Segundo dados apresentados em audiência no Senado, jovem negro tem duas vezes maior probabilidade de ser preso que jovem branco
O procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto, Luciano Mariz Maia, participou, nessa quarta-feira, 30 de setembro, de audiência no Senado sobre a situação atual dos direitos humanos no Brasil e no Mercosul. Segundo ele, dados sobre a população carcerária revelam um racismo institucional do sistema de justiça e segurança: “um racismo não percebido, não estudado, não enfrentado, simplesmente aplicado como se fosse um dado simples da realidade”.
Luciano Mariz explicou que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 600 mil pessoas presas e quase 200 mil que cumprem medidas penais condenatórias distintas da prisão. Segundo ele, o drama mais grave é que prendem-se mais os jovens e, entre eles, os negros: dos 600 mil presos, dois em cada três, ou em torno de 400 mil, são negros; quando a população brasileira, em números redondos, afirma-se metade negra e metade não negra. “O que quer dizer que há chance duas vezes maior de ser preso um jovem negro do que um jovem branco”, disse.
Ele lembrou ainda que o Brasil tem vivido, nos últimos anos, uma discussão a respeito da maioridade penal. Conforme afirmou, no Brasil, o jovem infrator com mais de 12 anos de idade e menos de 18, não comete crimes: um ato equiparado a crime é chamado de infração. Portanto, prosseguiu, não pode ser submetido ao sistema prisional normal nem se submete a um processo criminal normal. “É submetido ao juízo da infância e da juventude onde pode ser aplicada medida socioeducativa, cabendo também a restrição de liberdade”, afirmou.
O procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto também chamou atenção para o que tem sido chamado de “genocídio da população negra” no Brasil. Maia acrescentou que 2 em cada 3 jovens mortos até 17 anos são exatamente na idade entre 16 e 17 anos e que “é dramático o extermínio dos jovens negros entre esse jovens”. Conforme pontuou, quando se trata de estarem presos ou de serem possivelmente mortos, a quantidade de jovens negros vítimas de assassinatos mais do que triplica em relação a quantidade de jovens brancos. “O racismo, marcadamente na Polícia, no Ministério Público e no Judiciário, é um dos mais sérios problemas que temos que enfrentar”, disse.
Para ele, tanto nos dados dos encarceramentos quanto nos homicídios há elementos de racismo, há uma seletividade no sistema e uma identificação prévia da desvalia da vida humana desse jovem negro, normalmente associado a morador de periferia pobre da cidade e a pessoas sem recursos econômicos. “Isso faz com que nós identifiquemos as forças de segurança oficial e também as recrutadas dos que foram colocados para fora da polícia sendo responsáveis por chacinas que se multiplicam”, declarou.
Lei de Anistia – No plano normativo, Mariz levantou ainda a discussão sobre a Lei de Anistia no Brasil. Segundo ele, como aconteceu em vários outros países da região, os militares se auto-anistiaram e, portanto, perdoaram todos os crimes praticados no período da ditadura. “Nós não conseguimos aprender com as belíssimas lições que a Argentina e o Chile nos ensinaram, de avançar no respeito à memória e à verdade e reconhecer a invalidade da Lei de Anistia”, disse.
Conforme Luciano Mariz, os órgãos internacionais têm cobrado do Brasil uma posição firme em torno disso. “Há decisões do Supremo Tribunal Federal reconhecendo constitucional a Lei de Anistia, mas há também uma decisão da Corte Interamerciana de Direitos Humanos dizendo que a Lei de Anistia no Brasil não é compatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos”, afirmou. Segundo ele, isso permitiu que o procurador-geral da República apresentasse uma nova ação, agora afirmando que a lei não satisfaz a exigência de ser convencional.
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Imagem: Foto: Leonardo Prado/Secom PGR