Conselho Indígena de Roraima – CIR
Em avaliação após a realização do Tribunal do Júri Popular na Comunidade Maturuca, que ocorreu no dia 23 de abril de 2015, as lideranças indígena presentes concluíram que o ato servirá para o aprofundamento das discussões internas sobre a solução dos problemas sociais das comunidades. Por outro lado questionamos a forma de justiça do Estado Brasileiro que encarcera pessoas para cercear sua liberdade mas não recupera o indivíduo. Esta forma de justiça leva pessoas a ficarem ainda mais criminosas. Vemos também que pessoas que cometem todo o tipo de crime—crime de corrupção, crime contra os povos indígenas, crime contra o meio ambiente—estão livres.
Avaliamos também que o ato do júri foi desrespeitoso pois as partes de acusação e defesa se xingaram publicamente. A defesa elogiou o vendedor de bebida alcoólica aos indios e também certos invasores das nossas terras. Esse tipo de atitude contraria a nossa prática e expectativa de que autoridades devam dar examplos de boa fala e boas atitudes a todos. Foi difícil termos que ouvir calados ofensas em nossa própria casa.
Nos causou surpresa, indignação e revolta quanto a promotoria leu trechos do laudo antropológico do processo judicial em questão. O laudo diz que a Região das Serras é a morada dos canaimés e que então todos os moradores das Serras são canaimés. O laudo contém muitas informações erradas sobre nossa cultura e reforça a discriminação contra a vítima do processo judicial e sua comunidade. O autor do laudo conhece pouco ou quase nada de nossa cultura e realidade. O laudo antropológico causa danos aos nossos direitos coletivos e de imagem. Nós já protocolamos no Ministério Público Federal uma representação contra o laudo.
Durante o júri identificamos um grupo de alunos que filmavam o ato sem nossa permissão. As equipes do TJ e do MPE foram as únicas autorizadas a fazer gravações durante o andamento do júri. Sabemos que o tribunal do juri é um ato publico, no entanto quando acontece dentro de uma comunidade indigena passa a ser também regido por normas próprias das comunidades e do Estado Brasileiro que regulamentam a entrada em terras indígenas. Pesquisa, uso de imagem e todo tipo de coleta de dados para produção e divulgação científica, e publicidade dentro de comunidades indígenas devem seguir as normas estabelecidas pela Instrução Normativa 001/PRES/95 e Portaria 177/PRES, ambas da Funai. A regra fundamental é o consentimento livre e informado das comunidades indígenas para qualquer tipo de estudo. O referido júri indígena não poderá ser utilizado para pesquisas e palestras sem a autorização das comunidades envolvidas pois envolve nosso direito coletivo de imagem e conteúdo cultural.
Sempre na solução de nossos problemas agimos de forma a fazer justiça plena (penal, civil e administrativa) onde as famílias das vítimas e dos réus se sintam em paz com a decisão. É fundamental que os réus possam refletir sobre seus erros e serem re-socializados junto às comunidades e que não apresentem perigo, bem como que a vítima ou sua família possan ser amparado pelas comunidades. Esses são os princípios gerais da nossa forma de justiça.