Odair José de Souza, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores, discute o papel do agronegócio, criticando o uso de agrotóxicos, e analisa os desafios postos para a produção de alimentos saudáveis
Por José Coutinho Júnior
Do Brasil de Fato / MST
O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) irá realizar seu primeiro congresso em São Paulo. A organização pretende reunir 4 mil camponeses entre os dias 12 a 16 de outubro, na cidade de São Bernardo do Campo, para debater formas alternativas de produção e a aliança com os trabalhadores urbanos.
Segundo Odair José de Souza, dirigente nacional do MPA, a escolha da cidade não foi por acaso. “A relação do alimento com a cidade tem que levar uma mensagem de classe, de luta. Através do alimento a gente abre portas para fazer um debate com os trabalhadores do campo e da cidade, no sentido de que temos de nos unir”.
Paralela ao congresso ocorrerá uma feira com produtos produzidos pelos agricultores e uma mobilização com os trabalhadores urbanos. Em entrevista ao Brasil de Fato, Odair falou da importância do encontro, criticou o modelo do agronegócio e analisou a visão ainda presente na sociedade de que o camponês é atrasado. Confira:
Qual a importância do primeiro congresso do MPA, e porque ele será realizado em São Paulo?
O lema do congresso é “Plano camponês na aliança campo e cidade por soberania alimentar”. Estamos discutindo com os operários, com os metalúrgicos, os trabalhadores, a importância que o tema do alimento tem.
O povo brasileiro não se alimenta hoje, eles comem algo que acham ser alimento. É uma comida que não alimenta o bem estar, a alma, tem uma carga de porcaria.
Temos que fazer a discussão do que está sendo consumido e de quem produz. E quem produz está respeitando a natureza e produzindo sem veneno?
A relação do alimento com a cidade tem que levar uma mensagem de classe, de luta. Através do alimento a gente abre portas para fazer um debate com os trabalhadores do campo e da cidade, no sentido que temos de nos unir.
Escolhemos São Paulo por isso, e para os camponeses virem para cá, conhecerem como é. A nossa feira também vai estar ali, dialogando por meio da produção de todas regiões do país, para mostrar como tem diversidade de alimentos, como o operário pode fazer parte, chegar mais perto disso, para ver que há alternativa para a sociedade, para essa geração futura. Depende da relação entre campo e cidade e um projeto claro para o país.
Como os movimentos camponeses podem fazer frente ao agronegócio?
O agronegócio tem um projeto capitalista para o campo. O modelo de produção do agronegócio não é produzir alimento pro mercado interno, e sim exportar mercadorias.
O objetivo do agronegócio é o lucro, e a consequência desse modelo para a sociedade é o território devastado, devido ao monocultivo, que arrasa a terra e usa grandes quantias de agrotóxicos. Hoje o Brasil consome 5,2 litros de veneno por habitante. Somos o país que mais usa agrotóxicos.
Um modelo desses não se sustenta em nenhum país. O agronegócio é o capitalismo que leva o campo à barbárie.
Quando falamos em agronegócio, visualizamos um inimigo não só dos camponeses, mas da sociedade, que traz doenças como câncer para a sociedade, e esse modelo é capitaneada pelo governo brasileiro.
O produtor de alimentos no país é o campesinato. Hoje com 24% das terras produzimos 70% dos alimentos. Temos que enfrentar e encarar o agronegócio no campo através da nossa produção e da valorização dos nossos territórios, além de conscientizar a sociedade que o alimento que ela está consumindo é contaminado.
Você acredita que a consciência da sociedade em relação aos transgênicos e agrotóxicos está aumentando?
Os meios de comunicação, o Ministério da Agricultura são hegemonizados pelo capital e o agronegócio. Por mais que se saiba dos altos índices de agrotóxicos e dos riscos dos transgênicos, o debate avança pouco.
Mas temos tido êxito. Estamos realizando uma transição agroecológica na nossa base. Então muita gente que produzia com veneno hoje produz sem ou já diminuiu bastante. É uma discussão de médio prazo. Acreditamos que as futuras gerações vão ter outra concepção de agricultura pro campo.
