Homenagens começam neste domingo, 25, às 14h30, com missa na Catedral da Sé
Por Lúcia Rodrigues, en Caros Amigos
A morte sob tortura do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, há 40 anos, no dia 25 de outubro de 1975, no DOI-Codi de São Paulo, o principal centro de repressão do país, começou a fazer ruir a ditadura militar. A comoção tomou conta da sociedade e o culto ecumênico de sétimo dia realizado na Catedral da Sé, no centro da capital paulista, reuniu milhares de pessoas e acabou se convertendo na primeira manifestação de massas desde o Ato Institucional número 5 (AI-5), que considerava subversão qualquer reunião com mais de mais três pessoas.
“Estou vivo graças ao Vlado. A morte dele gerou aquela reação (da sociedade)”, revela o jornalista Sérgio Gomes, o Serjão. Ele foi preso 20 dias antes de Herzog, no dia 5 de outubro, no Rio de Janeiro, e transferido para o DOI-Codi paulista, onde o jornalista seria assassinado. “Ele foi torturado pela mesma equipe de torturadores que me torturaram. Além dos choques elétricos, o torturador jogava amoníaco sobre o capuz que nos colocavam na cabeça. A gente ficava amarrado na cadeira do dragão tomando choque, levando porrada e amoníaco no rosto. Eu digo que foi isso que matou o Vlado. Era uma coisa alucinante.”
O judeu iuguslavo Vladimir Herzog, que fugiu com os pais para o Brasil para escapar da perseguição nazista, era um dos mais respeitados jornalistas da época. Além de professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), também era o diretor de jornalismo da TV Cultura, o canal televisivo do governo do Estado. Excelente profissional era admirado e respeitado pelos colegas de profissão..
A jornalista Rose Nogueira é uma delas. Ela trabalhava com Vlado na Cultura, no telejornal A Hora da Notícia, que ia ao ar à noite. “Foi por causa dele que eu permaneci trabalhando na TV. Eu vinha da mídia escrita, tinha trabalhado na Folha da Tarde, na Editora Abril., mas ele disse que eu levava jeito para televisão. O Vlado me ensinou tudo de TV. Era de uma generosidade impressionante. Fechar matérias com ele, era um privilégio. Ele não era chefe, era um professor e um baita profissional.”
Rose recorda que antes de se apresentar ao DOI-Codi, Herzog conversou com os colegas de trabalho e contou que os militares tinham ido até sua casa atrás dele. “Disse que ia fechar o jornal daquela noite e que ia se apresentar no dia seguinte. Eu contei para ele que tinha sido presa política por ser da ALN (Ação Libertadora Nacional, organização revolucionária comandada por Carlos Marighella), e ele me disse para eu sumir, porque eles iriam querer me pegar também. Disse que eu poderia tirar uns dias, para me afastar do jornal.”
Ela conta que à época ninguém acreditou na versão de suicídio divulgada pela ditadura, apesar dos militares afirmarem que ele havia se suicidado por enforcamento. “O Vlado gostava da vida, não ia se matar.” A versão militar seria desmentida oficialmente. Em março de 2013, o governo brasileiro emitiu um novo atestado de óbito para o jornalista, determinado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, relatando que a morte de Herzog ocorreu devido a lesões e maus tratos sofridos durante seu interrogatório no DOI-Codi.
“Quando eu soube da notícia da morte do Vlado era por volta da meia noite. Não consegui dormir, fiquei chorando e pensando a noite inteira no que ele tinha sofrido. Ele havia sido assassinado sob tortura”, lamenta. “A repressão via os jornalistas como inimigos. Quando ele foi morto, existiam 11 jornalistas presos no DOI-Codi”, frisa.
O ataque aos jornalistas também vinha do legislativo. Rose relembra que os então deputados estaduais José Maria Marin e Wadih Helu faziam discursos inflamados na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo pedindo repressão contra os jornalistas e em particular contra os profissionais da TV Cultura.
Homenagens
A abertura das homenagens a Vladimir Herzog começa neste domingo, 25, às 14h30 com flash mobs na região central da capital paulista, que ocorrem antes do culto ecumênico que será realizado na Catedral da Sé. A atividade vai reunir 800 cantores, de 30 corais, regidos pelo maestro Martinho Lutero. Pra não dizer que não falei das flores e O bêbado e a equilibrista, ícones da resistência à ditadura militar, serão algumas das canções interpretadas.
Na segunda, 26, às 18h, ocorre a reinauguração da Praça Vladimir Herzog, localizada na rua Santo Antônio, nos fundos da Câmara Municipal e em frente à Praça da Bandeira, no centro. O espaço ficou interditado devido a obras que estavam sendo realizadas no legislativo paulistano. O local passará a contar com três esculturas do artista plástico Elifas Andreato.
Na sequência, às 19h, será realizada uma sessão solene em memória do jornalista na Câmara Municipal. A solenidade também homenageará a viúva de Vlado, Clarice Herzog. Na ocasião também será lançado o livro da Comissão da Verdade da Câmara, que leva o nome de Vladimir Herzog, com relatos sobre a repressão da ditadura militar na cidade.
Na terça, 27, às 19h, é a vez do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo render sua homenagem ao colega de profissão. Vários jornalistas que estiveram presos com Vlado ou trabalharam com ele estarão presentes no ato político. Rose e Serjão são dois deles.
Serjão, que pertencia ao mesmo partido de Vlado, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), recorda como ele o ajudou a participar de um seminário em Buenos Aires, na Argentina, para apoiar chilenos que resistiam à ditadura Pinochet. “Eu ainda era estudante (de jornalismo), mas o Vlado disse que o Marco Antonio Rocha ia fazer uma pauta para mim e se a polícia me parasse, eu diria que era repórter e que estava cobrindo o seminário sobre reforma universitária e assim driblava a repressão. E ele fez isso”, vibra.
Tanto Rose quanto Serjão lamentam que o coronel-torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi entre 1970 e 1974, tenha morrido sem ser punido pelos crimes que cometeu.
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