A Associação Brasileira de Saúde Coletiva, por meio dos Grupos Temáticos Saúde do Trabalhador (GTST/Abrasco) e Saúde e Ambiente (GTSA/Abrasco), e o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) torna público seu repúdio à Portaria Nº 1.287, de 30 de setembro de 2015, publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que ao instituir, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, a Comissão Especial para Debater o Uso do Amianto no Brasil, sob o prisma do uso seguro (grifo nosso), age de forma unilateral, desrespeitosa e irresponsável, desconsiderando todo um longo e árduo processo de lutas e de avanços rumo ao banimento do uso do amianto no Brasil. As instituições seguem o posicionamento da Escola Nacional de Saúde Sergio Arouca que já declarou, em nota oficial publicada em 5 de outubro, seu total desacordo com tal portaria. É importante lembrar que a Abrasco e o Cebes são parceiras da ENSP na construção de um sistema de saúde público e de qualidade para todos. Confira, abaixo, as íntegras das notas da Abrasco/Cebes e da ENSP/Fiocruz.
Nota oficial Abrasco/Cebes
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva, por meio dos Grupos Temáticos Saúde do Trabalhador (GTST/Abrasco) e Saúde e Ambiente (GTSA/Abrasco), e o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) torna público seu REPÚDIO à Portaria Nº 1.287, de 30 de setembro de 2015, publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que ao instituir, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, a Comissão Especial para Debater o Uso do Amianto no Brasil, sob o prisma do uso seguro (grifo nosso), age de forma unilateral, desrespeitosa e irresponsável, desconsiderando todo um longo e árduo processo de lutas e de avanços rumo ao banimento do uso do amianto no Brasil.
O amianto é uma substância comprovadamente carcinogênica, em todas as suas formas mineralógicas, segundo a Agência Internacional da Pesquisa sobre o Câncer, a Organização Mundial da Saúdee por esta formalmente reconhecida e classificada como tal. Também a International Joint Policy Committee of the Societies of Epidemiology (IJPC-SE) publicou um “position statement” clamando pelo banimento do amianto. Dentre as patologias causadas pelo amianto destacam-se as placas pleurais, a asbestose, o adenocarcinoma broncogênico, o mesotelioma de pleura, pericárdio e peritônio, e outros cânceres; todas essas doenças são graves e irreversíveis para as quais não há tratamento que leve à cura.
O estabelecimento da relação causal entre enfermidades como o câncer e exposições ambientais e ocupacionais é dificultado pelo longo tempo de latência que requer memorização de experiências passadas e complexidade na definição de diagnóstico, baseada em exames de alta complexidade, de imagem, anatomopatológicos e histoquímicos. Isso se torna especialmente importante no Brasil, pela ainda baixa cobertura e acesso a serviços de saúde de qualidade, especialmente em locais longe dos centros urbanos, onde raramente são coletadas histórias ocupacionais e de exposições ambientais durante as consultas clínicas, o que limita a identificação das origens e causas do adoecimento.
Considerando-se que as estimativas da extensão da população potencialmente exposta chegam a milhões de pessoas, considerando-se a distribuição universal e ampla das exposições ambientais e ocupacionais presentes em toda a cadeia produtiva, acrescidos das fragilidades da ação e fiscalização pública, pode-se afirmar que a tese do uso seguro do amianto é absolutamente falaciosa.
É estranho que o Ministério do Trabalho e Emprego tenha “esquecido” sua própria posição nesse processo histórico de construção da defesa e proteção da saúde dos trabalhadores. Após tudo isso, é de se perguntar, a quem interessa recolocar na pauta a proposta de “uso seguro do amianto”? Aos trabalhadores certamente não. Às políticas públicas da Saúde, da Previdência Social, do Meio Ambiente e à própria proteção do trabalho, da saúde e segurança do trabalhador, também não.
A Abrasco e o Cebes não vão se calar! Em consonância com seu compromisso precípuo com a Saúde Coletiva e com a defesa da vida, se juntam a todas as entidades e movimentos sociais e sindicais na luta pelo BANIMENTO DO AMIANTO NO BRASIL E PELA IMEDIATA REVOGAÇÃO da Portaria MTE Nº 1.287, de 30 de setembro de 2015.
Acesse a nota técnica:
Nota oficial da ENSP/Fiocruz
A ENSP/Fiocruz vem a público apresentar o total desacordo com a Portaria nº 1.287, de 30 de setembro de 2015, que institui a Comissão Especial para Debater o Uso do Amianto no Brasil, sob o prisma do uso seguro.
No momento em que o amianto tem sua produção e seu uso banido em vários países, em razão de seus efeitos nocivos à saúde das populações, e seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS), não cabe normatizar o uso seguro dessa fibra.
A Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tem demonstrado, em inúmeros fóruns, os malefícios do amianto e o impacto sobre a morbimortalidade das populações expostas ocupacional e ambientalmente. Nos últimos 30 anos, os resultados dos estudos sobre o uso do mineral não deixam dúvidas de que todas as formas de amianto, inclusive o crisotila, provocam câncer. Os danos causados pelo amianto não se restringem aos trabalhadores, mas comprometem a saúde de toda a população exposta. Deixa de ser mais um problema ocupacional estrito e se torna um grave problema de Saúde Pública. O amianto ultrapassa os muros das fábricas, onde deixa uma legião de trabalhadores adoecidos e ganha a sociedade ao ter sua utilização permitida em diversos produtos de consumo cotidiano, por exemplo, as telhas de cobertura.