A sociedade tem a visão do camponês como alguém atrasado. Como quebrar essa visão?
Há uma cultura pesada em cima do campesinato, e isso foi intencional, porque tinha que ter uma migração de pessoas para trabalhar nas grandes fábricas e esvaziar o campo, garantindo o domínio do latifúndio.
E não é só pela economia ou política que se esvazia o campo, é pela cultura. Desde o Jeca Tatu já se falava que o campesinato era atrasado, feio, tinha dente quebrado e que o país precisava de uma coisa mais moderna, do progresso.
Mas não puxamos um campesinato saudosista, e sim um que dialogue com esse tempo que vivemos século. As tradições ruins, como o machismo, podem ficar lá pra trás.
O campesinato não vai ter o dente estragado, vai ser médico, jornalista, vai lutar por uma cultura melhor, um bem estar maior para sua família e comunidade, porque ele não quer vir para a cidade disputar as políticas públicas da cidade, que não conseguem atender nem quem já mora aqui.
Eu não vejo atraso em quem quer produzir alimento saudável para o povo brasileiro. O campesinato é uma proposta alternativa de vida frente ao agronegócio, que é a proposta de morte para o campo.
De forma geral, o que o MPA entende por campesinato?
Entendemos que o campesinato é um jeito cultural de ser, de viver e de produzir diversificado. É um modelo de campo onde a gente trabalha com respeito à água, à natureza, com responsabilidade de produzir alimentos para quem come.
A concepção do governo em relação à agricultura familiar é de que se crie uma “classe média no campo”. Como lutar por um modelo alternativo de agricultura nesse cenário?
A cultura de confundir o que é agricultura familiar, camponesa e o agronegócio vem sendo implementada há muito tempo. Nós falamos que agricultura familiar é “agronegocinho”, porque para os produtores só muda a extensão de terra.
O agricultor ainda quer ter trator, silos grandes, plantar monocultivos. O que foi botado na cabeça dele através dos técnicos, agrônomos, da mídia é essa mentalidade, e a agricultura familiar se torna a extensão do agronegócio.
Temos outro entendimento de campo. O monocultivo não é alimento e não se sustenta. Tem que haver uma diversificação de produção, um cuidar do campo.
O monocultivo despreza a água, os recursos naturais, as florestas. Em Rondônia, por exemplo, derrubam babaçu, que dá uma variedade de alimentos, para plantar soja. É uma estupidez.
Como o Plano Safra se insere nessa lógica?
A agricultura familiar adota o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O programa não acode as necessidades do campesinato.
Temos 8 milhões de famílias no campo, e o Pronaf só assiste 700 mil famílias, que ficam endividadas depois de pegar o crédito. O Pronaf, por mais que seja dinheiro do governo, é operado pelos bancos.
Por isso o programa é muito burocrático, faz muitas exigências e não dá para pagar o retorno. Se fala que o Plano Safra tem 30 bilhões de reais para a agricultura familiar. Se 60% disso chegar na ponta é muito.
Tem que haver um tipo de crédito desbancarizado, com planos que beneficiem um modelo de agricultura diferenciada, com dinheiro específico do governo para um programa de fomento à agroecologia.
O Plano Nacional de Agroecologia não avançou na criação de um programa assim?
Avançou pouco, porque o Estado é inoperante. O Estado não foi feito para funcionar pros trabalhadores. Em Rondônia,são realizados diversos seminários para ver linhas para aplicar o plano, mas não sai do papel, e o recurso muitas vezes não chega.
Além disso, com os cortes do ajuste fiscal feitos pelo governo, que caem em cima dos trabalhadores, vai ser mais difícil ainda obter esse recurso.
O plano é bonito, mas não se materializa. Não por falta de vontade política, e sim porque estado é inoperante, ele não é feito para trabalhar para os pobres. Agora para o agronegócio o crédito chega rápido e o estado opera com eficiência.