Na Adital
“O Eduardo Cunha quis apagar nossa resistência, vencer nossa paciência e dignidade, retirar nossos direitos constitucionais”, mas a escuridão a que submeteu os quase 200 presentes, não os demoveu sobre a decisão de passarem a noite em vigília contra o genocídio das populações e comunidades tradicionais e dos povos indígenas.
Dentro da normalidade de uma segunda-feira na Câmara, quando quase não existem atividades, uma silenciosa tempestade estava em curso. Vendo uma movimentação fora dos padrões, um dos seguranças chegou a chamar atenção de seus superiores, sobre uma estranha movimentação.
A audiência pública sobre as milícias armadas no campo foi transcorrendo dentro da normalidade. Denúncias contundentes sobre a ação, organização, articulação e ação violenta e genocida de milícias foram sendo apontadas nos depoimentos. Quando as atividades da audiência já iam para seu encerramento, Agnaldo Pataxó Hã-Hãe-Hãe tomou a palavra anunciando que os povos indígenas e representantes das comunidades tradicionais, como os quilombolas, pescadores artesanais, geraizeiros dentre outros, presentes no Plenário 1 da Câmara, iriam permanecer em vigília, para denunciar, de forma mais contundente, as graves violências, mortes, impunidade e criminalização das lideranças das lutas sociais no campo e pedir providências imediatas daquela casa de leis. Luiz Couto, o parlamentar proponente da audiência, encerrou oficialmente as atividades.
A partir daí, foram se revezando os depoimentos, os rituais e as canções de luta e alegria. Um grande dia para ser lembrado pela história. Uma noite memorável, de persistência, luta e resistência. “Estamos aqui, estamos vivos e estamos em luta”. Intensificou-se um processo de unificação de lutas no campo, a partir das lutas regionais e da articulação nacional. Os maracás, os tambores e as palavras de ordem foram mostrando que algo novo estava acontecendo.
A Constituição e a escuridão
Não dava para esconder a escuridão e menos ainda a Constituição cidadã que completava 27 anos. Uma comemoração sob as trevas e ameaças do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha. Se vivo estivesse o deputado Ulisses Guimarães, que presidiu o processo Constituinte, certamente estaria indignado com o que estava acontecendo 27 anos depois da festa da promulgação da nova Carta Magna do país.
Uma ignomínia, uma falácia, uma vergonha! Querer impedir de forma prepotente e autoritária a realização de uma vigília na decantada casa do povo. Ele que, por diversas vezes, tem se reunido com deputados ruralistas que tentam tirar da Constituição, direitos sociais e étnicos conquistados com muita luta.
Nos depoimentos foram feitas várias menções sobre o desrespeito e formas como a Constituição está sendo rasgada pelos poderosos que nunca se conformaram com os direitos conquistaram pelos setores sociais. É revoltante constatar o que vem sendo feito com a Constituição nesses 27 anos.
Diante da firme decisão de manter a noite de vigília permanecendo no plenário, o presidente da Câmara mandou desligar a luz, o som e o ar condicionado. De nada adiantou.
Uma mesa foi formada com representantes dos movimentos, com Dra. Débora Duprat, coordenadora da 6ª Câmara do MPF, que permaneceu na vigília durante toda a noite, sob a coordenação do deputado Paulo Pimenta, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que também permaneceu em vigília.
No começo da madrugada alguns parlamentares compareceram para prestar apoio e solidariedade aos representantes dos povos indígenas e comunidades tradicionais, na luta por seus direitos, especialmente seus territórios.
CPI do Genocídio
Uma das ações com os quais os parlamentares presentes se comprometeram foi o empenho em criar a CPI do Genocídio que está acontecendo no campo hoje, contra os povos e populações tradicionais. Foi lembrado em vários momentos a dramática situação de violência e genocídio a que estão submetidas as populações do Mato Grosso do Sul, em especial os povos Kaiowá Guarani e Terena.
Enquanto estávamos em vigília para denunciar as violências e dar visibilidade às lutas no campo, mais uma comunidade Guarani-Kaiowá era atacada no Mato Grosso do Sul. Desta vez foi a comunidade Mbarakaí que sofreu um violento ataque de jagunços e milícias armadas dos fazendeiros.
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Egon Dionísio Heck – Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) no Mato Grosso do Sul.
Foto: Laila Menezes.