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o amianto como um ‘inimigo silencioso’. A publicação da OMS, sob o título Critério 203, sobre amianto crisotila, atesta a nocividade da fibra. Segundo a Organização, não há limite seguro para a exposição ao mineral e recomenda sua substituição como a melhor forma de prevenir doenças a ele atribuídas.
Da mesma maneira, a Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (Iarc/ONU) – instituto de referência que classifica substâncias como carcinogênicas –, considera o amianto e todos os seus tipos também cancerígeno para humanos, sendo classificados no grupo 1 do Iarc. Essa classificação indica que existem evidências suficientes em humanos, como também em testes com animais, para a carcinogenicidade desse material. Tal categorização foi estabelecida num grupo de trabalho em 1987. Mais recentemente, em 2012, outro grupo de trabalho, em Kiev, chegou à mesma conclusão com base em uma pesquisa publicada no British Journal of Cancer, em 2012, que analisou 55 estudos epidemiológicos.
Estão comprovados cientificamente os danos a respeito da fibra mineral causadora de doenças como asbestose pulmonar, espessamento pleural difuso, placas pleurais, câncer de pulmão e mesotelioma, não havendo nenhuma forma de se trabalhar com o amianto sem que haja risco à saúde.
Os casos de adoecimento e morte por amianto no Brasil são decorrentes da falta de uma lei que retire a fibra cancerígena dos processos produtivos e do consumo, e não de portarias que busquem normatizar seu uso, além de, quando ‘necessário’, equipamentos de proteção.
Protelar a lei do banimento do amianto coloca o Brasil entre os países que não enfrentam o problema da epidemia do câncer, hoje realidade na Europa, e estabelece o pico da nossa mortalidade para os próximos 20 anos, dado o longo período de latência para o câncer de pleura, denominado mesotelioma.
Em termos econômicos, de acordo com a diretora regional da OMS na Europa, Zsuzsanna Jakab, em nota emitida durante a Conferência de Alto Nível sobre Saúde e Meio Ambiente, em Haifa (Israel), 15 mil pessoas morrem por ano no continente em razão da exposição ao amianto, e todas as mortes poderiam ser evitadas. Ainda segundo a Organização, em 15 países europeus, as mortes por mesotelioma custam US$ 1,5 bilhão por ano à sociedade.
A própria OMS orienta para que os países criem, até o fim deste ano, políticas para eliminar doenças causadas pelo amianto, e a única maneira de eliminá-las é sua proibição por meio do banimento da fibra cancerígena.
Portanto, a ENSP/Fiocruz solicita a imediata revogação da Portaria nº 1.287, de 30 de setembro de 2015, dado seu anacronismo e em total desacordo com as políticas públicas que protegem a saúde das populações.
Hermano Albuquerque de Castro
Diretor da ENSP/Fiocruz
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Portaria nº 1.287, de 30 de setembro de 2015
O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso de suas atribuições que lhe conferem o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal:
Art. 1º Institui a Comissão Especial para Debater o Uso do Amianto – CEDUA no Brasil, sob o prisma do uso seguro e, se for o caso, propor medidas de controle e/ou outras que estudos técnicos possam apontar.
Art. 2º Compete à CEDUA: – Avaliar e propor medidas do uso seguro do amianto crisotila e seus derivados no mercado interno brasileiro; – Definir a aplicabilidade do Anexo 12 da Norma Regulamentadora 15 nos segmentos do setor, assim como propor revisões; – Elaborar e propor cronograma e prazos para a implementação das medidas previstas no inciso acima; e – Apresentar relatório final dos trabalhos em prazo de 180 dias, podendo ser alterado de acordo com o dispositivo transitório estabelecido no Artigo Único ao fim desta Portaria.
Art. 3º A CEDUA será estruturada em três bancadas compostos por 7 (sete) representantes cada uma, 3 (três) assessores técnicos, 3 (três) observadores, indicados pelas seguintes instituições:
I – Bancada do Governo a) Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, que terá a coordenação; b) Ministério da Saúde – MS; c) Ministério de Minas e Energia – MME; d) Ministério da Previdência Social – MPS; e) Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC; f) Ministério do Meio Ambiente – MMA; e g) Casa Civil.
II – Bancada dos Trabalhadores a) Central Única dos Trabalhadores – CUT; b) Força Sindical – FS; c) União Geral dos Trabalhadores; d) Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB; e) Nova Central Sindical de Trabalhadores – NCST; f) Central dos Sindicatos dos Brasileiros – CSB; e g) Confederação dos Trabalhadores da Indústria – CNTI.
III – Bancada dos Empregadores: a) Confederação Nacional da Indústria – CNI; b) Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC; c) Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção – ANAMACO.
IV – Assessoria Técnica a) Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO; b) Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ; e c) Instituto Brasileiro do Crisotila – IBC.
V – Observadores a) Ministério Público Federal – MPF; b) Ministério Público do Trabalho – MPT; e c) Governo do Estado de Goiás.
Art. 4º Os participantes da CEDUA serão designados mediante indicação das instituições listadas no artigo anterior no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da publicação desta portaria.
Parágrafo único. A participação nas atividades da CEDUA é considerada serviço público relevante e não enseja remuneração.
Art. 5º A Secretaria de Inspeção do Trabalho exercerá a atribuição de Secretaria Executiva da CEDUA.
Art. 6º As despesas de deslocamento para participação das reuniões da CEDUA correrão por conta de cada órgão ou entidade partícipe. Artigo Único Transitório: Após consulta as Assessorias Técnicas o prazo para apresentação do relatório final poderá ser alterado a fim de atender o período necessário aos referidos estudos que já estão em andamento, em relação ao amianto crisotila.
Art. 7º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.