Marcela Belchior – Adital
Na direção oposta aos interesses democráticos, defendido nos últimos anos pelos movimentos sociais e setores da sociedade civil organizada, a Câmara dos Deputados votou e aprovou em segundo turno o financiamento privado de campanha. O tema é considerado o núcleo duro da corrupção política no Brasil, figurando como o principal meio de interferência do favorecimento do setor privado em detrimento da garantia dos direitos da população.
O plenário da Câmara concluiu nessa quarta-feira, 12 de agosto, as votações da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 182/07). A maioria dos deputados e deputadas aprovou o financiamento de campanhas com doações de pessoas físicas a candidatos e a partidos políticos e de empresas a partidos, por 317 votos a favor a 162 contrários. No primeiro turno, a matéria havia sido aprovada por 330 votos a 141. Com o encerramento das votações em segundo turno, a PEC será enviada para discussão no Senado Federal.
A votação em primeiro turno sobre o financiamento de campanha, no entanto, ainda está em contestação no Supremo Tribunal Federal (STF), que foi acionado pelos partidos contrários ao financiamento privado. A ministra Rosa Weber negou o pedido de liminar de 61 deputados, que questionam a votação, mas o Pleno do STF pode julgar novamente o caso. Os deputados questionam a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha [Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro], de colocar em votação uma nova emenda sobre o tema, depois que texto semelhante foi rejeitado por insuficiência de votos.
Na prática, o que os parlamentares chamam de “reforma política” — considerada uma “contrarreforma” pelos movimentos sociais, realizada sem ampla discussão, participação popular e interesse público — altera muito pouco o sistema político-eleitoral que se opera atualmente. E ainda contribui para reforçar o uso da máquina pública para interesses de pequenos grupos e em favor do grande capital. Isto significa que o poder econômico vai continuar dominando o Parlamento.
O repasse de empresas a partidos e políticos candidatos nas eleições brasileiras já existe. Porém, se o Senado mantiver o dispositivo de financiamento de campanhas aprovado pela Câmara, estará constitucionalizado o sistema de financiamento de campanhas políticas no Brasil. No entanto, para ter validade, o texto ainda precisará passar pela sanção da presidenta da República, Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT], o que coloca duas etapas pela frente antes da decisão se tornar uma realidade para o/a eleitor/a brasileiro/a.
Em entrevista à Adital, Marcelo Lavanère, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas — movimento da sociedade civil formado por mais de 100 entidades representativas e movimentos sociais do Brasil —, disse que a aprovação da PEC é uma grande decepção.
“A sociedade civil e a opinião pública do nosso país ficaram muito frustradas com o resultado final da chamada reforma política, na Câmara Federal. Havia um sentimento positivo de que a Câmara não iria constitucionalizar o financiamento privado. Pelo contrário: diante de todas as evidências de que isso não é positivo para as eleições e a democracia, porque cria uma dependência do representante do povo em relação àqueles que o financiam, achamos que votariam contra”, lamenta Lanavère.
Agora, com a discussão chegando ao Senado Federal, Lavanère avalia que o contato, de forma mais direta e individual, com cada senador pode facilitar uma convergência e impedir o crivo dos parlamentares. “Nós estamos nos articulando para, no Senado, tentarmos modificar [esse cenário]. Não é fácil, há também dificuldades muito grandes. Mas a Coalizão vai tentar refazer o trabalho com os senadores. Lá, são apenas 81, ao passo que, na Câmara, são 513 deputados. Era mais difícil fazer contato pessoal”, indica.
Ainda que aprovado o financiamento de campanha eleitoral por empresas, Lavanère avalia positivamente o fato de que esse aporte só pode ser feito por meio dos partidos, e não mais da relação direta entre empresários e candidatos. “Não chega a ser uma grande vitória, mas não deixa de ser uma melhoria no sistema”, opina. Dentro do pacote de medidas aprovado na PEC, Lanavère considera benéfico o fim da reeleição para prefeitos, governadores e para presidente da República, além da diminuição do número de assinaturas necessário para aprovar um projeto de iniciativa popular. “Isto melhora o desempenho e a seriedade das eleições”, afirma.
Representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Coalizão, Aldo Arantes explica à Aditalque as duas principais consequências da constitucionalização do financiamento privado de campanha são: que a representação política dos donos do capital interferem no direcionamento das ações dos representantes da sociedade, que acabam atuando em favor de uma minoria; além de ser o principal canal da corrupção eleitoral. “Os empresários entregam uma parte do financiamento legalmente e outra parte ilegalmente. Uma parte vai para a campanha e outra para o bolso. Aí está a razão estrutural da corrupção eleitoral”, aponta.
Na avaliação de Arantes, tal medida é somente “a ponta do iceberg” de todo um projeto que vem sendo construído no Brasil pelos setores conservadores, para redirecionamento do interesse público ao interesse privado. “É um retrocesso. Uma tentativa de conquistar a sociedade brasileira para um outro projeto que visa a consolidar o poder do capital”, afirma.
Outras propostas aprovadas
Mandado e data de posse: mantido mandato de quatro anos para presidente da República, governadores, prefeitos, vereadores e deputados e de oito anos para senadores. Posse para estes cargos permanecerá em 1º de janeiro.
Sistema proporcional: plenário manteve sistema proporcional usado atualmente, que preenche as cadeiras de acordo com os votos recebidos pela legenda e pelos candidatos, possibilitando o acesso de candidatos menos votados devido às coligações partidárias.
Fim da reeleição: PEC aprovada acaba com a reeleição para prefeitos, governadores e presidente da República. Pela proposta, os eleitos em 2014 e 2016 que estiverem aptos a se reelegerem, pela regra atual, terão esse direito preservado.
Cláusula de desempenho: deputados resolveram limitar o acesso ao Fundo Partidário e ao horário eleitoral gratuito no rádio e TV apenas aos partidos que tenham concorrido com candidatos próprios à Câmara e tenham eleito pelo menos um congressista (deputado ou senador). Hoje, 5% do fundo são distribuídos entre todas as legendas existentes, que também podem ir ao rádio e à TV. Com a proposta, esses direitos só caberão aos que tiverem representação no Congresso.
Idade mínima: candidatos a deputado federal, estadual ou distrital poderão disputar as eleições com 18 anos e não mais com 21. Para os cargos de governador, vice-governador e senador, a idade passará a ser de 29 anos. Atualmente, a Constituição Federal determina que, para ser governador e vice-governador de estado e do Distrito Federal, é preciso ter 30 anos e, para se eleger senador, é preciso ter 35 anos.
Fidelidade partidária: A PEC determina que perde o mandato aquele que se desligar do partido pelo qual foi eleito, exceto nos casos de “grave discriminação pessoal, mudança substancial ou desvio reiterado do programa praticado pela legenda”. Entretanto, a proposta de emenda permite a desfiliação partidária sem perda de mandato em até 30 dias após a promulgação da futura emenda constitucional, sem prejuízo ao partido que perdeu o filiado quanto à distribuição de recursos do Fundo Partidário e ao acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.
Voto impresso: aprovado voto impresso para conferência do eleitor antes deste concluir a escolha. A impressão ficará em local lacrado, sem contato com o eleitor.
Saiba mais sobre cada ponto votado.
(com informações da Rede Brasil Atual – RBA)