Por Egon Heck
É lamentável falarmos do teto do refeitório que desabou ontem cedo, no local de alojamento das delegações indígenas brasileiras, resultando em três funcionários feridos e as refeições preparadas e servidas precariamente em locais improvisados.
Assim como é inadmissível que, na semana passada o sistema de aclimatação da cozinha entrasse em pane, elevando a temperatura do local a 65 graus, como confirmou o Ministério Público Federal, levando oito trabalhadores/as do local a serem atendidas em unidades de emergência, com sinais de desidratação, devido à exposição ao calor excessivo. E por falar em cozinha fomos informados de que as cozinheiras trabalham das 4 da manhã até as 10 da noite, sem que haja rodízio, sendo submetidas a uma jornada de trabalho exaustiva.
Essas são apenas algumas amostras da forma irresponsável com que foi implantada às pressas uma precária infra estrutura para os jogos mundiais dos povos indígenas, em Palmas-TO
É para que não aconteçam coisas mais graves e comprometedoras que o Ministério Público Federal se encontra no local dos jogos. Alertas foram dados, mas infelizmente a atitude autoritária e pouco transparente na condução do processo não permitiu que se realizasse esse trabalho com mais tempo e segurança.
Tendo em vista essa precariedade, por um lado, e uma atitude contrariando o espírito de integração e celebração, por outro, com barreiras arbitrárias, cercas da vergonha, que foram realizados atos de protesto dentro e fora da Arena de Abertura do evento.
Indignações e protestos, especialmente dos povos indígenas, foram registrados desde o início da chegada das delegações, na semana passada, seja pela impossibilidade de credenciamento para assistir a abertura dos jogos, ou ainda, pela falta de estrutura para alojar as delegações que não estivessem credenciadas. Eles aumentaram de intensidade na medida em que foram acontecendo os desmandos, a falta de diálogo, o descaso e a falta de transparência.
Os protestos tiveram maior intensidade no dia 23, por ocasião da abertura. Barrados na entrada do local dos jogos, centenas de indígenas fizeram o seu protesto do lado de fora, procurando obstruir a entrada das delegações e ameaçando derrubar as grades. Os gritos e as palavras de ordem eram contra a PEC 215, a demarcação das terras indígenas e fora Kátia Abreu. Faixas com os mesmos dizeres foram abertas dentro da arena.
Próximo ao local do evento também protestaram representantes dos movimentos sociais e aliados da causa indígena. Com inúmeras faixas e mais de uma centena de cruzes fincadas ao longo da avenida de acesso ao local dos jogos, procuraram dar visibilidade aos povos indígenas, seus direitos, suas lutas e sua resistência. Jogos sim, mas com terra demarcada, respeito e dignidade. As faixas refletiam a indignação de “Fora Kátia Abreu, “Fim do Genocídio Indígena”, ”Não ao MATOPIBA”, além de exigir o fim dos Projetos de Lei e Reforma Constitucional, como a PEC 215, PL 1610 dentre outras. Quando a noite veio nos envolver com seu manto, acendemos as velas da esperança embalados com canções de luta, resistência e transformação.
O silêncio eloquente da presidente
Quando o mestre de cerimonial chamou a Presidente Dilma os participantes se dividiram entre vaias e aplausos. Era então esperada a fala da presidente. Diante do total silêncio dela, um representante da coordenação do evento desandou falação dizendo que “vaia não é do povo indígena, isso aqui não é comício”. Podem vaiar nas eleições do ano que vem”.
Qual terá sido a razão do silêncio? É notório que a presidente tem evitado se encontrar com os povos indígenas. Não seria um gesto de desconsideração para com os povos indígenas de todo mundo, por parte das autoridades brasileiras?
Destaco a seguir o sentimento contido no desabafo de uma indígena, a partir do ritual de abertura e presença no local do evento.
“Deprimente, este e o sentimento que me corta a alma. Deprimida é como me sinto ao estar presenciando o que aconteceu aqui na vila olímpica. Vejo e me recuso a olhar a Corrida de Torra, Ritual Sagrado para nós os povos indígenas, sendo apresentada em uma arena e narrada como se fosse rodeio.
É um Ritual Sagrado praticado pelos povos indígenas em momentos especiais de suas vidas buscando sempre o equilíbrio do povo com o Todo. Demonstra a igualdade e a importância que todos têm dentro da comunidade, duas partes que correm sempre buscando estar juntas, caminhar em equilíbrio e respeito uns com os outros. Não é rodeio, não é e nunca foi competitivo. Não são animais correndo, carregando toras que jamais podem cair. Não existe ninguém querendo chegar antes que o outro. Não há competição.
É deprimente estar na feira de artesanato indígena, coordenado pelo Sebrae e me deparar com uma jovem que está vestida com uma roupa diferente que não caracteriza nenhum povo indígena. Usava um cocar indígena e estava de prontidão frente a um painel simplesmente para posar para fotos com visitantes. Me aproximei dela e perguntei de que povo era. Ela respondeu: não sou indígena, sou modelo. Fiquei estarrecida com tamanho desrespeito. Quantas mulheres indígenas lindas ocupam aquele espaço e não são vistas, muito menos consideradas pelos organizadores do evento. Contrataram uma modelo para posar de índia.”
JMPI onde os indígenas, continuam invisíveis para aqueles que organizaram o evento. E do lado de fora da arena mais de 200 indígenas são proibidos de adentrarem. Sendo somente eles o público que teria a compreensão do significado de todos os rituais e atividades que ali aconteciam .
Palmas 26 de outubro de 2015
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Fotos Laila Menezes.