e informadamente com indígenas, quilombolas e ribeirinhos. O poder seguirá sendo o poder! Inexplicável poder.

Mas existirá aquela uma linda vaga no Congresso para você, meu amigo imaginário índio nobre deputado.”

Para mais absurdos ver: http://www2.camara.leg.br/proposico…

Destaque: Foto de Claudia Andujar, reproduzida da internet.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.