Enawenê-Nawê é baleado no peito durante ataque de caminhoneiros e fazendeiros em Brasnorte (MT)

CIMI

Daliameali Enawenê-Nawê acabou baleado no peito esquerdo depois de ação violenta de caminhoneiros e fazendeiros em Brasnorte, noroeste do Mato Grosso, na tarde deste sábado, 24. Daliameali foi encaminhado para o hospital do município pelo Samu, conforme vídeos divulgados nas redes sociais (é possível ouvir os disparos – assista aqui), e seguiu direto para a mesa de cirurgia. O estado de saúde do indígena é considerado grave e na porta do hospital fazendeiros chegaram a organizar um tumulto.

O indígena Daliameali estava com um grupo Enewenê que tentava se dirigir à cidade de Juína. Tanto em Brasnorte quanto em Juína estão os serviços públicos essenciais – saúde e territorial – oferecidos aos indígenas da região. No caminho, os Enawenê encontraram e foram atacados por caminhoneiros e fazendeiros que trancavam trecho da rodovia MT-170, que liga Brasnorte à vizinha Juína, na altura da ponte que passa sobre o rio Juruena, em protesto de retaliação contra os próprios Enawenê.

Durante este sábado, os Enawenê cobravam pedágio no lado de Juína da ponte. A ação visava angariar fundos para melhorias na estrada que dá acesso à aldeia do povo (na foto). Há mais de um ano os indígenas reivindicam junto ao Poder Público o restauro da via com cascalhos, sem qualquer providência – os Enawenê mantêm apenas uma aldeia, com grandes malocas tradicionais, e por necessidades da comunidade se deslocam com frequência pela terra indígena, tanto pelos rios quanto pela estrada. O pedágio foi também uma forma de protesto encontrada pelos Enawenê para chamar a atenção da sociedade ao descaso das autoridades públicas.

A violência dos caminhoneiros e fazendeiros, ligados ao plantio de soja, entre outros monocultivos, e à retirada de madeira das terras indígenas locais, despertou a revolta entre os Enawenê. Informações apuradas junto aos indígenas dão conta de que 400 deles saíram da aldeia em direção à cidade de Brasnorte. Por conta disso, forças policiais civis e militares de toda a região já estão no município.

Brasnorte concentra um grande número de madeireiras, cartórios e demais pontos de interesses do agronegócio, do setor madeireiro e latifundiário. Em Juína não é diferente. As prefeituras das cidades, os sindicatos rurais, madeireiras e toda sorte de grupos interessados nas terras indígenas dos Enawenê e Myky se opõem aos procedimentos demarcatórios em curso dos territórios tradicionais destes povos. Com panfletos e pronunciamentos de rádio, costumam lançar a população contra os indígenas e seus apoiadores.

Constantemente os indígenas são vítimas de ofensas racistas nas duas cidades e amiúde são obrigados a passar semanas sem ir ao centro de Brasnorte, onde se encontra os serviços da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Em Juína, os Enawenê e servidores públicos chegaram a ficar acuados na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2013, durante uma manifestação de conteúdo ofensivo contra os indígenas organizada por fazendeiros e madeireiros.

Histórico

A violência é parte da estrutura latifundiária da região e remonta a década de 1970, quando massacres contra indígenas em situação de isolamento voluntário – Myky, Iranxê, Rikbaktsá, entre outros – são hoje horripilantes narrativas históricas. Em 1987, o missionário Vicente Cañas, do Conselho indigenista Missionário (Cimi), foi brutalmente assassinado por capangas sob ordens de fazendeiros de Juína. No primeiro semestre desse ano, o júri que inocentou o delegado de Polícia Civil acusado de arregimentar os capangas foi anulado pela Justiça depois de ser considerado manipulado pela falta de análise de provas concretas que incriminavam o delegado. Um novo deverá ser marcado.

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