Márcia Pinna Raspanti, História Hoje
A estreia do reality show Masterchef Júnior está agitando as redes sociais. Não por causa do conteúdo do programa, mas devido à participação de uma garota de 12 anos que está recebendo uma enxurrada de comentários de teor sexual explícito e inapropriado. Geralmente, quando ocorrem casos semelhantes, grande parte da opinião pública culpa a vítima: as meninas estão muito atiradas, usam roupas inconvenientes, cantam e dançam funk – quem não se lembra do caso de Mc Melody?
Nesse caso, nada disso se encaixa. A garota está participando de um programa de culinária, se veste como qualquer menina da idade dela, não tem falas provocantes… É apenas uma criança bonita. Nada mais. Mesmo assim, o nível dos comentários é assustador: propostas sexuais, piadas maliciosas, xingamentos, acusações. “Brincadeira”, dizem alguns. “Pedofilia”, afirmam os especialistas. O que fazer? Os perfis que publicaram tais absurdos foram apagados. Mas, isso é suficiente? Certamente que não.
Nossa história nos conta que o casamento entre garotas de onze ou doze anos com homens décadas mais velhos era comum até início do século XX; o abuso sexual de meninas pobres e escravas também era uma triste realidade. Apesar dos esforços, a gravidez precoce e as uniões entre garotas pré-adolescentes e homens feitos continuam a ser bastante corriqueiras nas comunidades mais carentes, até os dias de hoje. A prostituição infantil é uma praga difícil de ser combatida. E apesar do fantasma da pedofilia, as crianças sofrem um processo de sexualização exacerbada.
Outro fato que me chama a atenção é que a obsessão pela juventude se torna cada vez mais forte. As mulheres não podem envelhecer. Cirurgias plásticas, tratamentos estéticos, implantes de silicone, injeções de botox – vale tudo para se manter sempre jovem. As novinhas são o sonho de consumo de muitos homens. E as mulheres alimentam essa fantasia doentia se submetendo a todo tipo de sacrifício pela ilusão de uma juventude perdida.
O resultado é que as meninas são submetidas a um tipo de cobrança e cobiça com as quais não estão preparadas para lidar. Não importa que se vistam como miniaturas de dançarinas de funk ou que usem maquiagem ou até que repitam frases maliciosas. É preciso ter em mente que isso não as faz menos crianças ou mais maduras, como insistem alguns. Como vimos, mesmo as garotas que não são atiradas (detesto essa expressão) podem ser alvos da pedofilia.
Tudo isso nos mostra como a sociedade ainda tem uma relação doentia com a sexualidade. Não sabemos quais serão os efeitos dessa “polêmica” na vida da garota. E quais as consequências dessa sexualização precoce em toda uma geração. A única certeza que temos é que o assédio virtual que a jovem aspirante a chef está sofrendo está aumentando consideravelmente a audiência do programa.
E parece que isso basta…
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Imagem: “Nu”, Edvard Munch.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.