Há séculos nós, povos indígenas, desenvolvemos práticas que hoje são chamadas de agroecológicas. Nossas cosmovisões e saberes ancestrais, concepções fundantes das histórias que dão origem à existência de cada um de nossos povos, possuem uma relação intrínseca com os elementos da natureza, fogo, ar, terra e água.
Com a chegada dos colonizadores, invasores, com suas naus, exércitos, doenças e propostas estranhas ao nosso modo de vida, o equilíbrio que antes havia foi se perdendo. Deu-se lugar, de maneira forçada, a um modo de vida cujo centro pauta-se nos esteios do chamado sistema capitalista, consumista e produtivista, destruindo nossos rios, florestas e bem viver.
Junto a isso segue o genocídio de nossos povos. Desde o período da colonização europeia milhões de parentes foram diretamente assassinados ou simplesmente expulsos de seus territórios, morrendo lentamente, mesmo que inúmeras guerras de resistência tenham sido travadas por nossos povos guerreiros.
Entendemos que não é possível haver verdadeiro equilíbrio ambiental e agroecologia, sem que antes nossos territórios estejam demarcados, livres e desimpedidos de intrusos e depredadores da natureza; sem que nossos povos tenham saúde e educação pautada nos princípios que norteiam nossas visões de mundo e modo de vida; sem que nossos parentes deixem de ser mortos por pistoleiros e policiais a mando de madeireiros, fazendeiros, políticos corruptos e representantes do estado brasileiro.
Entendemos claramente que existe uma conspiração dos três poderes da república, executivo, legislativo e judiciário, para eliminar os povos indígenas do território do Brasil. A saída para isso é a articulação coordenada e ampliada de todos os povos indígenas do país, em uma luta de resistência e proposição.
O Governo brasileiro tem um discurso que não se realiza na prática, demonstrando que não possui real interesse pelas causas indígenas, priorizando os grandes latifundiários e o mercado financeiro, por isso tem como Ministra da Agricultura uma das maiores latifundiárias e destruidora das florestas do país, Kátia Abreu, e como Ministro da Fazenda um ex-dirigente do Banco Bradesco, Joaquim Levy.
Enquanto isso o governo se vangloria de estar trazendo para o Brasil os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, gastando milhões de reais enquanto nossos parentes são massacrados durante o processo de retomada de seus legítimos territórios.
O Congresso Nacional, paralelamente, tem aprovado inúmeras leis anti-indígenas, são Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) e leis que retiram direitos históricos dos povos indígenas, como a PEC 215, que busca entregar ao próprio congresso (declaradamente anti-indígena) a responsabilidade pela demarcação de nossas terras e também dos povos tradicionais, e o novo código mineral, que procura, com o apoio dos partidos da base do governo, tornar legal a exploração mineral e a construção de grandes hidrelétricas em nossos territórios. Tudo isso sem consultar os povos indígenas.
Entendemos que a única saída para essa série de ataques é a construção de uma unidade histórica entre todos os povos indígenas do Brasil, numa perspectiva autonômica, independente, pautada em nossa cosmovisão, princípios e práticas que negam tanto o individualismo que nos impede de ver além de nos mesmos, quanto a deformada e forçada concepção coletivizadora, que nos engessa, negando a possibilidade da diversidade e pluralidade. Em contraposição ao universo, apresentamos o multiverso, a construção do bem viver.
Nesse sentido, acreditamos que nós devemos ser os autores únicos de nossa própria história, escrevendo nossas páginas sem depender de órgãos governamentais ou instancias de decisão externas a nossa própria forma de organização. Temos o direito de garantir nossas próprias estruturas e estratégias de segurança, nos defendendo dos ataques de jagunços e pistoleiros que agem a mando daqueles que querem roubar nossos bens naturais. Devemos fazer nossa própria demarcação de terras, autodemarcação, de acordo com nossos parâmetros e necessidades, sem depender de ninguém para que isso seja feito.
Tudo isso se justifica, pois atualmente não estamos somente sendo explorados, mas sim massacrados pelo agronegócio, entre outras forças, que buscando ampliar seus espaços, derrubando a floresta, implementando monocultura e gado, não exita em nos eliminar fisicamente, homens, mulheres, idosos e crianças indígenas.
Igual como foi feito com nossos conhecimentos tradicionais, roubados pelos não índios, também devemos aprender a usar as novas tecnologias a nosso favor, facilitando nossa comunicação e articulação com outros parentes, mesmo àqueles que moram em locais muito distantes de onde estamos, porém devemos saber também que é necessário tomar cuidado com esses instrumentos, pois muitas vezes eles são usados para nos monitorar e até mesmo para nos criminalizar.
Reafirmamos que não é possível fazer uma plena e real agroecologia em nossos territórios sem que todos os graves problemas aqui apontados sejam superados, de outra forma, faremos somente ações parciais, totalmente insuficientes na construção do equilíbrio ambiental e social, necessários e urgentes.
Não podemos concluir este documento sem expressar nossa mais completa indignação com o genocídio que os povos indígenas vivem hoje no Brasil, incluindo aqueles expulsos de suas terras pelos grandes projetos de infra-estrutura. Também não podemos deixar de afirmar nossa total solidariedade à Nação Guarany-Kaiowa, povo que neste exato momento é vítima de um etnocídio implementado pelo estado brasileiro em aliança com latifundiários e outras forças políticas e econômicas do Mato Grosso do Sul e do Brasil. Exigimos que essa agressão cesse imediatamente e convocamos todos os parentes a se somarem a luta dos Guarany-Kaiowa. Somos todos Guarany-Kaiowa.
Belém, 01 de outubro de 2015.