O cientista social Otávio de Camargo Penteado aborda os aspectos sociais e culturais dos indígenas
Por Daniela Origuela, no Diário do Litoral
Durante oito dias, o Diário do Litoral abordou em uma série de reportagens a situação indígena na Baixada Santista. ‘Índios do Litoral’ retratou o cotidiano de algumas comunidades da Região e os principais desafios enfrentados pelos indígenas no Brasil, como a falta de demarcação de terras e de acesso à educação e saúde, e o preconceito.
O índio de hoje quer adquirir conhecimento para defender o seu povo e ter melhor qualidade de vida. Está conectado nas redes sociais e na internet, mas não abre mão de suas tradições e costumes. Para entender essas modificações e o contexto do ‘novo índio’ na sociedade, o DL conversou com o cientista social Otávio de Camargo Penteado, assessor de programas da Comissão Pró-Índio de São Paulo. A organização não governamental atua junto às comunidades indígenas e quilombolas.
Diário do Litoral – Quando os portugueses chegaram ao Brasil existiam três milhões de índios no país. Atualmente, esse número não chega a 900 mil. O que aconteceu?
Otávio de Camargo Penteado – Ocorreu uma espécie de massacre e dizimação dos índios por uma série de fatores somada à história do País. De como o índio foi considerado em todos os conflitos ocorridos. Houve uma disputa muito grande de terra e recursos e também a exploração de mão de obra escrava. Não só houve – e há – a violência física pela disputa de território. Existe a violência moral. Ou seja, não é só a perda física e do território, mas a perda moral.
DL – Desses três milhões de índios, em 1.500, estima-se que dois milhões viviam na região litorânea. A proporção ainda é a mesma?
Otávio – Os índios que viviam no litoral foram os primeiros que os portugueses encontraram e os primeiros que sofreram violência por conta das ocupações. Tecnicamente foram as populações mais dizimadas. As populações que estão na região litorânea têm o problema de se afirmar e retomar a sua identidade. O que há é um pensamento de que só existe índio no Amazonas. No litoral, as terras são pequenas. Boa parte não está regularizada. Há muita precariedade. Existem aproximadamente 40 mil indígenas no Estado de São Paulo, no espaço urbano.
DL – As diferenças entre os índios se dão pela região onde moram ou a etnia?
Otávio – Existem troncos linguísticos básicos, que são os troncos existentes no Brasil, de onde se tem diversas etnias e povos. As diferenças têm muito a ver com os troncos linguísticos, a questão sociológica, a cosmologia entre outros fatores. Mas isso não quer dizer que o modo de vida também não esteja ligado ao modo e ao lugar onde vivem.
DL – Durante a série de reportagens, identificamos que o índio de hoje não se restringe apenas à aldeia. Ele quer estudar e levar conhecimento para o seu povo, mas preservar a sua cultura. Dá para unir as duas coisas? A influência da cultura não-indígena provocou as transformações do que podemos chamar do ‘novo índio’?
Otávio – Eles não escolheram estar nessa situação. Eles não escolheram ter que lidar com educação e saúde. Agora eles não podem ficar fora desse mundo. As doenças que eles tinham não são mais as mesmas e hoje eles nem têm como lidar com elas da forma como lidavam antigamente. Eles precisam lidar com a tecnologia e o acesso às políticas públicas. O acesso aos direitos deve respeitar a cultura. As políticas públicas têm que fazer com que eles se tornem mais capazes de acessar o mundo atual. A nossa cultura é a predominante. A educação está sendo para eles uma forma de passar conhecimento e ter sabedoria para lidar com as questões que atingem o seu povo. Eles são capazes de utilizar o nosso mundo de forma particular e criativa, preservando a sua cultura.
DL – O preconceito, assim como a falta de demarcação de terras, é um problema comum ao indígena. Termos como ‘vagabundos’, ‘bêbados’ e ‘fedidos’ são utilizados contra eles. Por quê?
Otávio – Acontece que a sociedade tem grande dificuldade de lidar com as diferenças. Isso é um problema geral. O índio fica até o nono ano em uma escola dentro da aldeia, em um espaço agradável e que tem relação com ele. Depois eles vão para fora. Encontram um espaço público que não é receptivo para essas diferenças. Além disso, tem a questão da demarcação das terras. Quando você demarca vai contra os interesses, isso se torna como um ‘atraso ao progresso’. Piaçaguera (em Peruíbe) é um exemplo. Por ficar próxima à praia, há interesse da construção de veraneio. A presença indígena é conflituosa, pois contraria um interesse e o índio é encarado de forma negativa como se fosse um problema para o desenvolvimento. Também há pouco interesse da importância deles para o País.
DL – O povo indígena – e sua cultura – corre o risco de ser exterminado no Brasil?
Otávio – Não. Porque se fosse para ser exterminado já teria sido. Pega o exemplo dos guaranis Mbyas, que moram muito próximos do contexto urbano. Estão ali mostrando a sua cultura e reforçando a sua presença. As mobilizações feitas em âmbitos locais e em Brasília são uma prova de que eles sempre vão existir e resistir. Até as populações, que por motivos históricos foram impedidas de mostrar a sua cultura, hoje estão realizando um trabalho de resgate. Pela força que eles têm e luta para reforçar a sua presença, é muito difícil pensar que um dia eles vão acabar. O que não pode deixar é ocorrer o que vem ocorrendo, o extermínio por conta de terras e a segregação dos direitos.
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Destaque: “A sociedade tem grande dificuldade de lidar com as diferenças”, diz Otávio (Foto: Matheus Tagé/DL)