Cerca de mil indígenas Guarani e Kaiowá do tekoha (lugar onde se é) Ñanderu Marangatu estão ameaçados de despejo no município de Antônio João, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Nesta terça-feira (20), o Batalhão de Choque da Polícia Militar chegou à cidade. A reintegração deverá iniciar hoje (21). O risco de conflito é iminente.
O despejo foi ordenado pelo presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), desembargador Fábio Prieto de Souza, que negou o pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai), mantendo liminar da 1ª Vara Federal de Ponta Porã e determinando a desocupação da área.
A situação é tensa. Em carta, os Guarani e Kaiowá convocaram “todos os guerreiros para resistir e lutar”, e afirmam estar prontos para “morrer pela nossa terra”. Segundo apuração do jornal local Midiamax, os próprios militares acreditam que pode ocorrer conflito entre os militares e os indígenas, na medida em que os Kaiowá e Guarani pretendem permanecer na área, mesmo com a decisão judicial.
A reintegração é comandada pela Polícia Federal, segundo informações do Comando de Polícia Especializada (CPE) apuradas pelo Midiamax. Força Nacional, Exército, Polícia Rodoviária Estadual, além do Batalhão de Choque da Polícia Militar, compõem o efetivo que, até sábado (26), pretende concluir o despejo.
Conflito
No dia 22 de agosto, cerca de 500 indígenas iniciaram a retomada de cinco fazendas que incidem sobre o território tradicional de Ñanderu Marangatu. A resposta dos proprietários das fazendas foi brutal. Armados, e sob ordem de uma fazendeira local, Roseli Maria Ruiz Silva, atacaram brutalmente os indígenas, culminando na morte de Semião Vilhalva, jovem Kaiowá de 24 anos, com um tiro na cabeça.
“A morte do Semião seria em vão, se a gente for sair e deixar os fazendeiros”, conta uma das lideranças da retomada. “Se vierem pra cima de nós, nós vamos enfrentar. Nós temos nossa estratégia e não vamos sair”.
A liderança afirma que ao menos dois helicópteros sobrevoaram a área nesta terça-feira, 20. Moradores de Antônio João também viram a chegada do Batalhão de Choque da Polícia Militar, vindo de Campo Grande para compor o efetivo policial do despejo.
Terra homologada
Em novembro de 1983, Marçal de Souza Tupã-Y foi assassinado nas imediações de Ñanderu Marangatu. Em dezembro de 2005, o indígena Durvalino Rocha foi assassinado por jagunços contratados por fazendeiros da região.
A Terra Indígena Ñanderu Marangatu foi homologada pela presidência da República em 2005. No entanto, um mandado de segurança do Supremo Tribunal Federal (STF), de autoria do ministro Nelson Jobim, suspendeu os efeitos da homologação. Até as retomadas de agosto, os mil indígenas viviam em cerca de 330 hectares de terra – pouco mais de 3% dos 9,3 mil hectares delimitados originalmente pelo governo.
Parte das fazendas que incidem sobre Ñanderu Marangatu são de propriedade da família do falecido pecuarista Pio Silva, ex-prefeito de Antônio João e, segundo os Kaiowá e Guarani, um dos responsáveis pela expulsão dos indígenas daquele tekoha, na década de 50. Roseli Ruiz, proprietária de uma das fazendas, presidente do sindicato rural de Antônio João e principal interlocutora dos fazendeiros, é viúva de Pio. Foi na fazenda de seu cunhado que Semião foi assassinado.
Foto: Marcha no aniversário de 20 anos de Marçal Aquino, em Ñanderu Marangatú (Arquivo Cimi)